“O Rosto de Deus”, de Roger Scruton: tentar olhar para Deus sabendo que se falha

por Mário Rufino,    5 Fevereiro, 2024
“O Rosto de Deus”, de Roger Scruton: tentar olhar para Deus sabendo que se falha
Capa do livro
PUB

Olhar para uma presença que não se conhece e não discernir os traços do rosto. Como poder conhecê-Lo sem o desvirtuar?  
Roger Scruton (Lincolnshire; 1944-2020), em “O Rosto de Deus” (Edições 70), tenta delinear o rosto da figura tutelar para os crentes. Fá-lo mais por dizer o que não pode ser do que uma afirmação impossível e categórica das características de Deus.  
O livro baseia-se nas Conferências Gifford na Universidade de St Andrews durante a Primavera de 2010. O objectivo das conferências foi promover e difundir o conhecimento de Deus sem o pó escolástico a afectar o sentido e a tornar os textos impermeáveis à compreensão do leitor não especializado.
 
O filósofo britânico percorre séculos, dialoga com nomes como Dawkins, Kant, Avicena ou Platão, entre tantos outros, na tentativa de entregar ao leitor uma visão possível de quem faz o julgamento final.  
A negação do rosto de Deus passa por essa fuga ao julgamento.  

Para Scruton, “existe mais do que um motivo subjacente à cultura ateia dos nossos tempos, e o desejo de escapar ao olho do julgamento é um deles. Escapamos ao olho do julgamento apagando o rosto.”  

A crença em Deus é hoje vista como sinal de imaturidade emocional e intelectual. O afastamento é tanto intelectual, com a denúncia da inexistência do divino, como moral, que envolve um afastamento quotidiano e ético de Deus.  
Para Scruton, quando tentamos provar a existência de Deus com argumentos abstractos e sem referência ao mundo empírico acabamos por esconder o Seu rosto.  

Para O conhecermos, temos de abandonar a terceira pessoa; é quando o tratamos por “Tu” que o pomos a viver entre nós, é quando nos aproximamos dele que abreviamos caminho.  
“Se olharmos o mundo com os olhos da ciência, é impossível encontrar o lugar, o tempo ou a sequência particular de acontecimentos que podem ser interpretados como revelação da presença de Deus. Deus desaparece do mundo, assim que abordamos o mundo com o «porquê?» da explicação, tal como a pessoa humana desaparece do mundo quando procuramos a explicação neurológica dos seus atos. (…) O Deus dos filósofos desapareceu atrás do mundo, porque foi descrito na terceira pessoa, e não abordado na segunda.”  

As religiões, que nos satisfazem a necessidade de pertença, trazem-No a nós, através da comunhão e da ligação entre crentes. É no paradoxo de comunhão e relação pessoal que Deus marca presença entre os humanos.  

“Decerto Deus tem de estar presente no mundo, se devemos ter fé nele: pois a fé é uma relação pessoal, uma relação de confiança, que exige o tipo de mutualidade que um ser livre pode oferecer a outro, no mundo do espaço e tempo.”  
A exploração do significado assenta em palavras essenciais como “eu, “tu” e “porquê?”. Ao nos debruçarmos sobre estas questões ficamos mais perto de uma teoria geral do rosto que, tal qual a Santíssima Trindade, se divide em três: o rosto da pessoa, o rosto do mundo e o rosto de Deus. 

Mesmo estando concentrados na resposta ao “porquê”, justificando o nosso estado de espírito, vai-se muito mais longe do que isso. Ao nos justificarmos, vemos as nossas acções na visão de o “Outro”. Na pergunta “porquê?” pomo-nos na perspectiva do “eu” e do “tu”, ligando os dois, fazendo-os estar cara-a-cara. O véu esbate-se.   

Scruton tenta ser o mais claro possível, mas por vezes não consegue. Talvez até nem seja possível chegar a uma mensagem tão clara para algo tão fora do espaço e do tempo. A circularidade dos argumentos remete-nos para a pergunta de base: o que é ou quem é Deus?  

Seja como for, “O Rosto de Deus” é um excelente livro para princípio de debate, com indicações de possíveis caminhos para um estudo mais aprofundado. Se visto como um princípio, “O Rosto de Deus” é um excelente começo. Como filosofia, cada resposta vem grávida de várias perguntas, e a corrida atrás do sentido é infinita. Scruton tenta conciliar as diferentes perspectivas; num registo poliédrico, conjuga ideias científicas, religiosas e filosóficas, sem abandonar questões estilísticas. O filósofo consegue frases elevadas a poemas:  
“[sobre o beijo] Os lábios são oferecidos como espírito, mas reagem como carne.”  

“O Rosto de Deus” é, sobretudo, um livro com base cristã, é um livro que vai ao encontro do outro. 

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.