Os diferentes tons de Angel Olsen
Angel Olsen não é estranha nenhuma em solo português. Tendo criado laços estreitos com a galeria Zé Dos Bois (ZDB), deu os seus dois primeiros concertos em nome próprio em Lisboa, em Setembro de 2015, um com banda, no jardim do Trienal de Arquitetura de Lisboa, em que tivemos a primeira noção da sua capacidade vocal numa performance ao vivo, e um a solo na sala de concertos da ZDB no Bairro Alto, em que a Angel se apresentou de um modo mais cru, expondo simultaneamente a sua força e vulnerabilidade, perante uma sala com lotação esgotada.
Talvez a cativante vida lisboeta, ou a empatia criada com o pessoal da galeria, tenham feito com que a cantautora voltasse para uma residência de criação, tendo na capital ficado um mês, em que deu uma nova atuação a solo, stripped-down, apresentando-se só com guitarra. Aí, mais do que temas dos seus dois primeiros LPs, deu-nos uma ideia daquilo que estava para vir no seu futuro álbum, tendo tocado novas músicas, como por exemplo, Heart Shaped Face, na qual leva a sua voz a limites a que a audiência ainda não tivera acesso, revelando poder esperar-se uma mudança na abordagem vocal para o novo LP, mudança essa não perniciosa, mas cheia de esperança e promessa.
Foi em Setembro do ano passado que Olsen lançou um álbum que a destacou de outros seus contemporâneos do mesmo género. My Woman é um álbum de iteração, de afirmação. Uma afirmação que se sente no tema de abertura, Intern, em que a guitarra fica de lado, e o sintetizador desperta os sentidos. É uma nova Angel, que simultaneamente entrega tanto os clássicos ritmos de folk a que habituou a sua audiência (Heart Shaped Face ou Sister), como temas de rock com influência do post-grunge, como Give It Up, ou o single Shut Up Kiss Me.
Nota-se que Shut Up Kiss Me, a par de Intern, foi o single escolhido para acentuar essa diferenciação. Vendo os videoclips que os acompanham, e que se complementam, assistimos à cantautora com uma disposição e uma robustez que nunca se vira antes (no fim do vídeo de Shut Up Kiss Me temos Angel a perguntar “Do I need to give more attitude or..?”). Para além da experimentação vocal, visualmente há um novo ânimo, uma determinação que se exprime não só pela gestualidade, pelo olhar – que no vídeo de Intern, tratado como trailer para My Woman, penetra a audiência, em modo de “aviso” – mas até mesmo pela cintilante peruca prateada, talvez a mais clarividente imposição estilística (visual) desta “nova Angel”: Os temas de desamor e dor de coração continuam presentes, muda então a sua abordagem.
A mudança de direção sonora, que culmina neste último LP, é algo a que não podemos dissociar de Angel Olsen desde Half Way Home, o seu primeiro full-length, um brilhante compêndio de temas de folk americano, que nos trouxe Acrobat ou Miranda, a icónica “balada jurídica” (“You have a right to remain silent / Anything you say or do / Will be held against you in a court of law / So don’t be such a fool”), e que despertou os ouvidos da sociedade para esta promessa que se ouvira pela primeira vez como apoio vocal a Bonnie Prince Billy. Daí até Burn Your Fire For No Whitness há uma explosão de guitarras. O ritmo aumenta substancialmente, o que elimina um pouco a noção de taciturnidade que o primeiro LP confere, e, embora deixe alguns cépticos, é um passo crucial para a transição de Angel até à atualidade. Disso são mostra High and Wild ou Forgiven/Forgotten, a música que mais se aproxima da atitude apresentada presentemente pela artista e que mais uma vez se expressa pelo vídeo que a acompanha, enquanto que Dance Slow Decades ou Windows preservam a lamentação melódica e lírica que trouxe Olsen para o panorama da música atual.
Angel Olsen volta a Portugal em Junho deste ano, desta vez ao Norte, para o festival Nos Primavera Sound, onde vai apresentar o seu último e magnífico álbum, e que fez parte dos 50 melhores álbuns de música de 2016 para nós.