Panda Bear ao vivo: extravagância, intensidade e alguma indulgência
Na véspera do Dia da Liberdade, poder-se-ia acreditar que Lisboa não teria tanta procura para a oferta de eventos que a cidade deu ao público interessado. Sinceramente, o mais difícil terá sido escolher. No entanto, na sequência do lançamento de Buoys, o mais recente álbum de Panda Bear, seria complicado perder o concerto que um dos mais reconhecidos residentes lisboetas (na esfera da música alternativa, pelo menos) deu no Grande Auditório da Culturgest. O recinto cheio demonstrou o entusiasmo que a cidade tem em receber um artista assim em concerto tão frequentemente.
Buoys é um álbum bastante coeso, com um som que se diria tranquilo e veraneante, pelos rascunhos de guitarra acústica que o vão pontuando. Dessa forma, não se esperava que o concerto de apresentação do mesmo fosse tão extravagante, intenso e, até, um pouco cansativo. Noah Lennox foi responsável por tudo o que ouvimos, em controlo dos seus samplers, que pegaram em elementos e canções reconhecidos de Buoys, misturando-os com momentos mais aguerridos de experimentação rítmica e canções anteriores, nomeadamente do EP A Day With the Homies. Atrás de si, projecções de vídeo – a cargo de Danny Perez – desnorteavam o público como se caleidoscópios se tratassem. Para completar o conjunto, luzes estroboscópicas e uma máquina de fumo confundiam a percepção do espectador, e exacerbavam a componente alucinogénica da performance.
O espectáculo começou com um som repentino e alto – muito alto –, que pôs o público em sentido e ditou o mote para um concerto imprevisível e de mudanças bruscas. No geral, as transições e a forma como alguns sons apareciam deram uma ideia algo amadora, o que retirou fluidez a uma performance que disso necessitava. O que essa imprevisibilidade trouxe de bom, é que tivemos oportunidade de ouvir e experienciar uma paleta de sons extremamente variada, que atesta as capacidades de compositor de Lennox. Alguns ritmos bebiam do trap – talvez por influência do produtor Rusty Santos –, passando até pelo breakbeat e outros ritmos urbanos bem reconhecidos das canções mais mainstream hoje em dia produzidas. Claro que aqui vestiram uma roupagem mais distorcida e experimental.
Os pontos mais fortes foram realmente as canções intocadas de Buoys, que, quando apareciam, eram logo reconhecidas graças aos seus samples idiossincráticos. “Token” e a linha de guitarra inicial trouxeram um sorriso aos nossos lábios. Antes de começar “Dolphin”, Noah despiu a canção anterior até se ouvir apenas o som borbulhante que marca o início da canção – e do álbum. A produção cristalina – pela qual Chris Freeman foi responsável – fez com que realmente nos sentíssemos dentro de uma sala repleta de bolhas. Depois surge então um dos elementos mais reconhecidos da música do universo de Animal Collective: a voz de Panda Bear. Sempre jovial e destemida, em algumas canções brilhou e impressionou com a sua clareza, mas noutras sentiu-se algumas falhas, quando parecia ser apenas um uivo fora de tom por cima da mescla ruidosa da música.
A canção homónima, “Buoys”, foi a que melhor fez o cruzamento entre o universo aquoso do álbum e a vertente mais agressiva da tradução ao vivo, com as suas quebras rítmicas de ruído. Gostaríamos de ter ouvido “Inner Monologue”, com os coros de vozes catárticos – cuja coordenação esteve a cabo do português Dino d’Santiago – que provavelmente seriam uma boa adição à esquizofrenia da actuação do músico.
Ao fim de cerca de uma hora de espectáculo, o palco começou a encher-se de fumo, para pontuar o final. A nuvem que se formou difundia as faiscantes luzes estroboscópicas, criando uma massa luminosa, o que foi um excelente apontamento visual para terminar um espectáculo que confiou muito nessa componente. O público aplaudiu, com alguns membros especialmente entusiasmados, mas não foi suficiente para potenciar um encore, deixando a ideia de que as expectativas para o espectáculo não foram completamente supridas.
O concerto sofreu daquilo que normalmente aflige os concertos de Animal Collective, uma certa indulgência que impede a ligação com o público. Aqui, a ligação foi quase que forçada com o som elevado, numa tentativa de envolver o público no mesmo – algo que por vezes funcionou, quando o equilíbrio entre repelir o ouvinte e atraí-lo se situava num misto interessante. É certo, ainda, que o maximalismo e variedade do concerto revelaram o enorme espírito criativo de um dos artistas mais prolíficos da música experimental contemporânea. Qualquer que tenha sido a percepção de cada espectador, pelo menos não terá ficado indiferente ao concerto de Panda Bear.