Paredes de Coura dia 2: LCD Soundsystem regressaram em grande
O segundo dia do Vodafone Paredes de Coura arrancou com a atuação do músico americano Ryley Walker, do Illinois. Este músico, ainda antes de marcar presença no palco Vodafone, foi um dos artistas escolhidos para participar nas sessões secretas do festival: festivaleiros escolhidos ao acaso no campismo do festival são convidados a deslocarem-se a um local a designar para ouvir um artista ou banda também ainda não revelado. Neste dia, coube a Ryley Walker encantar alguns dos sortudos fãs que foram convidados a comparecer no pequeno concerto que deu nas escadas da igreja do Espírito Santo, nos arredores do centro da vila de Paredes de Coura. Não tivemos a sorte de ser convidados para assistir a este momento que, segundo relatos de pessoas que lá estiveram, foi algo de mágico. Segundo Lia Pereira, jornalista da Blitz, este foi um momento de verdadeira paz onde todos se sentiram em casa, e até se ouviram algumas comparações entre Walker e Eddie Vedder.
Este dia marcou também a abertura do palco secundário do festival, entitulado de Palco Vodafone.FM. Nele marcaram presença Joana Serrat, Bed Legs, e Shura, mas quem verdadeiramente surpreendeu no meio destas atuações foram os músicos da Georgia, Algiers. A banda liderada por Franklin James Fisher criou naquele espaço um ambiente eletrizante, combinando as suas raízes pós-punk com um som muito típico do gospel inspirado pela literatura sulista gótica americana. Este som de soul distópico é genuinamente único aos Algiers, e os seus vocais inspirados no afrofolk e sons atonais, quando aliados às músicas com mensagens fortes sobre o racismo nos Estados Unidos da América tornam esta banda inconfundível. Foi um dos concertos que marcou o dia, e certamente um dos melhores do festival.
No mesmo dia começaram também as animações no parque de campismo. Samuel Úria e Gisela João partilharam alguns dos seus poemas favoritos, de autores como Nick Cave, Tom Waits ou Carlos Drummond de Andrade. Gisela João cantou com a sua voz única e personalidade sempre quente alguns hinos do fado e Samuel Úria mostrou ter uma costela de declamador, talvez vinda ainda do tempo em que era professor. Neste palco passou também Box to Box, após as Burn River Sessions, um momento de música em forma de DJ Set fornecido pela Burn (bebida energética), formato que se repetiu em todos os restantes dias do festival.
Voltando ao palco principal, os experientes Sleaford Mods deram um concerto diferente de tudo o que se ouviu nesta edição do Paredes de Coura, com batidas rápidas e rimas cuspidas para um microfone. Confessando não estarem habituados a ter tanta gente a vê-os (apesar de o palco Vodafone ainda não ter estado completamente composto), trouxeram novamente à ribalta um tema que marcou a sociedade nos últimos meses: a saída do Reino Unido da União Europeia. A banda chamou ao palco uma amiga imaginária, chamada de Little England. Esta amiga não quis aparecer, e a banda brincou com a situação: «A Little England não vos quer dizer olá. Ela acha que é melhor que vocês. E sempre achou. Por isso, eu e o Andrew queríamos pedir desculpa por ela». Esta mensagem política em tom de brincadeira levou o público a aplaudir em uníssono.
Aos Sleaford Mods seguiram-se os Thee Oh Sees. Este concerto foi talvez o que mais fez o público delirar, levantando uma quantidade tal de poeira do recinto entre mosh pits e crowd surfings que até quem se deixava ficar pelas zonas laterais ou mais reciadas do recinto era afetado. Foi um estrondo de rock n’ roll que rompeu com as normas de Paredes de Coura. A banda tinha já estado presente no festival na edição de 2014, onde foi necessário parar o concerto a meio pois temia-se que fãs invasores de palco ferissem o guitarrista da banda. Desta vez, tal só não se verificou devido à eficaz atuação dos seguranças, pois a vontade do público de delirar cada vez mais perto dos músicos era bem real. A banda apresentou já algumas das músicas que figurarão no seu 17º (!) álbum, ainda por lançar, que foram recebidas, tal como todas as outras, num misto de gratidão e encontrões desamparados. Apesar de ter sido o delírio de muitos, este rebentamento de rock n’ roll de Paredes de Coura causou algum desconforto a quem toca instrumentos musicais, especialmente bateria: esta foi uma das bandas que fez questão de se apresentar com duas baterias. E se há alguns casos em que isso funciona perfeitamente bem (casos esses como os Paus ou os Massive Attack), estas duas baterias estavam pura e simplesmente sintonizadas tocando exatamente a mesma coisa, o que fazia com que se fechassemos os olhos, ouvissemos apenas uma bateria. Parece algo escusado, não?
Às 00:20 chegou talvez o momento mais aguardado de todo o festival: o regresso dos LCD Soundsystem. A banda tinha-se separado há mais de 5 anos e foi o festival da Vodafone quem conseguiu segurar a contratação de James Murphy (que lembrou Lemmy Kilmister, dos Motorhead, puxando a conversa de quando há mais de uma década esteve em Portugal num palco partilhado com a banda do recentemente falecido artista, levando o público a dedicar-lhe uma sentida mensagem em forma de aplausos) e companhia em solo nacional. Foi um dos concertos mais marcantes de Paredes de Coura, e o público viu uma banda que pareceu nunca ter estado separada. Todas as músicas foram levadas a bom porto com ajuda do coro que eram os milhares de pessoas do público, e a banda não vacilou: todo o concerto foi executado com uma perfeição técnica de invejar, e apresentaram-se aqui fiéis a si mesmos, como sempre se apresentaram (sim, Murphy continua a praticar o grip de duas mão no microfone). Notória foi a experiência de palco que estes senhores da música trouxeram consigo, pois foi um concerto de uma segurança e mestria que só se encontram em bandas que já se dedicam ao espetáculo há várias décadas. Findada esta atuação, todo o público se moveu para o palco secundário, onde desta vez se desenrolava a fase after hours do festival. Suuns, Rastronaut e Branko meteram Paredes de Coura a dançar com DJ Sets iguais a tantos outros. Simples, mas eficientes.
Fotografia do artigo: Hugo Amaral / Observador