Precariado: uma problemática do quotidiano

por Sara Rathenau,    7 Dezembro, 2019
Precariado: uma problemática do quotidiano
Fotografia de Sara Rathenau
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Que papel tem o trabalho na vida do homem? O que mudou no trabalho? É visível que o mundo laboral está em processo de mudança. Observam-se diversas mudanças a nível económico, a nível industrial e a nível tecnológico. A competição cresceu e diversas formas de trabalho flexível surgiram globalmente. Mas que novas formas de trabalho surgiram? E que impacto podem ter no bem-estar dos trabalhadores?

Foi a partir desta pergunta que a minha investigação começou. Coloco-te a seguinte questão: conheces alguém que exerça um trabalho com privação económica, direitos de trabalho limitados, baixa protecção social, insegurança no trabalho e que ainda tenha um contrato de curta duração? De certeza que sim. O tipo de trabalho que acabei de enunciar é o trabalho precário e este é considerado um dos principais determinantes das desigualdades sociais em saúde na Europa (Puig-Barrachina e colaboradores, 2011, disponível aqui). Sabe-se que o trabalho precário está em crescimento e continuará a crescer. Portugal não é, nem será uma excepção.

Recolhi informação junto de 405 trabalhadores portugueses. Através do meu estudo, confirmei que sujeitos que apresentam elevado nível de trabalho precário apresentam valores baixos de bem-estar psicológico. Para além disso, verifiquei que a motivação para o trabalho e o significado do trabalho influenciam parcialmente o impacto que a precariedade do trabalho apresenta no bem-estar psicológico.

Vários jornais e revistas portuguesas têm-nos presenciado com notícias que reforçam esta ideia. Numa notícia escrita pela jornalista Alexandra Figueira, em 2010, para o JN (disponível aqui), está presente a informação de que em Portugal em cada 10 novos trabalhos, 9 são considerados precários e raramente envolvem um tipo de contrato com um vínculo laboral permanente. No dia 27 de Janeiro de 2019 várias plataformas informativas (como é o caso do Diário de Notícias, do JN e da Sábado) divulgaram uma notícia com o seguinte título: “Portugal é o segundo país europeu onde o trabalho precário mais subiu”. Para escreverem esta notícia os autores apoiaram-se nos dados da Eurostat (2018, disponível aqui) onde é possível verificar que os contratos precários aumentaram 1,8 pontos percentuais entre 2008 e 2017 em Portugal. Através da observação da tabela, é possível confirmar que Portugal encontra-se em 2.º lugar na lista de países com mais contratos precários em relação a 2008.

Para além do crescimento do trabalho precário verifica-se o surgimento de uma nova classe social: o precariado. Guy Standing (2011) escreveu o livro “O precariado – a nova classe perigosa”. Aqui o termo precariado é utilizado com uma conotação distinta da referente ao trabalho precário, contudo, a questão da temporalidade é um aspecto central do status do precariado. Esta população convive com ansiedade e com uma insegurança crónica. As pessoas sentem-se inseguras, tensas, subempregadas, subexploradas, desesperadas e alienadas em relação ao seu emprego.

Após recolher informação que demonstra que o trabalho precário apresenta consequências na vida dos seus trabalhadores, deparei-me com a seguinte questão: Como é que se pode melhorar a vida destas pessoas? Foi com o propósito de dar uma possível resposta a esta questão que desenvolvi a minha dissertação de mestrado. Foquei-me no conceito de bem-estar psicológico que é uma visão de bem-estar a longo prazo, que investiga o crescimento e potencial humano. Recolhi informação junto de 405 trabalhadores portugueses. Através do meu estudo, confirmei que sujeitos que apresentam elevado nível de trabalho precário apresentam valores baixos de bem-estar psicológico. Para além disso, verifiquei que a motivação para o trabalho e o significado do trabalho influenciam parcialmente o impacto que a precariedade do trabalho apresenta no bem-estar psicológico.

Que implicações trazem estes dados para a problemática quotidiana com que nos deparamos? O estudo que realizei demonstra que é possível melhorar o bem-estar psicológico de trabalhadores precários. Como? Através de intervenções na motivação e no significado do trabalho. Verifiquei que trabalhadores precários mais motivados e que atribuem maior significado ao seu trabalho, apresentam valores mais elevados de bem-estar psicológico. Existem intervenções que podem ser implementadas nas empresas com o intuito de alterar a motivação e o significado para o trabalho. E é só o trabalhador que ganha com esta intervenção? Não! A literatura demonstra que sujeitos mais motivados (Baard, Deci & Ryan, 2004, disponível aqui) e ainda com níveis mais elevados de bem-estar psicológico (Wright e Cropanzano, 2000 citado por Loon et al., 2018, disponível aqui) apresentam maior desempenho e maior produtividade. Ganha o trabalhador e ganha também a empresa. Contudo, parece existir uma tendência no mercado laboral para que o homem viva cada vez mais para o trabalho.

O que significa viver para o trabalho?
Segundo Arendt (1981 citado por Byung-Chul Han, 2010 no livro Sociedade do cansaço) a sociedade moderna transformada em sociedade do trabalho destrói qualquer possibilidade de acção, pois reduz o homem a animal laborans, o animal trabalhador. Byung-Chul Han (2010) no livro “A Sociedade do Cansaço” afirma que a sociedade coerciva em que vivemos leva a que cada homem transporte às costas o seu próprio campo de trabalho forçado. A sociedade de produção, produz um cansaço individual, um cansaço que separa e isola. Uma das dimensões que é avaliada através do bem-estar psicológico é se o indivíduo possui relacionamentos acolhedores, seguros, íntimos e satisfatórios. A sociedade em que habitamos, resulta de uma sociedade hiperativa e sendo hiperativa não existe espaço para ver o outro, para a alteridade e para a empatia. Esta ideia cruza-se com a de Standing (2011) quando o mesmo afirma que o precariado é caracterizado por pessoas que se sentem inseguras, tensas, subempregadas, subexploradas e alienadas em relação ao seu trabalho. Existindo tantos factores negativos e um cansaço que separa e isola, naturalmente não existe espaço para criar relações positivas com os outros.

O meu estudo não é apenas um convite para reflectir sobre esta temática. É acima de tudo uma chamada de atenção. Existe uma urgência não em constatar factos, mas em dar respostas. É necessário olhar para o precariado e para o trabalho precário de frente.

O precariado vive no metro todos os dias. Vive no trânsito. Habita as ruas entre a fadiga e o café. De manhã à noite. Acorda cansado e deita-se cansado. Ele próprio é o cansaço. Nas pausas da fadiga, mergulha os olhos no smartphone e vê a vida camuflada de outros também fatigados. O precariado não tem idade, não tem género. Caminha pela rua apressado todos os dias com uma mala de ansiedade às costas. Às vezes sonha com o futuro, com o seu futuro, mas rapidamente perde a esperança. Ao computador, a servir às mesas ou até mesmo a carregar baldes de cimento. O precariado está aqui. Está à frente dos meus olhos, está à frente dos teus olhos. Neste preciso instante.

O precariado vive aqui e agora.

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