Quem foi Carolina Michaelis?

por Lucas Brandão,    20 Dezembro, 2017
Quem foi Carolina Michaelis?
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Carolina Michaëlis foi uma pioneira em Portugal. Imigrante proveniente da Alemanha (então designada Prússia) e mulher de cultura, fez prevalecer e promover a emancipação do sexo feminino numa perspetiva social. É necessário, assim, refletir sobre a discrepância de oportunidades existente quanto ao género nos finais do século XIX e início do século XX. Neste sentido, a luso-alemã promoveu um trabalho de investigação incessante e foi também a primeira mulher a lecionar numa universidade portuguesa, em Coimbra, embora como convidada. Uma figura de proa que merece um retrato particular, tanto numa visão profissional como pessoal.

Carolina Wilhelma Michaëlis de Vasconcelos nasceu em Berlim a 15 de março de 1851. Sendo a mais nova de cinco irmãos, ressentiu-se com a precoce morte da mãe, tendo Carolina somente onze anos. Sustentada e orientada pelo pai, professor universitário de Matemática, estudou onze anos na Escola Superior Municipal Feminina de Berlim. Porém, nesse tempo não eram admitidas mulheres nas universidades alemãs e, por conseguinte, a jovem estudou em casa literatura greco-romana, o árabe e alguns idiomas eslavos e românicos, onde se inseria o português. A partir deste leque de competências, pôde ler manuscritos originais sem necessitar de uma prévia e externa tradução.

Com catorze anos, traduziu o “Nuevo Testamento” após ser incentivada a estudar espanhol e a sua gramática e a compor cadernos de significados em francês e italiano. Demonstrava, desta feita, uma enorme dedicação e índice de trabalho, apesar da sua tenra idade. Com dezasseis anos, em 1867, foi publicando trabalhos sobre as literaturas italiana e francesa. Munida de uma estimulada inteligência e com a referida ética de trabalho, foi com naturalidade que se afirmou como uma das emergentes filólogas europeias. Para além desta produção independente, assegurou uma posição como intérprete do Ministro do Interior alemão quanto aos assuntos que abrangiam a Península Ibérica. A sua obra chegou a Portugal, nomeadamente a homens como Teófilo Braga e Alexandre Herculano, que não hesitaram em trocar correspondência com Carolina pelo apreço particular que esta demonstrava quanto à literatura e cultura portuguesas.

Já em Portugal, e com 25 anos, foi viver com um historiador de arte e musicólogo denominado Joaquim António Fonseca de Vasconcelos para a Rua de Cedofeita, no Porto. Casando-se em Berlim com o luso, os antecedentes do matrimónio são de especial interesse. Vasconcelos insurgiu-se contra a falta de rigor da tradução da obra “Fausto”, escrita pelo alemão Goëthe, por parte de António Feliciano de Castilho. A repercussão do caso, designado como “Questão do Fausto”, levou a Carolina Michaelis a tomar conhecimento do mesmo e a enviar uma carta ao jovem historiador. Foi a primeira de muitas, acabando por se suceder um encontro entre os dois numa das regulares visitas de Vasconcelos à atual capital alemã. A convergência de afinidades levou a que o casamento se formalizasse e a que um amor à antiga se consumasse.

Desta união resultou o único filho da filóloga, sendo o seu nome Carlos Joaquim. Não obstante o agregado familiar do qual fazia parte, a carreira académica e profissional da luso-alemã permaneceu incólume, assim como a sua metodologia de trabalho. Chegando a estar dezoito horas por dia na Real Biblioteca da Ajuda, onde lia e estudava manuscritos de forma a decifrá-los, também na cozinha se mostrou habilidosa. O seu espólio possuiu receitas de cozinhas escritas pela mesma com a mesma paixão e abnegação que colocava nos seus estudos. Conseguia, com isto, coordenar e equilibrar a sua vida familiar com a profissional com a boa disposição e a alegria que caraterizava os seus dias.

O prestígio de Michaelis consolidou-se em terras lusitanas e foram vários os títulos que recebeu no entretanto, tais como o de doutora honoris causa nas universidades de Friburgo, de Hamburgo (estas germânicas) e de Coimbra; e o de oficial da Ordem de Santiago da Espada, concedida pelo rei D. Carlos. Também a Academia das Ciências de Lisboa viu-se forçada a ampliar a sua propensão, acolhendo Carolina e uma outra figura emergente, esta de nome Maria Amália Vaz de Carvalho, escritora e poeta. Já de forma póstuma, deu a cara com mais seis figuras da cultura portuguesa nos selos emitidos pela CTT em 2006.

O incessante trabalho investigativo, envolvendo áreas como a linguística e a literatura de várias épocas e correntes, levou-a a travar contacto com figuras como Antero de Quental e o médico Egas Moniz, indivíduos estes que viriam a deter uma página de destaque na história portuguesa. Entre 1924 e 1925, ano da sua morte, dirigiu o rumo da revista “Lusitânia”, cuja missão era difundir a cultura do país, refletir sobre assuntos intemporais e reconstruir a imagem da pátria portuguesa. Também já perto do final da sua vida associou-se como sócia honorária do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e nunca descartou deter uma posição ativa e crítica quanto à desigualdade social, fator que mereceu reflexão e consideração de uma forma de resolução imediata e significativa. Nesta linha, foi expressando a sua opinião quanto a esta evidência no periódico portuense “O Primeiro de Janeiro”. Na tentativa de louvar algumas ilustres renascentistas, redigiu biografias da Infanta D. Maria e da intelectual Públia Hortênsia de Castro.

Portugal acolheu Carolina Michaelis como uma das suas filhas, tendo o tempo e a obra que perpetuou a sua vida e trabalho dado razão à intenção da nação lusa. Estudiosa por influência e por índole, a luso-alemã mergulhou nas profundezas da literatura medieval, clássica, trovadoresca e romântica com a entrega e a paixão que caraterizou a entrega às coisas que lhe aqueciam o coração. A sua família foi uma delas, reforçando a sua identidade portuguesa e a entrega às causas que preencheram a amplitude da sua figura. Reforçando a importância do ensino, da escrita e da arte, exortou para a relevância da educação e do trabalho no papel da mulher na sociedade, até então grosso modo condicionado pelo analfabetismo e pela falta de acesso à cultura. O legado que deixa na forma de reconhecimento por parte das cidades que albergaram a sua virtude é evidente, tal como a Escola Secundária Carolina Michaelis, situada na sua Cedofeita, no Porto; outra em Lisboa e uma rua em Coimbra. Foi desta forma singela para a sua grandeza que Portugal reconheceu e agradeceu a afirmação da filha adotada mas pródiga. Como seus irmãos, temos a nobre missão de a reconhecer de a congratular pela sua bela e personalizada expansão.

Fotografia em destaque: Escola Secundária Carolina Michaelis, no Porto

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