Reportagem. The Young Gods desafiaram a passagem do tempo
Desde o Festival de Vilar de Mouros, em 2017, que aguardávamos por um novo concerto dos The Young Gods em Portugal. Esse momento chegou na noite de 14 de Abril, no Lisboa ao Vivo. O trio suíço, “pais” dos samplers, veio à capital apresentar o seu último álbum Data Mirage Tangram, a convite da promotora At The Rollercoaster.
A banda lisboeta She Pleasures Herself (SPHS), formada em 2016, foi responsável pela abertura da noite. A música dos SPHS é difícil de englobar num único género. É percetível a mistura de várias sonoridades, desde sons darkwave, electro e goth a post-punk da década de 70 e 80. Começaram e imediatamente captaram os nossos sentidos. Possuem uma imagem em palco poderosa (colares de picos, inúmeras correntes, blusões pretos envernizados, roupa rasgada, o guitarrista usava um açaime), que nos remete, facilmente, para um filme de Sin City ou Mad Max. Num tão curto intervalo de tempo – cerca de meia hora – agitaram-nos e transportaram-nos para um mundo apocalíptico e fetichista. Deixaram-nos com energia em alta para o que vinha de seguida.
Por volta das 22 horas, a sala encontrava-se praticamente cheia para receber os The Young Gods (nome inspirado pelo EP Young God, da banda de noise rock Swans). Mal entraram no palco, o público, já em êxtase, aplaudiu freneticamente. Este trio de músicos é composto atualmente por Franz Treichler (também conhecido por Franz Muse – principal compositor, responsável ainda pela voz, guitarra e samplers), Cesare Pizzi (teclas e samplers) e Bernard Trontin (bateria). Surgiram em 1985 em Genebra, Suíça, e, da formação inicial, o único membro que permaneceu constante foi o vocalista Treichler. São mundialmente conhecidos por serem os precursores na utilização do sampler como instrumento musical e tornaram-se numa das bandas de rock industrial mais influentes da altura.
Como era expectável, o concerto incidiu sobre o último álbum, Data Mirage Tangram, lançado em Fevereiro deste ano. Este décimo segundo álbum da banda é um “quebra-cabeças” composto por sete faixas com sonoridades diferentes, mas que encaixam de forma a criar um todo coeso, coerente e sublime. Como o próprio vocalista referiu numa entrevista: “O tangram no título refere-se aos puzzles japoneses que consistem em sete peças que podem formar um quadrado ou várias silhuetas de animais ou personagens”. Uma a uma, foram nos cedendo as peças para nós criarmos e recriarmos o nosso todo.
É incrível a qualidade destes músicos tanto a nível sonoro e performativo, como visual. A estética do palco é espantosa. Desde o início que os três músicos possuíam à sua frente um foco de luz amarela. O de Treichler encontrava-se fixo ao tripé do microfone e o vocalista, por algumas vezes, utilizou-o como lanterna, apontando-o ao palco ou ao público. expondo a nossa admiração pelo que ouvíamos e víamos. “Tear Up The Red Sky” foi cantada juntamente com uma injeção de ruído intermitentemente controlado por toda parte. Seguiu-se “Figure Sans Nom”, que nos levou numa viagem hipnótica. Sentimos um corte, uma mudança de paradigma, com a não-convencional “Moon Above”. Damos por nós entre sonho e realidade, entre post rock e post jazz. Uma certa melancolia dilacera-nos. Este tema difere completamente das músicas anteriores. Estranha-se, mas rapidamente entranha-se. A coordenação do som com a luz e com a dança, ao longo de todo o espetáculo, roça a perfeição. Exemplo disto é a faixa “All My Skin Standing”, de 11 minutos, que tem um ritmo soberbo. A voz, a bateria e as guitarradas entram num crescendo extasiante. Há uma simbiose completa entre rock, techno e sons tribais.
Ficou na retina a imagem de Franz coordenando de forma magistral a pandeireta, a luz e a dança. Foi poético. O concerto terminou com o tema “You Gave Me A Name”. Esta frase é repetida tantas vezes ao longo da música, que facilmente damos por nós a cantarolar mentalmente “you gave me a name”. O tema embala-nos, leva-nos pela mão até ao fim. Fim este que é acompanhado por fortes aplausos por parte do público. Em êxtase, pedimos por mais e os músicos concederam-nos esse desejo.
Em português, agradeceram o nosso apoio ao longo de todos estes anos. Este reconhecimento exponenciou ainda mais o sentimento que se sentia na sala e a banda presenteou-nos com mais cinco temas míticos de álbuns anteriores: desde o explosivo Everybody Knows ao emblemático T.V. Sky – com o tema “Skinflowers”. Explosão total. Saudosismo em alta. “Gimme something wrong / and I’ll sing this song” foi cantado em alto som. De certa forma, soou a agradecimento por todos estes anos. Cantaremos sempre esta música. É eterna. É digna de deuses. Desta forma abandonaram o palco, mas nós não abandonámos os nossos lugares. Continuámos, imperturbáveis, a aplaudir, a gritar por mais. Desejo concretizado pela segunda vez. Regressaram com “Did You Miss Me”, do álbum The Young Gods. Sim, sentimos a vossa falta. Tocaram mais o último tema do último álbum e terminou a noite.
Estes jovens deuses provaram mais uma vez que são magistrais a testar os limites do som. Há mais de trinta anos que o fazem. Há mais de trinta anos que são únicos na forma como o fazem. O seu legado na música contemporânea é indiscutível. The Young Gods desafiaram a passagem do tempo. Permanecem jovens. Permanecem deuses.
Texto de Ana Moreira.