Repórter e realizador Augusto Cabrita homenageado pela Cinemateca

por Augusto António Cabrita,    4 Março, 2024
Repórter e realizador Augusto Cabrita homenageado pela Cinemateca
Setenave, nos anos 70 / Fotografia de Augusto Cabrita
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O autor deste artigo é neto de Augusto Cabrita.

Ciclo “Augusto Cabrita: O homem da câmara-violino” decorre entre 5 e 7 de março e apresenta doze títulos fílmicos de Augusto Cabrita, fotógrafo e cineasta.

Augusto Cabrita nasceu a 16 de março de 1923 no Barreiro, cidade onde viveu durante toda a sua vida. Oriundo de uma família que desde cedo o estimulou para a arte, teve a sua primeira máquina fotográfica com apenas 14 anos, uma Kodak 6.5×11 cm oferecida pelo pai, António Cabrita.

Autodidata por natureza, descobriu muito cedo o piano, instrumento musical no qual era exímio e que nunca deixou de praticar. Influenciado inicialmente pela estética fotográfica de Adelino Lyon de Castro, distinguiu-se como fotógrafo a partir do início da década de 50, quando começou a concorrer a salões nacionais e internacionais de fotografia e a merecer destaque pelo seu trabalho criativo. Ao longo desse período, conquistou vários prémios e distinções não só em Portugal, mas também em cidades estrangeiras como Paris, Londres, Barcelona, Colónia, Amsterdão, Zagreb, Rio de Janeiro, entre outras. Ainda na década de 50, mais precisamente no ano de 1957, Augusto Cabrita tornou-se num dos pioneiros da televisão em Portugal, ao constituir a primeira equipa da RTP na qualidade de repórter. Foi a partir da sua experiência na estação pública, que durou cerca de três décadas, que o artista teve a oportunidade de viajar por vários países e de produzir um vasto repertório de imagens, fossem elas fotográficas ou a vinte e quatro fotogramas por segundo (fílmicas). Ganhou por três vezes o Prémio Nacional de Cinema, duas na qualidade de diretor de fotografia, com o filme Belarmino (1964), bem como com o documentário Peneda – Gerês – Parque Nacional (1971), e outra na qualidade de realizador do filme Hello Jim (1970), este último com música de Carlos Paredes. Foi autor de centenas de curtas-metragens e de vários documentários que desenvolveu na qualidade de operador cinematográfico da RTP, mas também fora do quadro televisivo, muitas vezes por encomenda institucional, como um reputado mestre da imagem. É de uma linhagem de cineastas que foram seus parceiros criativos como Fernando Lopes, António da Cunha Telles ou Alfredo Tropa, autores que também emergiram a partir da RTP, e que tal como Cabrita, contribuíram paralelamente junto de outros, para a consolidação do Cinema Novo em Portugal.

Dotado de uma forma assaz vanguardista de conceber a sétima arte, Augusto Cabrita privilegiou como cineasta uma relação simbiótica entre a música e a imagem, onde a música era muitas vezes o ponto de partida para uma composição fílmica, fosse ela mais experimental ou próxima de uma estética neo-realista. Neste quadro, celebrizou-se pelas curtas-metragens que realizou para o programa “Melomania”, apresentado entre 1977 e 1978 pelo musicólogo João de Freitas Branco. 

Ainda sobre o seu estilo cinematográfico, Cabrita imprimia uma dinâmica particularmente enérgica aos seus trabalhos em cinema, privilegiando efeitos de “chicote” no acabamento das suas panorâmicas, algo que foi recentemente abordado pelo também realizador português, Fernando Matos Silva.

Na fotografia, Augusto Cabrita foi autor de vinte e oito capas de disco de Amália Rodrigues, viajando com a artista, e destacando-se como o seu fotógrafo de eleição. Foi ainda autor de capas de discos de músicos como Carlos Paredes, Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, António Vitorino de Almeida, Luiz Goes, Fernando Lopes-Graça, entre outros. 

Ainda na fotografia, distinguiu-se por um olhar humanista, próximo das pessoas e dos seus respetivos lugares de atividade social e profissional, dignificando muitas vezes classes sociais menos privilegiadas ao trazê-las para a centralidade da objetiva. Na maioria das vezes, optava por fotografar e filmar em espaços exteriores, distinguindo-se como um artista que dominava em particular a luz natural, a ponto de ser particularmente elogiado nesse capítulo por Gianni di Venanzo, famoso diretor de fotografia de Fellini, Antonioni ou Vittorio de Sica, quando Venanzo conheceu Cabrita em 1965 numa viagem a Portugal e se deliciou com a cinematografia que Cabrita concedeu ao filme Belarmino, um dos filmes mais marcantes da história do cinema português.

Numa época de conservadorismo e de um certo fechamento às tendências exteriores, Cabrita aproveitava para fotografar vultos da música internacional sempre que vinham a Portugal. Assim, como fotojornalista, pôde retratar artistas como Vinicius de Moraes, Keith Jarrett, Louis Armstrong, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Charles Lloyd, Woody Herman, entre muitos outros. 

Confesso melómano e particular amante do jazz, frequentava regularmente o Hot Clube de Portugal e o Louisiana em Cascais do seu amigo Luiz Villas Boas. Numa dessas idas ao Louisiana, com Gérard Castello Lopes – também um notável fotógrafo português – Gérard conta num texto de 1986 que Cabrita “captou algumas das mais belas e expressivas fotografias” que se lembra de ter visto, num contexto em que a “luz era mais que escassa” e a “máquina pouco manuseável”. Se a tarefa lhe parecia inexequível por falta de condições, isso era “não contar com o talento de Augusto”. Nessa noite de meados dos anos 60, atuava ao piano o então jovem Keith Jarrett com o conjunto musical de Charles Lloyd.

Agraciado em 1985 pelo então presidente da república Ramalho Eanes com a Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique, Augusto Cabrita viria a falecer a 1 de Fevereiro de 1993 em Lisboa.

Ao longo dos últimos meses têm-se multiplicado os tributos ao artista no quadro das celebrações do centenário do seu nascimento:

Para além do autor ter merecido particular destaque na última edição do Festival Internacional de Curtas-Metragens de Vila do Conde, com a passagem de alguns dos seus títulos, encontra-se a decorrer até 16 de março no Auditório Municipal Augusto Cabrita no Barreiro, uma extensa exposição fotográfica de trabalhos do artista com curadoria de Augusto António Cabrita (neto). Na Biblioteca de Marvila, decorre até dia 20 de abril de 2024 a exposição “Augusto Cabrita – O Olhar Encantado”, comissariada por Tiago Bartolomeu Costa e Nuno Rodrigues, uma iniciativa do Projeto Filmar em coordenação com a Cinemateca Portuguesa.

Destaque ainda para o ciclo que se aproxima, organizado pela Cinemateca Portuguesa em homenagem ao autor, intitulado de “Augusto Cabrita – O homem da câmara-violino”, que terá lugar na Cinemateca entre 5 e 7 de março de 2024. Ao todo serão mostrados doze títulos de Augusto Cabrita.

Importa ainda referir que num plano póstumo, a obra fotográfica e cinematográfica de Augusto Cabrita só agora está a receber um impulso de inventariação e de recuperação. Espera-se por isso, que daqui em diante, uma parte importante da sua obra possa vir a ser divulgada ao grande público. A família e algumas instituições-chave estão agora a desenvolver um enérgico trabalho de promoção daquele que foi um dos grandes mestres da imagem em Portugal.

Sabe mais sobre o ciclo de cinema organizado pela Cinemateca em prol do autor.

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