Orgulho e preconceito: breve relato do movimento LGBTI português
Junho é o mês do Orgulho por causa dos acontecimentos no Stonewall-Inn, um bar em Nova Iorque, onde a 28 de junho de 1969 teve lugar uma das primeiras revoltas das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans, Intersexo (LGBTI) contra as agressões policiais. Há celebrações em todo o mundo e também por cá, como a Marcha do Orgulho de Lisboa e do Porto ou o Arraial Pride.
Falámos com Sérgio Vitorino, ativista de mil e uma causas pela igualdade, co-fundador da Marcha do Orgulho de Lisboa e do coletivo Panteras Rosa, entre outros, para entender o que tem sido a história dos movimentos arco-íris em Portugal, nas últimas décadas. Orgulho e preconceito.“Chame-lhe o que quiser, não chame é o mesmo nome. Uma coisa é casamento, outra coisa é qualquer outra coisa“.
Manuela Ferreira Leite (MFL), ex-ministra das Finanças do governo de Durão Barroso, sintetizava assim a sua posição e a do Partido Social Democrata (PSD) sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, numa entrevista concedida a Constança Cunha e Sá, na TVI. Estávamos a 2 julho de 2008. Pela primeira vez na história da política nacional uma mulher ocupava o cargo de Presidente de um grande partido. MFL fora eleita líder do PSD há poucos dias, no XXXI Congresso, em Guimarães, entre 20 e 22 de junho desse ano.
A frase é o corolário da homofobia internalizada de que sofria – e ainda sofre – a sociedade portuguesa. Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans, Intersexo (LGBTI) são outra coisa qualquer.
Também José Sócrates – Primeiro-Ministro que se bateu e fez aprovar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, entre outras medidas legais de defesa das pessoas LGBTI – se sentiu ofendido quando, em 2005, uma suposta campanha de difamação o acusava de manter uma relação amorosa com o ator Diogo Infante. Em 2013, ajustaria contas com Santana Lopes, numa entrevista dada ao Expresso: “Na televisão insinuou num debate que eu era homossexual, queria que eu dissesse que era, era isso que ele queria. O bandalho! E com o Diogo Infante, pessoa que nunca conheci e com que nunca falei na minha vida! Sabe donde vem isso? Namorava com a Fernanda [Câncio] e ficava muitas vezes em casa dela. Deixava ali o meu carro e viam-me sair, é daí que isso deve vir. Uma campanha orquestrada”.
Ser LGBTI na vida pública, especialmente na política, é sinónimo de invisibilidade, de não dito, de ofensa. Até hoje, apenas dois deputados assumidamente gays, ambos pelo Partido Socialista: Miguel Vale de Almeida e Alexandre Quintanilha, este em funções. Lésbicas nem vê-las; de bissexuais não há relato; transexuais ou intersexo chegarão algum dia ao Parlamento?
O “crime” de ser LGBTI só deixou de ser crime em Portugal há 35 anos.
As raízes desse ódio são bem profundas na nossa história e legislação. “Os sodomitas já eram punidos em Portugal, à imagem de toda a Europa, desde a Idade Média. Logo nas Ordenações Afonsinas, 1446, a primeira compilação de leis feita em Portugal, no reinado de Afonso V (1432-1481), os que praticavam o «pecado nefando», os sodomitas, são punidos com a morte pelo fogo purificador”. A citação é do livro “Homossexuais no Estado Novo”, da jornalista São José Almeida, publicado pela Sextante, em 2010.
Um documento único, por fazer o levantamento e o relato do que era a vida das pessoas homossexuais em Portugal, no século XX. A história de dezenas de personalidades gays e lésbicas da vida pública nacional recente nunca antes contada.
E, mais uma vez, o choque, o nojo, a revolta.
António Araújo – historiador, assessor do Tribunal Constitucional, consultor para os Assuntos Políticos do Presidente da República, de Cavaco Silva e do atual, Marcelo Rebelo de Sousa – numa crítica ao livro, descreveu-o assim: “por muito paradoxal que tal possa parecer, este é um livro homofóbico (…)” e termina, acusando: “(…) este não é um livro inacabado. É antes um livro fascista. Isso mesmo: um livro fascista”.