“Sexta-Feira É o Novo Sábado”, de Pedro Gomes: a revolução possível

por Alexandre Pinto,    25 Junho, 2022
“Sexta-Feira É o Novo Sábado”, de Pedro Gomes: a revolução possível
Capa do livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado”, de Pedro Gomes (ed. Relógio d’Água)
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Estamos em 2022; há carros eléctricos, automatização a rodos, e, que diabo!, temos a Internet, a inteligência artificial, a globalização e etc.; apesar disso, grande parte da população activa trabalha cinco dias a cada sete, e cerca de oito horas por dia, em empregos que são frequentemente repetitivos, desinteressantes e pouco eficientes. Vários escritores de ficção científica teriam ficado desiludidos com este panorama actual; o futuro afigurava-se-lhes muito mais arrojado.

Descobri entretanto que Keynes, o economista norte-americano, vaticinara há muitos, muitos anos que trabalharíamos por esta altura apenas quinze horas por semana — devido, não só mas sobretudo, aos avanços tecnológicos que pareciam (e foram mesmo) inevitáveis. Não lhe confiro autoridade (porque não a tenho) para fazer lei da sua palavra, e entender que errámos de alguma forma o caminho como sociedade; mas a verdade é que estamos muito mais perto, laboralmente falando, da realidade que ele conheceu do que desse idílico futuro. Acontece que estou agora mais informado, e até confiante que teremos mudanças em breve, depois da leitura de “Sexta-Feira É o Novo Sábadoo”, livro do também economista e professor português Pedro Gomes, editado recentemente por cá com a chancela da Relógio d’Água (o original é inglês; o autor lecciona Economia em Birkbeck, Universidade de Londres).

“Esta obra reúne muito material que pretende contribuir para a discussão sobre o tema, e eventualmente levar ao diálogo sobre a medida; propõe, até, algumas orientações para uma possível implementação da semana. É um livro activista, porque incita à reflexão e posterior acção, e também humanista, porque pretende ser claro, acessível, e conduzir ao progresso humano.”

A semana de quatro dias não acarreta necessariamente compensação horária nos restantes quatro, nem um reajustamento salarial para, digamos, 80% do valor correntemente auferido; e se parece bom demais para ser possível, é por isso que o autor dedica o início da obra a desmontar os mais imediatos argumentos contra a medida, ora com recurso a experiências práticas passadas, ora ziguezagueando entre as teorias de grandes economistas (que enquadra devidamente). A obra de Pedro Gomes conduz-nos ao longo de oito simples argumentos a favor desta nova organização do horário laboral. Há para todos os gostos — tanto se recorre a Marx como a Keynes, Schumpeter como a Hayek, entre outros —, e vemos que o autor se posiciona inteligentemente à margem de rótulos políticos, assim como do binómio esquerda/direita. Pretende apenas mostrar que a semana de quatro dias é um objectivo possível e vantajoso não só no âmbito individual — porque as pessoas gostam de ter tempo livre, porque permitiria melhor descanso e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, etc. — como também, consequentemente, na sociedade como um todo — porque conduziria à inovação, e reduziria o desemprego provocado por avanços tecnológicos, por exemplo. Ora, grande parte da argumentação já havia sido usada há vários anos, quando se discutiu a passagem da semana de trabalho de seis para cinco dias.

“”Sexta-Feira É o Novo Sábado” enquadra-se na preciosa categoria de obras que não são no sentido estrito académicas, mas que criam pontes de conhecimento para o grande público, no uso de prosa acessível e de fácil digestão.”

Este é um tema que largamente me interessa: parece-me muito difícil solicitar, para trabalhos maioritariamente intelectuais ou de análise, mais de quatro ou cinco horas de capacidade de atenção, foco e raciocínio — aliás, todos bem sabemos a qualidade do trabalho na generalidade dos escritórios durante as oito horas laborais (não falo aqui dos empregos eminentemente manuais ou fabris, mas que o autor também aborda). Várias experiências empíricas demonstram aliás que na maior parte dos casos a produtividade tende a manter-se (há até quem encontre ligeiros aumentos!) na passagem à semana de quatro dias, e mesmo recentemente, durante o período pandémico, houve a necessidade de reequacionar os termos laborais de uma larga fatia da sociedade: daí obtivemos a massificação do teletrabalho, que não sendo uma solução ideal (pelo menos em todos os casos), liberta o trabalhador da onerosa carga horária do trajecto casa-trabalho — que acarreta, também, impacto ambiental não desprezável. Mas mais importante que tudo isso, experienciámos colectivamente uma total disrupção da norma laboral que nos mostrou ser possível haver alternativas: em suma, o trabalho, tal como o conhecemos, pode mudar.

Há tangentes temáticas que produzem reflexões interessantes além do âmbito da semana de quatro dias: a propósito do trabalho a tempo parcial, o autor revela-nos que a quantidade de trabalhadores nesse regime em Portugal é muito menor do que noutros países europeus (8% vs. quase 50% no caso da Holanda). Há até alguns momentos que poderiam constituir um pequeno deslize caso a obra pretendesse inserir-se no estrito meio académico, mas que nos demonstram que está, afinal, carregada de uma posição pessoal do autor: depois de um largo e feroz ataque aos movimentos políticos populistas e à terrível cisão social a que nos tem conduzido, conclui que a semana de quatro dias poderá constituir uma meta unificadora, de cariz quase ecuménico, para o qual caminharíamos em uníssono: porque, afinal, não há quem não goste de um fim-de-semana prolongado. Pedro Gomes convence-nos habilmente, e com um contagiante entusiasmo, que tudo isto pode tornar-se realidade.

Esta obra reúne muito material que pretende contribuir para a discussão sobre o tema, e eventualmente levar ao diálogo sobre a medida; propõe, até, algumas orientações para uma possível implementação da semana. É um livro activista, porque incita à reflexão e posterior acção, e também humanista, porque pretende ser claro, acessível, e conduzir ao progresso humano. Lemo-lo e somos capazes de entender argumentos não só sobre o tema principal — a semana laboral de quatro dias — mas também, duma perspectiva holística, fluida e plural, várias nuances do trabalho de um economista; por isso, “Sexta-Feira É o Novo Sábado” enquadra-se na preciosa categoria de obras que não são no sentido estrito académicas, mas que criam pontes de conhecimento para o grande público, no uso de prosa acessível e de fácil digestão. E é notável que tantas horas de trabalho e pesquisa se possam resumir num livro de tão boa companhia.

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