“Sotavento”: o sonho de Dino D’Santiago continua bem real
“Não é Sonho Nenhum” pode ler-se na camisola de Dino D’Santiago no videoclipe de “BRAVA” (Carta Pa Tareza), um dos destaques do seu novo EP Sotavento. E de facto, o ano de sonho de D’Santiago é a mais pura das realidades. Lançou o seu aclamado terceiro álbum Mundu Nôbu, colaborou de perto na produção do novo álbum de Madonna, teve direito a um destaque da Rolling Stone, andou pela Europa fora e correu Portugal em festivais como o NOS Primavera Sound, o Super Bock Super Rock ou o Bons Sons. Para terminar esta caminhada, presenteou-nos com um EP que prova que o trilho desta caravela não é de facto sonho nenhum.
A atmosfera é marcadamente mais electrónica que Mundu Nôbu, mas não perde nenhuma da sua qualidade. Consegue-o ao voltar a conjugar as virtudes de D’Santiago: mostrar emoções tocantes e transversais sem nunca perder a ginga que caracteriza a sua música. “Brava” (Carta Pa Tareza)” é um zarpar confiante e com critério, uma música tensa de percussão imperial e uma melodia “atirada” com uma prestação vocal fabulosa. É um dos melhores temas do EP e muito se deve a uma progressão bem definida de começo calmo, meio frenético e final retomado a bom porto.
A emoção de Dino D’Santiago não advém só da qualidade da sua voz mas também do que diz: “Ilhéus” (Nu Bai)” é dedicada ao imediato da sua embarcação, um convite para dançar até ao fim dos dias sem anel ou testemunhas, o clamar por uma relação simbiótica daquelas que só imaginamos existirem nos filmes. Abranda o ritmo por parcos BPM’s com uma bonita letra, a única cantada em português, mas desfralda as velas e volta a acelerar com a adequadamente apelidada de “Fogo (Nu Fazi)”. É sem dúvida música para nos abanarmos todos, mas sob uma batida de dança D’Santiago não descura a comida para a mente: há que purgar o passado e construir um futuro melhor.
De olhos postos no que aí vem, o artista não esquece quem lhe permitiu iniciar a travessia, e dedica “Santiago (Jorge & Andresa)” aos pais. A produção de Seiji e Nosa Apollo – que voltam a colaborar com o artista depois de Mundu Nôbu – mostra-se aqui mais experimental e inventiva, e há qualquer coisa de muito especial nas vozes selváticas e na maneira altiva como D’Santiago canta, quase declamado. Já a melodia do refrão parece remeter-nos para algo mais tradicional, e a ternura das suas palavras transparece fielmente na sua cadência. É um sentido tributo aos seus progenitores, que criaram um homem que graças a eles se sente pronto para arriscar e seguir viagem.
“Maio (Kel Kê Di Nôs)” termina de forma sentida esta curta diáspora e consegue deixar-nos simultaneamente saciados e com a sensação de que vem aí um novo capítulo. É com uma mensagem de união que D’Santiago nos deixa, a certeza de que tudo é que é dele é dos seus, uma humildade e altruísmo já característicos do artista. “Confia no tempo/Este é o nosso tempo”, ouvimo-lo dizer em “Ilhéus (Nu Bai)”. É bem verdade que este é o seu tempo mas, mais do que isso, é tempo de uma força multicultural, sem fronteiras, que bebe de muitos outros sítios para depois os representar numa mistura fenomenal. E ao demonstrá-lo, Dino D’Santiago prova (mais uma vez) que a sua caravela continua a desbravar mares e oceanos sem percalços e com céus limpos.