Super Nova n.º 5: é isto que acontece quando colocam os maiores nomes da nova música nacional na mesma sala
I. Portugal é Lisboa e o resto é paisagem… ou será que não?
Começou com uma ideia e hoje é um dos eventos mais preciosos no universo da música alternativa portuguesa. A Super Nova está de regresso para mais uma viagem e basta analisar a sua (para já pequena) história para entender como tem conseguido crescer. A primeira edição (que arrancou em Dezembro de 2016) teve um carácter exploratório: faltavam os principais traços que hoje se reconhecem na iniciativa porque os concertos aconteceram apenas nos Maus Hábitos e contaram com uma porta rotativa de bandas nas diferentes datas. É apenas em Setembro do ano seguinte que Luís Salgado e Daniel Pires assentam as bases: as duas principais mentes por detrás do projecto idealizam e organizam um circuito com o propósito de “criar uma rede de salas de música ao vivo fora dos grandes centros” e levar aos vários cantos do país os seus melhores artistas emergentes. Como é que estamos sensivelmente um ano depois? O Circuito Super Nova já se afirmou como um caso de sucesso indiscutível e a sua 5ª edição (4ª neste formato itinerante) só promete continuar a adicionar ao legado. Salgado e Pires juntaram agora os Baleia Baleia Baleia aos Cave Story e aos Fugly, e o pontapé de saída deu-se no berço do costume, no passado dia 28 de Setembro.
II. Aqui há buéda amor para dar.
Lembram-se daquela série dos anos 80 chamada Cheers? Essa mesmo, que de vez em quando ainda passa em retrospectiva na RTP Memória. Lembram-se da música que tocava no início de cada episódio? Era uma balada de piano bem docinha, que se tornou icónica por causa daquele verso que acabava com a frase “… onde toda a gente conhece o teu nome”. A faixa, escrita por Gary Portnoy,cabia que nem uma luva na sitcom porque ilustrava de forma perfeita a amizade que unia as suas personagens. O que é que isto tem a ver com a Super Nova? Pois… acontece que quem entra nos Maus Hábitos e se deixa levar pelo seu ambiente facilmente podia lembrar-se daquelas cenas de Cheers cheias de cumprimentos personalizados e piadas de grupo quando olha para tudo o que acontece no 4º andar mais requisitado da Rua Passos Manuel. Dizer isto é o mesmo que dizer o seguinte: em dias de grande festa – como a Super Nova indiscutivelmente o é – é quase impossível percorrer o espaço sem encontrar uma cara conhecida e querida.
E os encontros valem tanto como a música propriamente dita. As pausas entre concertos servem invariavelmente para se colocar a conversa em dia e para se matarem as saudades. Há brindes que se fazem perto do bar e há abraços dados um pouco por todo o lado. E há sorrisos. Montes e montes de sorrisos. Engane-se ainda quem pensa que isto só diz respeito ao público: faltam quinze minutos para os Baleia Baleia Baleia subirem ao palco e inaugurarem o novo circuito quando o baixista/vocalista Manuel Molarinho coloca as T-shirts e os discos da banda para venda numa mesa ao lado da que é ocupada pelos Cave Story. A banda das Caldas da Rainha já tinha montado tudo há mais tempo mas Gonçalo Formiga – o seu vocalista e principal compositor – ainda anda por perto e começa a falar com Manuel assim que o vê. Mais dispersos andam os Fugly: o vocalista Jimmy Feio e o baixista Rafa Silver passeiam casualmente pelo cenário e cumprimentam com uma cara alegre todas as pessoas que passam por eles. A atmosfera que se respira na Super Nova é especial porque tudo parece uma grande reunião de família: aqui há mesmo buéda amor para dar.
III. Vamos ao mosh?
O fim de Setembro costuma significar noites ligeiramente mais fresquinhas, mas o enorme calor que se fez sentir nos Maus Hábitos durante a Super Nova contrariou essa ideia. E esse calor era propício aos acontecimentos: desde o início que a música dos Baleia Baleia Baleia gritou pelo movimento conjunto dos presentes. Quem conhece o seu disco de estreia – lançado há apenas sete meses pelo colectivo Zigur Artists – sabe que isso já é de se esperar (por algum motivo o Ípsilon o descreve como “rock catarse”). Mas a energia que Manuel Molarinho e Ricardo Cabral transportam para os seus temas em palco é ainda maior, e o público soube reagir a isso mesmo. Várias foram as mordazes letras cantadas a uma só voz e muitos foram os corpos a aderir ao mosh. É natural: os ritmos deliciosos de Ricardo e o baixo metálico de Manuel que mais parece uma guitarra (e aquela voz… aquela voz!) comandam a este tipo de coisas. “Interdependência” foi a loucura total e o resumo excelente de um concerto digno de iniciar o novo circuito da Super Nova em grande.
O dia era de festa e os Cave Story aproveitaram-no para celebrar o lançamento do seu segundo álbum de estúdio: o novinho em folha Punk Academics (uma vénia para este nome genial) foi tocado do início ao fim depois de o furacão Baleia ter serenado. O pós-punk fragmentado e angular do grupo desenha uma ideia de cruzamento entre os The Fall e os Pavement e o próprio Gonçalo Formiga tem algo de Mark E. Smith na sua voz desgarrada. A sonoridade dos rapazes oriundos das Caldas está menos voltada para o descontrolo e o caos típicos do mosh mas pede um tipo diferente de compromisso: calibram-se os seus temas mais potentes com um convite a uma experiência imersiva. Que melhor exemplo disso mesmo do que a faixa-título do novo disco? Uma viagem introspectiva de 8 minutos que percorre as avenidas do punk com humildade e mestria. Onde faltou algum alento ganhou-se o que de melhor tem este lado intimista no concerto dos Cave Story. Mas a melhor prenda da noite estava guardada para o fim.
Começam a faltar os adjectivos para descrever a intensidade de um concerto dos Fugly. A banda – cujo primeiro disco saiu no início do ano – já teve o privilégio de atravessar fronteiras para tocar fora do país que os viu nascer e começa a tornar-se um caso sério no panorama da nova música nacional. Millennial Shit olha as crises de identidade nos olhos e cruza as nossas inseguranças e intranquilidades com as vontades que temos de ser produtivos e independentes no (nosso) mundo. Toda a raiva que possa ser reprimida no dia-a-dia liberta-se nos palcos. É terapêutico. Faixas como as expressivas “Hit a Wall” e “Yey” ou as cavalgantes “Rooftop” e “Inside My Head” já quase se tornaram hinos no circuito underground – e merecidamente. O concerto do quarteto portuense excedeu as elevadas expectativas e concluiu o arranque do novo circuito Super Nova com um golpe de energia do outro mundo. À segunda música já o mosh se fazia sentir perto da primeira fila. O crowdsurfing foi elemento obrigatório. Rafa recebia beijinhos e cócegas na barba por parte do público mais animado. As cordas da guitarra de Nuno Loureiro rebentaram por serem tocadas com tanta força. O calor humano era louco e Jimmy lá teve que tirar a sua camisola dos Thee Oh Sees após meia hora. “Esta é para aí a primeira vez que eu tiro a camisola em palco. Vocês são mesmo incríveis”, disse quase no fim. Foi uma amostra sensacional de uma banda que merece todo o sucesso que está a ter e para a qual tudo isto poderá ser apenas o início de algo maior.
Super Nova: a rota das estrelas.
Fica atento e toma nota das próximas datas deste circuito. A música alternativa no nosso país está viva e cheia de saúde e o papel de destaque encontrado nas iniciativas como a Super Nova explica-se pelo trabalho que fazem no sentido de democratizar o consumo de arte e contrariar as suas tendências centralizadoras. Em resposta à provocação no início do artigo… não, o resto de Portugal não é paisagem. E a Super Nova vai sempre fazendo questão de sublinhar isso mesmo.
13 Outubro: Arco 8 / Açores
20 Outubro: Club Vila Real / Vila Real
10 Novembro: Carmo 81 / Viseu
1 Dezembro: Salão Brazil / Coimbra
8 Dezembro: Stereogun / Leiria