Também és porta-voz da tua geração?

por Tiago Inácio,    18 Março, 2024
Também és porta-voz da tua geração?
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Um tema atravessa, ou atravessava, o cenário quotidiano português: o desinteresse jovem pela política. Anteriormente, uma parte significativa da população jovem escolhia a abstenção. No entanto, nas recentes eleições, a minha faixa etária preferiu aderir a programas políticos mais “radicais” como temos visto em alguns estudos e sondagens (vê aqui e aqui). Mas tenham calma que nada está perdido, vários projetos culturais têm surgido com o propósito de tornar a juventude apta politicamente de modo a combater a desinformação e a alienação política, condições importantes para a adesão jovem aos programas políticos anteriormente mencionados. Refiro-me, obviamente, à imensa panóplia de programas televisivos, podcasts, iniciativas eleitorais, painéis de debate e de comentadores, entre outros, que infelizmente partilham um elemento comum: a indiferença ou até mesmo insatisfação por parte do seu público-alvo.

“Anteriormente, uma parte significativa da população jovem escolhia a abstenção. No entanto, nas recentes eleições a minha faixa etária preferiu aderir a programas políticos mais “radicais” como temos visto em alguns estudos e sondagens.”

O descontentamento geral é motivado, principalmente, pela escolha dos próprios representantes e dirigentes destes projetos: para a angústia destes, a sua pertença à faixa etária jovem não concede, por si só, legitimidade aos seus discursos perante a juventude. De tal forma, que alguns destes representantes, apesar da sua idade jovem, acabam por revelar uma certa “senilidade política”. Relativamente às acusações, estas partem sempre dum aparente paradoxo entre «são sempre os mesmos do costume» e «de onde é que este apareceu?» (provavelmente a mesma pergunta que o leitor está a fazer em relação ao autor desta crónica). No entanto, são afirmações perfeitamente válidas porque o público-alvo tem todo o direito de escrutinar a seleção dos sujeitos encarregados de representar uma geração. Na verdade, estes espaços de comunicação são campos cruciais de disputa ideológica e, por isto, é inconcebível a ideia de uma formação politizante neutra e desinteressada. Porém, estes ataques limitam-se, apenas, a “arranhar a superfície”: se fosse possível a localização dos sujeitos que, verdadeiramente, merecem representar os mais jovens, o problema mais profundo manter-se-ia intacto.

As iniciativas culturais dirigidas para as camadas jovens assentam, implicitamente, na suposição errónea de que “os jovens” é uma categoria suficientemente uniforme e satisfatória para efeitos de ativismo político. Entre os jovens portugueses, tal como na composição da sociedade portuguesa, sobressaem interesses sociais divergentes e por vezes até opostos, isto é observável por exemplo na luta estudantil pela abolição das propinas universitárias. Apesar de ser uma pretensão largamente aceite na comunidade estudantil, permanece uma fração social indiferente a este entrave financeiro, precisamente porque se pode dar ao luxo de arcar confortavelmente com esses custos graças à sua vantagem económica no tecido social português.

“Por alguma razão obscura os representantes mediáticos “dos jovens” tentam (voluntariamente ou involuntariamente) representar os seus interesses específicos de classe como o interesse comum de todos os jovens.”

Para a infelicidade dos nossos representantes, revela-se a impossibilidade de uma comunicação política abrangente para a juventude. Deste modo, por alguma razão obscura, os representantes mediáticos “dos jovens” tentam (voluntariamente ou involuntariamente) representar os seus interesses específicos de classe como o interesse comum de todos os jovens. Esta desproporção gera preocupações acentuadas e absurdas com assuntos obviamente importantes, mas que na verdade têm de estar subordinados a problemas mais envolventes. Uma amostra desta discrepância pode ser encontrada na consideração dos elevados números de emigração jovem, mais em específico da demografia especializada tecnicamente que procura melhores salários. A fixação por si só já chega a moldar e configurar o jogo político, observemos por exemplo a importância dada ao tema nos debates eleitorais que aconteceram em fevereiro. Não pretendo argumentar que os salários baixos em Portugal para empregos altamente qualificados não são em si um problema fulcral, mas sim de que esta atenção absoluta arrisca-se a tomar por garantido todo o percurso da formação académica e qualificação técnica que para uma gigante porção dos jovens permanece obstaculizada por razões económicas.

“O problema da emigração jovem tem de ser enquadrado num plano mais amplo que evidencie a miséria salarial presente nos trabalhos qualificados e não qualificados, fazendo a ressalva de que esta distinção é bastante duvidosa. Não nos deixemos enganar pela enunciação de problemas sociais por parte de uma determinada secção da sociedade portuguesa quando milhares de jovens são estampados logo à nascença com o carimbo da precariedade.”

Em julho de 2023, o Jornal de Notícias apontava que «a taxa de abandono nas licenciaturas fixou-se nos 10,7%» no ano letivo 2021/2022, já em setembro de 2022, o Público afirma que mais de 10% dos alunos colocados no ensino superior acabam por não se matricular. O problema da emigração jovem tem de ser enquadrado num plano mais amplo que evidencie a miséria salarial presente nos trabalhos qualificados e não qualificados, fazendo a ressalva de que esta distinção é bastante duvidosa. Não nos deixemos enganar pela enunciação de problemas sociais por parte de uma determinada secção da sociedade portuguesa quando milhares de jovens são estampados logo à nascença com o carimbo da precariedade, mas sejamos humildes por favor. No mês passado, o Público informa que «Em dez países da OCDE, incluindo Portugal, o desemprego jovem superou os 20%, tendo atingido 28,6% em Espanha, 24% na Suécia e 23,1% em Portugal.», isto provavelmente orienta-nos para outro tipo de conclusões. Será que este problema reduz-se ao panorama social português? Ou será que diz respeito a uma crise inevitável estruturalmente associada ao atual aparato económico mundial? A resposta fica ao critério do leitor.

Ao contrário do que temos vindo a pensar, afirma-se necessariamente que a classe social onde estamos inseridos continua a determinar primariamente as nossas expectativas sociais e (im)possibilidades futuras. Assuntos relacionados com justiça intergeracional continuam a ser importantes, mas só podem ser devidamente tratados à luz desta desconfiança perante conceitos vastos como “os jovens”. No que toca ao compromisso político, os nossos ativistas e intelectuais são confrontados com uma dualidade e decisão derradeira: a representação da juventude ou a solidariedade de classe.

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