The Comet is Coming no Lux: entre a vibração intensa e a contemplação
Se o nome da banda nos sugere que vem um cometa a caminho, a experiência do concerto fez com que parecesse que nós é que íamos a caminho do cometa – e a toda a velocidade. Os The Comet is Coming, um dos mais reconhecidos grupos de nu jazz da actualidade, veio ao Lux na quinta-feira passada e, com intensidade e um virtuosismo assombroso, deu um grande espectáculo. A banda subiu ao palco já passava das onze da noite – uma hora depois da hora marcada – mas durante os noventa minutos seguintes praticamente não deu tréguas, com um actuação suada e vertiginosa, desenhada com rigor e preciosismo, pintada a muitos tons.
O grupo londrino – vocacionado para a exploração dos vários cruzamentos possíveis entre o jazz e a música electrónica – é formado por três talentos. Nas teclas, Danalogue desenha amplas paisagens sonoras, acordes ricos em textura e que não raro se expressam em baixos profundos e enérgicos. Na bateria, mantendo uma postura estranhamente fixa, ao mesmo que tempo que se desdobra em tempos acelerados e inesperados, Betamax – que, à semelhança de muitos bateristas com formação do jazz, têm alguma dificuldade em esconder essa sua proveniência mesmo nos excertos aparentemente mais sóbrios. Já ao comando do saxofone, aquele que é provavelmente o rei da noite: Shabaka Hutchings.
É sabido que é os músicos de jazz frequentemente se desdobram em múltiplos projectos – e nenhum elemento dos The Comet is Coming, apesar da sua relativamente jovem carreira, é excepção no que a isso toca – mas Shabaka é o mais rodado de todos. Nos Sons of Kemet, por exemplo, o saxofonista assume um papel semelhante – o de vocalista principal, sem qualquer recurso à voz. O saxofone de Shabaka, tocado com mestria e criatividade, impregna de alma a música onde entra, recorrendo a efeitos e ao jogo entre graves/agudos, e uma mistura de emoções que transmite sem qualquer dificuldade. Já tínhamos tido a oportunidade de o ouvir nesse projecto – num concerto frenético que a banda deu no Primavera Sound do Porto deste ano – e é uma autêntica experiência assistir à vida que flui daquele instrumento; as mãos do músico, e o seu sopro incansável, tornam-se a sua voz.
Embora a base do concerto tenha ido beber ao material do mais recente disco da banda – Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery, editado este ano – também houve tempo para alguns temas do seu antecessor, Channel the Spirits. Depois de uma secção inicial do concerto mais acelerada e à base dos temas mais recentes, o concerto evoluiu de uma forma algo imprevisível, e chegou mesmo a incorporar uma dimensão de clubbing – num tempo acelerado mas mais linear. Embora essa passagem nos tenha deixado com alguma reserva, os músicos voltam a transfigurar-se e a partir o ritmo – e que bem que o sabem fazer.
O Lux revelou-se um espaço mais que adequado à performance – a decoração e a disposição de luzes da sala, aliadas ao intimismo do tamanho reduzido da galeria, confirmavam de maneira muito visual as propostas da música. O próprio teclista não resistiu aos estilosos holofotes laterais da sala, que elogiou e descreveu de forma alegórica – foram as únicas palavras da noite, praticamente a fechar o concerto. De resto, estava tudo dito: havia um saxofone que falava quase uma língua humana, e que se passeava pelos temas deixando um rasto de ideias e emoções. Foi com um olhar de contemplação que se fechou a noite: num dos momentos mais belos do concerto, “The Universe Wakes Up” soa a lamento conformado, a retrato de paz – uma cadência que reluz e propõe esperança, que abriu o espaço e nos aproximou uns metros mais daquele cometa de que estamos a caminho.