The National no Campo Pequeno: música rumo à Estação Espacial Internacional
São uma das mais amadas bandas do público português; e ao mesmo tempo uma das que nos fazem sentir mais amados de volta. Foi o décimo sétimo concerto em solo nacional, depois da primeira visita há doze anos. O grupo americano apresenta-se como uma banda prolífica e, dá a impressão, constantemente inspirada. Generosos em palco e fora dele, característica que se sente desde logo na atmosfera da sala; e na diluída fronteira entre o palco e a plateia, nas frequentes visitas de Matt Berninger à fila da frente, com direito a uma incursão pelo meio do público até à bancada geral, um patamar acima do bar. Mas na noite de quinta-feira houve um terceiro plano, em altura, que visitámos na companhia do grupo: a Estação Espacial Internacional, em órbita em torno do nosso planeta. Lá iremos.
Os The National encerraram em Lisboa esta etapa da digressão I Am Easy To Find, que tem por mote o trabalho editado na última primavera. Três meses antes tinham estado connosco, mais a norte, como cabeças-de-cartaz da primeira noite de Paredes de Coura: um concerto épico, intenso, com aquela vocação para o palco que os caracteriza. Naquele luar de Agosto, exceptuando a qualidade do som (algo espalmado na mistura), tinha a impressão de que pouco tinha faltado para um concerto sem mácula. A qualidade de som do recinto do Campo Pequeno não dá espaço a grandes melhorias neste critério – mas os The National voltaram a dar tudo, e revolver emoções intensas no espírito de todos os presentes.
O concerto em nome próprio prometia um alinhamento mais extenso, mas foram poucas as alterações quando comparado com Paredes: três adições do mais recente álbum, entre as quais a belíssima faixa-título e a também emocionante “Quiet Light”; uma ou outra troca por troca de Trouble Will Find Me, que teve direito a seis temas no total; e a lamentável saída de “Guilty Party”, de Sleep Well Beast (embora haja neste juízo alguma parcialidade, por ser talvez a minha preferida de toda a discografia).
Mas a mais significativa surpresa no programa da noite revelou-se precisamente a meio do concerto – “Looking for Astronauts” foi repescada de Alligator, um dos primeiros álbuns dos The National. Foi um momento raro: nos últimos doze anos, foi tocada apenas duas vezes. Não chegou descontextualizada; segundo Matt, e embora nunca tenhamos exactamente a certeza onde começa e termina a brincadeira nos seus extravagantes apontamentos, a banda tinha estado minutos antes à conversa com os astronautas da Estação Espacial Internacional, via streaming. Jessica Meir, uma das actuais residentes espaciais, foi referida várias vezes ao longo da noite, e até teve direito a uma canção a si dedicada.
Seria tremendamente injusto não incluir aqui um agradecimento ao trabalho de guitarras da banda. Bryce Dessner, mais chegado ao nosso lado, é o comandante de uma das parcelas mais essenciais do som do colectivo. As injecções de inspiração que consegue convocar, quer nos momentos mais íntimos quer nos mais expansivos, não deixam nunca de me surpreender. Sinto-me um privilegiado nos momentos em que me é concedido perder-me nas teias melódicas e harmónicas da banda, à boleia da guitarra dos irmãos Dessner. Outra nota de destaque é devida a Kate Stables, cantora convidada; soou especialmente bem em “Where is Her Head”, assim como em “I Am Easy to Find”. A dinâmica entre a sua voz e a de Matt gera um efeito apaziguador. E como não lembrar os ritmos frenéticos de Devendorf e do baterista de apoio? Recursos absolutamente essenciais para muitas das composições da banda; a forma como partem os temas é um deleite para os ouvidos.
A sequência final da primeira parte do concerto é muito emotiva. “Light Years” é acompanhada de centenas de luzes de telemóveis. O piano, cerimonial, parece chorar. Minutos depois, “Fake Empire” coloca toda a plateia a cantar em coro; os metais, chegados à frente, ascendem com sensibilidade. Mas o encore não lhe fica atrás. “Mr. November” e “Terrible Love” são expoentes de energia que enchem as medidas do público; e a maravilhosa progressão de “About Today” – como sempre – surge como um manifesto incrível, cheio de coração.
“Vanderlyle Cybaby Geeks”, já sem amplificação (à excepção das guitarras), entrega a voz ao Campo Pequeno, sob a batuta do maestro Matt Berninger. É a esperada resolução para um concerto celebração de uma das mais emotivas e melódicas discografias que o rock nos apresentou nos últimos vinte anos. No final deixam a promessa de que não tardarão a voltar uma vez mais – e já circulava a notícia há algumas horas, com a confirmação no Rock in Rio Lisboa. Cá os aguardamos, embalados por este carinho com que sempre nos visitam.
Um último pormenor. A certa altura, perto do final do concerto, Matt Berninger apontou para cima. Não chamava a atenção para o tecto da arena, mas sim para quem lá longe também faz leva um bocadinho de nós. Às vezes as canções acentuam as nossas distâncias; outras, encurtam-nas. Será que na playlist dos astronautas da Estação Especial Internacional também está alguma dos The National?
Fotografias retiradas da página de Facebook oficial da banda