“The Time”: o passeio imersivo que nos reensina a reparar no que nos rodeia
No nosso dia-a-dia, quantas vezes temos oportunidade de simplesmente parar, admirar algo que se encontra à nossa volta e dar asas aos nossos pensamentos? Algo que apenas fazemos para nós e por nós, sem um objectivo final e sem as amarras de prazos ou de obrigações? É mais que sabido que o ritmo da vida hoje em dia nos esgota e nos deixa pouco tempo para nós mesmos. Isso é particularmente verdade no que toca à vida na cidade, que, com todos os seus benefícios e as suas oportunidades, exige por vezes mais de nós do que aquilo que nos devolve. Mas o que é sequer isso de ter “pouco tempo”? Porque é que ocasionalmente as coisas nos parecem intermináveis, como quando esperamos que um semáforo fique verde ou que uma reunião na qual a nossa presença não importa termine, e noutras vezes passa tudo a correr? Isso leva-nos a pensar que a nossa relação com o tempo talvez esteja deteriorada.
É por isso que a equipa criativa Uzahvati pretende colocar-nos em contacto directo com o tempo, para que possamos voltar a conhecê-lo com calma. Esta equipa é a primeira da Ucrânia que se dedica à criação de experiências imersivas com o objectivo de “trazer novas experiências emocionais e transformar os participantes”. Desde 2016, conta já com 7 performances no seu repertório, assim como 10 projectos comissionados para empresas e outros clientes privados. A equipa tem uma base em Portugal, tendo já apresentado um espectáculo anterior no nosso país: “Stereo”, sobre o qual já escrevemos. Menos de um ano depois, Uzahvati volta agora à carga com a experiência “The Time”, o primeiro passeio imersivo organizado em Portugal. Depois de ter sido apresentado em Kyiv, estreou em Lisboa no passado dia 1 de Junho.
Com esta experiência, a equipa pretende explorar o conceito do tempo e colocar perguntas como: Existe algo como o tempo em geral, ou é apenas um outro modo de pensar? É uma categoria que pode, na sua essência, ser medida? Como e para que é que usamos o nosso tempo? Ao contrário de “Stereo”, que se focava na unidade do casal, “The Time” é uma experiência de certa forma mais individualista, mas que se vive em conjunto. Um total de 30 participantes colocam auscultadores, através dos quais ouvirão um texto lido por um convidado especial que se revelará ao longo de um percurso de 90 minutos por zonas relativamente menos turísticas de Lisboa — começando por Oriente, passando por Olaias e terminando na Alameda. Apesar de todos os participantes irem em grupo (suscitando memórias de visitas de estudo da escola básica), cada pessoa experiencia o texto e interage com o que a rodeia à sua maneira.
A experiência é um convite a abdicar do controlo — tanto aquele que tentamos exercer sobre a vida como aquele que factores externos exercem sobre nós — deixando-nos guiar por alguém que não conseguimos ver e que vai discorrendo sobre temas relacionados com o tempo e a forma de viver a vida. Vamos todos palmilhando um percurso que se revela imprevisível pois, apesar de o roteiro ser sempre o mesmo, a cidade nem sempre o será. É por isso que, à semelhança de “Stereo”, cada performance é única pois cada pessoa com os auscultadores também o é. Alguns momentos ressoarão mais em algumas pessoas, enquanto que outros não ressoarão de todo, mas o mero facto de todos nós colocarmos o quotidiano em suspense por uma hora e meia é já uma boa quebra da rotina.
Durante o passeio, vamos recebendo comandos simples que nos farão interagir com o que nos rodeia e notar pequenos detalhes ao longo do caminho. Nesses instantes, parece que o mundo se torna muito pequeno e apenas existimos nós e aquele contexto. Ocasionalmente, perdemo-nos nos nossos próprios pensamentos e o mundo fica ainda mais pequeno, restrito àquilo que se passa na nossa cabeça. Mas, de repente, o nosso interlocutor avisa-nos: “agora tem cuidado com os carros, porque vais passar por uma entrada de um parque de estacionamento!”, numa impressionante sincronia da experiência com a cidade de Lisboa que nos circunda naquele momento. De seguida, começa a falar-nos sobre o futuro e a morte, e de repente o mundo expande-se de novo para abranger toda a experiência humana.
Nesta experiência, olhar para a cidade, as ruas e as pessoas à sua volta torna-se num exercício diferente daquilo que é no dia-a-dia, mas rapidamente nos apercebemos que não deveria necessariamente ser assim. Não deveria ser necessário sermos encorajados por outrem para olhar para o céu ou tirar um minuto para olhar para o nosso reflexo numa vitrina ou num lago. O enredo de “The Time” revela aquilo que se esconde mesmo à nossa frente e relembra-nos do quão bom é só parar o tempo e reparar no que nos rodeia.
Os bilhetes para a experiência podem ser comprados através do site da Uzahvati.