Tiny Soul Concert: Valter Lobo e o seu emocional folk fafense
O Palácio Baldaya, em Benfica, foi o espaço escolhido para mais uma edição do Tiny Soul Concert. Esta iniciativa mensal criada por um grupo de amigos procura juntar a música e a ajuda a quem mais precisa, oferecendo um serão íntimo de viagem sonora aliada à solidariedade social. Para esta 15.ª edição, o artista escolhido foi Valter Lobo, cantautor português cujo folk resguardado e emocional assentou que nem uma luva na atmosfera do espaço.
Depois de um passeio pela mesa dos petiscos e uns brindes a mais (ou a menos!), estava na hora do espectáculo. “Um minhoto de gema” foi como Valter Lobo foi apresentado, apresentação essa finalizada pelo artista, que acrescentou “e era um advogado muito triste”. Estranhamente, essa é a característica da sua vida rotineira que mais transitou para a sua música. Qual Bon Iver de Fafe, Valter Lobo transporta-nos para um ambiente mais resfriado, de sentimentos pintalgados por tonalidades mais soturnas. A sua entrega bem disposta e o seu bom humor contrastaram agradavelmente com os temas acompanhados pela sua fiel companheira de seis cordas.
Na pequena sala e no seu quentinho, fruto da reverberação musical do espaço, Valter Lobo começou por afastar ainda mais o Inverno com a faixa-título do seu segundo álbum, Mediterrâneo, lançado em 2016. O deslize das notas fundiu-se com a chuva a cair lá fora e, embora a catarse sonora dos sopros que ouvimos na versão de estúdio não tenha soado, a melodia aguda e sôfrega foi fielmente executada por Lobo e encheu o espaço.
Foi um serão sem o sol a brilhar, mas felizmente iluminado pelo brincalhão e caloroso espírito de Lobo e pela sua música. “Guarda-me Esta Noite” foi entoada com vontade; o músico cantava e pedia abrigo a um público que encheu o espaço para o ver. Pelos vistos, sentiu ter encontrado esse lar, pois decidiu mostrar uma música nova. Naquela tarde de Inverno, surgiu a oportunidade única de ver um artista estrear a sua obra ao vivo pela primeira vez.
E o artista que actuou perante a multidão é um artista modesto. Disse não saber nada de música e que se limitava a decorar sequências, mas “Ser de Água” foi um dos exemplos de que Lobo sabe o que está a fazer: o acorde dedilhado mais urgente e a melodia trauteada mostram uma boa sintonia entre a melodia vocal e a instrumental. Confessou não gostar de festas, algo tornado explicitamente animado por “Ano Novo”, o seu novo tema, “a olhar seriamente para 2020”.
Mas, por vezes, é nas festas que se encontram amigos. Reza a lenda que foi no final de uma festa com um bolo desfeito que Valter Lobo e o músico André Barros se encontraram, e onde começou o projecto Lobos de Barro. “Quero Que Me Acordes” foi a banda sonora acapella para um passeio descontraído de Lobo pelo meio do público. Percorreu a sala concentrado na melodia e certamente a ouvir na sua mente o piano tocado por Barros, naquele que foi um momento de ainda maior intimidade na actuação.
Para terminar, a melodia contagiosa do refrão de “Oeste”, a suspeita do costume, espalhou-se pelas pessoas presentes, que acompanharam de bom grado Valter Lobo. Ainda assim, houve tempo para um encore – depois de um golo de vinho para ganhar força – e “Supernós” foi a escolhida para encerrar definitivamente o espectáculo. Foi uma actuação calma, mais exclusiva e íntima, mas às vezes é tudo o que precisamos. Há vezes em que não precisamos dos grandes espaços ou de um mar de pessoas. Há vezes em não queremos ouvir os berros desenfreados de fãs exaltados. Há vezes em que queremos música que nos aproxime sem nos deixar os ouvidos a tilintar, em que só queremos uma voz suave e uma guitarra dedilhada.