“Unbelievable” ensina-nos a ouvir, apoiar e a parar de culpar as vítimas

por Comunidade Cultura e Arte,    26 Setembro, 2019
“Unbelievable” ensina-nos a ouvir, apoiar e a parar de culpar as vítimas
“Unbelievable”
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No passado dia 13 de setembro, a Netflix estreou Unbelievable (em português Inacreditável), uma dramática minissérie televisiva americana. Mais dramático ainda é o facto de a série ser baseada numa real série de violações, ocorridas nos Estados Unidos, entre 2008 e 2011. O caso foi originalmente tornado público em março de 2009, num artigo publicado por ProPublica e The Marshall Project (“An unbelievable story of rape).

Fiel aos acontecimentos reais, a minissérie segue ao pormenor o desenrolar da investigação policial, e particularmente a história de Marie.

“Unbelievable”

Marie tem 18 anos, e foi violada. O espectador sabe que ela foi violada, Marie também, portanto apresenta queixa à polícia. Para além de ter de enfrentar a dor, o embaraço, o sofrimento e o trauma, Marie terá também que enfrentar a desconfiança e a pressão da polícia, que não acredita na sua história. Pior ainda, essa desconfiança terá sido alimentada pela família adotiva de Marie, pelas pessoas que mais a deveriam ter apoiado.

Unbelievable faz o que muitas vezes somos incapazes de fazer: põe-nos no lugar da vítima; torna omnipresente a memória e a dor da violação, e não corta nem abrevia fase alguma do processo de queixa.

“Unbelievable”

O espectador assiste enquanto Marie relembra o ataque, quando a polícia lhe pede para o descrever, quando o detetive lhe exige que volte a narrar o acontecimento uma, duas, três vezes, quando a enfermeira lhe volta a pedir o mesmo, aquando dos exames médicos invasivos mas necessários ao processo. O espectador assiste à indiferença com a qual a enfermeira lhe recita os cuidados médicos, mesma indiferença com a qual acrescenta “se tiveres algum dos seguintes sintomas: (…) pensamentos suicidas, tens aí um número, juntei-o às instruções”.

O espectador está lá quando Marie é retida horas a fio numa sala de interrogatório, frente aos dois detetives que lhe repetem, uma e outra vez, que há inconsistências na sua história. Quando de seguida lhe perguntam se houve de facto violação e a ameaçam com a penalidade de uma falsa queixa. Os grandes planos da câmara, o silêncio ensurdecedor de Marie, a repetição exaustiva das mesmas perguntas e ameaças, e os longos minutos passados na sala do interrogatório, fazem o espectador sentir tal opressão e claustrofobia que a cena se torna também para eles insuportável.

“Unbelievable”

O primeiro episódio dá vontade de gritar injustiça. Confronta-nos com a realidade de muitas vítimas de violação que tiveram a coragem de falar mas que ninguém quis ouvir, porque havia inconsistências, ou porque o comportamento e atitude da vítima não eram as reações “normais” de uma verdadeira vítima. Mostra-nos a diferença que pode fazer um bom sistema de apoio, uma família e amigos dispostos a ouvir e cuidar. Unbelievable assusta qualquer espectador e enche-nos de desconfiança no sistema e nas pessoas. Mostra-nos que, ainda hoje, se a verdade for inconveniente e incómoda, as pessoas se revelam. Mas Unbelievable ensina-nos também uma lição: a de ouvir, apoiar e de parar de culpar a vítima, lembrando que se sentimos a injustiça da situação, nunca poderemos sequer imaginar o trauma.

Texto de Mariana de Abreu

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