“Welcome to Elk”: bem-vindos à ilha das histórias
Das sequências de eventos que vamos conhecendo ao longo dos anos formam-se expetativas, isto é, o que ouvimos pelos outros é essencial na construção de um imaginário narrativo das ocorrências da vida, especialmente das que ainda não ocorreram. Welcome to Elk passa-se na pequena ilha ficcional de Elk, um local que alude a esse imaginário. No controlo de Frigg, uma jovem que chega a Elk para ser aprendiza do carpinteiro Jan, vamos descobrir que a ilha dinamarquesa é um palco de histórias um pouco diferente do que se poderia esperar.
Baseado em histórias reais, Welcome to Elk faz um malabarismo de ficção com realidade. É a sua fixação em contar essas histórias, tratando-as como algo vivo, que compõe o cerne da experiência. Funcionando como um hub de histórias, a ilha baralha-as e altera-as para coser um enredo retalhado único em quatro atos. As personagens dão-se a conhecer rapidamente e, mesmo sendo o jogo curto, vamo-nos sentir integrados na comunidade bem cedo. Os habitantes da ilha, de uma forma quase teatral, representam os eventos, fazendo do jogador uma audiência que participa na ação. Há sempre um tom alegre nas entrelinhas, mesmo quando a tragédia toma lugar, tragédia na qual também se encontra beleza.
São as memórias que estipulam o que acontece na ilha; em certas vezes, são contadas antes de as experienciarmos, noutras, só depois, mas sempre apresentadas em múltiplos formatos. Ainda que a escrita precisa demonstre proficiência e saiba arrecadar, detalhadamente, emoções para o seu núcleo, os elementos metanarrativos poderiam estar um pouco mais bem manejados, já que são esparsos e têm alguma dificuldade em embrenhar-se no enredo e em alinhar-se com o fio condutor.
Expressivo e belo, o visual faz lembrar um livro de colorir. O cenário é branco tracejado a preto e as personagens e os objetos com que é possível interagir são coloridos. As animações lustrosas são também encantadoras e exageradas, passando uma alegria contagiante que contrasta bizarramente com as cenas mais mórbidas que vão espreitando durante a jornada de cerca de quatro horas.
Numa conjugação de mestria audiovisual, proeza narrativa e jogabilidade tersa, o jogo consegue criar facilmente uma sensação de desconforto e insegurança que nos incute os sentimentos dos protagonistas das histórias. A equipa de desenvolvimento teve facilidade em pôr as suas ideias no jogo, o que cria um espaço amplo extremamente bem lubrificado para a comunicação entre jogo e jogador, entre contadores de histórias e audiência. Há um trago de teatralidade, muitas vezes, a um musical, pelo ritmo em que as situações acompanham a música e criam pausas dramáticas cirúrgicas.
Para quebrar a alta linearidade do jogo, há algumas atividades para além de ler o elevado número de diálogos, como ouvir histórias com desenhos ou vídeos reais dos seus contadores, explorar a ilha para encontrar segredos engraçados e, acima de tudo, jogar os minijogos únicos que aparecem em cada dia. Os minijogos são excecionais, pois têm um polimento incrível: são muito suaves e funcionais, ligando-se à narrativa, usando a simplicidade de apenas um botão e, tal como o jogo em si, nunca oferecendo um estado de falha, pelo que o único desafio é ser o mais criativo possível. Porém, há um minijogo que mostra requerer uma solução inventiva, mas pode ser resolvido em meros segundos por ser demasiado irrestrito nas suas opções. Quanto ao minijogo do caraoque, onde temos de cantar com alguém escolhendo as notas que achamos mais apropriadas, podemos nem fazer nada, mas é maravilhoso por ser um autêntico crescendo de libertação criativa. Outro elemento excelente, e algo inesperado neste tipo de jogo, é a física muito bem tratada.
O design gráfico do jogo é ótimo, as fontes são um primor e a interface de utilizador é muito suave, simples e prática, com uns pequenos toques nos balões de diálogo quando os ultrapassamos, um pormenor delicioso. Só se lamenta, no texto, a presença de alguma farpas na pontuação e duas ou três letras que ficaram por teclar. No cenário, que é sempre a ilha, vai-se desbloqueando novas áreas, quase como um jogo em mundo aberto em ponto pequeno, mas é de estranhar que haja barreiras invisíveis que evitam que se passe por detrás de partes mais próximas da câmara, pois limitam a deslocação e afetam a sensação de perspetiva, apesar de se perceber que sem elas o mapa perderia a confusão que lhe é necessária e que deixar de ver Frigg ou usar efeitos de transparência não seria apropriado.
A sonoridade bem cuidada é um dos pontos mais fortes. A banda sonora cruza o country com o folk nostálgico, ela cria um véu de calor hospitaleiro que assenta sob o frio e isolamento da pequena comunidade, alimentando a chama de cada um dos habitantes. Também a sonoplastia contribui para esse efeito. No que concerne às situações mais perversas, cabe ao uso da distorção na música e a certos sons percussivos assinalá-las, com garantia de haver sempre um pouco desse truque para nos mergulhar em ansiedade.
Sobremodo polida, desde o grafismo imaginativo até à jogabilidade sólida e sonoridade afinada, esta aventura remota e criativa oferece momentos fabulosos a quem se deixar levar pela sua postura subliminar de serenidade perante a vida. O jogo da Triple Topping faz um uso admirável do meio, integrando e transmitindo histórias grotescamente humanas através do seu design assimilativo tipo colagem. Welcome to Elk é um autêntico processador de histórias e é nessa definição que se eleva e inclui tão precisamente na vanguarda artística do meio, a do novo “é para isto que se fazem jogos”.