25 de Abril de 2018
Ficcionista, ensaísta, poeta, tradutor, Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963, e é actualmente professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Traduziu a Ilíada e a Odisseia de Homero.
Gosto tanto do 25 de Abril. É um dia que me reconcilia com Portugal. Penso sempre nele quando passo em Lisboa na Rua da Alfândega à frente da Igreja da Conceição Velha, que, segundo o letreiro lá colocado pela Câmara Municipal de Lisboa, ocupa o lugar de uma sinagoga desactivada e depois reconvertida em templo cristão pela rainha D. Leonor (mulher de D. João II). Que passado o nosso: séculos de perseguição, de tortura e de execução de judeus. Que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Penso também sempre no 25 de Abril quando países do mundo ocidental com cadastro de esclavagistas e negreiros reconhecem e enfrentam esse passado. Não faz muito o nosso género, pois somos um país de brandos costumes e, normalmente, estamos mais atentos à culpa alheia. Mas sim, fomos negreiros. Que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Tivemos 48 anos de fascismo, é certo. Fomos um país onde não havia liberdade de expressão e onde, em pleno pós 1945, nas prisões se praticava a tortura. Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Fomos um país que tem na consciência uma Guerra Colonial, que tudo temos feito para esquecer e enterrar. Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Somos um país em que o Estado e a Igreja Católica nunca tiveram uma relação saudável. O casamento entre Catolicismo e Estado Novo foi uma vergonha. Tivemos a Inquisição e levámo-la para os territórios que lusitanizámos na sequência da nossa expansão imperialista (a que gostamos de chamar “Descobrimentos” e a que já tentámos chamar “Evangelização”). Mas que bom termos em contrapartida o 25 de Abril.
Hoje, olhamos para Lisboa, a capital do nosso país, como uma cidade que voltou à sua matriz mais funda de “Jerusalém Lusitana”: uma cidade de cristãos, de judeus e de muçulmanos, cujas religiões coexistem em paz. E onde com elas coexistem em paz hindus, budistas e outros. Já para não falar de ateus e de agnósticos.
Que bom termos o Portugal que temos hoje, graças ao 25 de Abril.