50 anos depois de ‘The Doors’ e o mundo da música nunca mais foi o mesmo
Começava assim o ano de 1967, aquela que viria a ser uma das mais icónicas bandas de todos os tempos lançava o seu primeiro álbum de estúdio. O trabalho árduo realizado durante os meses de Setembro a Dezembro do ano anterior por quatro rapazes que viviam em Los Angeles, viria a ser finalmente lançado a 4 de Janeiro. Este seria o pontapé de saída no reconhecimento mundial, o álbum que só viria a ser lançado agora, intitulado com o mesmo nome da banda. The Doors, assim se chamava a banda e o álbum que fizeram um sucesso estrondoso num ano repleto de estreias musicais de outros tantos gigantes. Vendendo cerca de 10 milhões de cópias e estando ainda hoje no top dos 50 melhores álbuns de sempre pela Revista Rolling Stone, faz com que este seja uma das mais emblemáticas obras musicais de sempre.
A combinação dos elementos do grupo faz com que esta banda seja especial, cheia de identidade, e tudo começa na poesia cativante de Jim Morrison. Em Julho do ano passado, assinalaram-se os 45 anos do desaparecimento do mito e foi publicada uma crónica da autoria de Lucas Brandão sobre a vida e a poesia de Jim Morrison que pode ser vista aqui. Jim Morrison, aquele ícone da música, da poesia, da contracultura americana dos anos 60 é sem dúvida o espírito que faz com que The Doors seja uma das mais míticas bandas de sempre. Os seus poemas interpretados pela sua voz intensa e expressiva são vistos como o motor que gera as músicas e faz com que estas sejam eternas. Porém, embora muitos considerem que o mérito de The Doors se deve única e exclusivamente a Jim Morrison, para as letras das canções, quase todas escritas por Jim, terem sucesso é necessário um meio para se propagarem, e daí os músicos integrantes da banda funcionam como o meio sob o qual as palavras proclamadas por Jim facilmente se difundem. O estilo rock, baseado no rock n’roll, no blues, tornando-se muitas vezes psicadélico, é o elemento chave na propagação da poesia que se alastra em cada canção. Os teclados de Ray Manzarek proporcionam um acompanhamento às palavras assim ditadas por Jim Morrison, grande parte das músicas estão carregadas pelas teclas deste brilhante teclista (que nos deixou em 2013) juntamente com as cordas da guitarra (e por vezes do baixo) de Robby Krieger e das poderosas baquetas manuseadas por John Densmore. Os músicos da banda fazem com que a poesia de Jim Morrison seja mais poética ainda do que é, proporcionando a musicalidade que as suas palavras assim exigem.
Como um das bandas pioneiras do rock psicadélico, um rock marcado pelos sons das guitarras e baterias misturados com o timbre abundante das teclas e dos sintetizadores, o primeiro álbum de The Doors teve um sucesso tremendo. Esta tornar-se-ia uma banda que se viria a afirmar constantemente até ao momento em que Jim Morrison desaparecera em 1971. Seis álbuns de estúdio repletos de grandes sucessos: The Doors (1967), Strange Days (1967), Waiting For the Sun (1968), The Soft Parade (1969), Morrison Hotel (1970), L.A. Woman (1971) e ainda outros três menos conhecidos, lançados após morte de Jim Morrison: Other Voices (1971), Full Circle (1972) e An American Prayer (1978). Ainda hoje se discute qual destas terá sido a verdadeira obra-prima de The Doors pois cada álbum tem a sua identidade e sucesso, e no fim de contas gostos não se discutem. Todavia, já diz o velho ditado, “Não há luar como o de Janeiro nem amor como o primeiro”, e para fazer esquecer as mágoas na música (e não só) de 2016 fica aqui então uma pequena análise às músicas que preenchem o primeiro álbum duma das bandas mais icónicas de sempre e que, além do mais, completam hoje oficialmente 50 anos de vida.
Break on Through (To the Other Side) (2:39) – “Everybody Loves my baby / Everybody Loves my baby / She get’s…!” Se há melhor música para apresentar um álbum, nada melhor do que uma que consiga mostrar as características de cada elemento, como se fosse uma miscelânea onde facilmente conseguimos encontrar cada instrumento. Break on Through (To the Other Side) é um óptimo exemplo disso, possui um ritmo acelerado marcado pela voz de Jim e pelas habilidades instrumentais de cada um dos músicos. A canção inicia-se com um compasso muito semelhante a uma música de Bossa Nova, juntamente com um riff da guitarra de Robby Krieger. De seguida aparece de rajada a voz de Jim Morrison com o acompanhamento das teclas de Ray Manzarek e da bateria de John Densmore, que torna a canção bastante apelativa e cativante para quem a ouve.
Soul Kitchen (3:35) – “Let me sleep all night / In your soul kitchen / Warm my mind / Near your gentle stove” Sempre acompanhado pelo riff da guitarra e teclas, num ritmo mais semelhante a uma música de blues, faz com que Soul Kitchen uma música bastante característica de The Doors tendo todos os integrantes bem presentes nesta melodia.
The Crystal Ship (2:34) – “The crystal ship is being filled / A thousand girls, a thousand thrills” O título inspirado num manuscrito irlandês do século XII, Book of the Dun Cow, torna The Crystal Ship uma das músicas mais pausadas do álbum. Com um acompanhamento mais calmo, esta é uma espécie de declamação feita por Jim Morrison, deste poema composto por quatro quadras.
Twentieth Century Fox (2:33) – “Well, she’s fashionably lean / And she’s fashionably late / She’ll never wreck a scene / She’ll never break a date” Os versos proclamados por Jim descrevem uma espécie de rapariga excêntrica que, quase sem querer, consegue chamar à atenção de todos. Os elementos do poema proporcionam grande emoção numa música onde um solo de guitarra por Robby Krieger sobressai-se de maneira bastante espontânea.
Alabama Song (Whiskey Bar) (3:20) – “Oh, moon of Alabama / We now must say goodbye” A musicalidade de Alabama Song (Whiskey Bar) é quase como se duma valsa ou de uma música de um filme musical se tratasse, isto porque não é propriamente uma música de The Doors. A canção foi escrita por Bertolt Brecht estando presente numa peça de sua autoria, Hauspostille (1927) com música de Kurt Weill, e que foi usada novamente em 1930 na ópera Rise and Fall of the City of Mahagonny. The Doors interpretaram-na dentro do seu estilo musical mas outros também o fizeram. David Bowie tem também uma versão sua desta canção.
Light My Fire (7:08) – “Come on baby, light my fire / Come on baby, light my fire / Try to set the night on fire” são os versos mais emblemáticos de The Doors, nesta que é uma melodia extremamente vivaça e cativante composta e escrita por Robby Krieger. Provavelmente esta é a primeira canção que surge quando alguém fala em The Doors, até porque, se considerarmos as habilidades de cada membro da banda, Light My Fire tem tudo. São sete minutos recheados do mais puro que há na banda, desde a performance da voz de Jim Morrison ao solo de teclas de Ray Manzarek e posteriormente o solo de guitarra de Robby Krieger. Acompanhada sempre pela bateria incansável de John Densmore, a mistura de sons e as combinações de graves e agudos tornam esta numa das mais deliciosas músicas dos anos 60, fazendo jus ao seu nome: atingiu o primeiro lugar dos singles durante 3 semanas seguidas na Billboard Hot 100 tornando-se numa mais ilustres canções de sempre, como um fogo que se acende e que dificilmente consegue ser apagado.
Back Door Man (3:34) – “I’m a back door man, the men don’t know / But the little girl understand” Canção escrita por Willie Dixon e interpretada por outros músicos como Howlin’ Wolf, uma música algo pausada mas carregada pelo estilo blues, num ritmo de teclas que marcam o compasso da música e um solo de guitarra fabuloso pelas cordas de Robby Krieger.
I Looked at You (2:22) – “I Look at You / You look at me / I smile to you / You smile to me”. Uma música com um ritmo acelerado retratando uma espécie de encontro com um destino romântico inevitável e sem retorno possível. Curta mais cheia de sentimento, I Looked at You exibe as vertentes de cada instrumento e, como é claro, a voz do ilustre Jim Morrison.
End of the Night (2:52) – “Take the highway to the end of the night / End of the night, end of the night” Uma melodia pausada, marcada pela voz de Jim e pelo acompanhamento dos instrumentos. Uma “explosão” na voz de Jim Morrison ocorre quando este pronuncia pela segunda vez os versos “Realms of bliss, realms of light / Some are born to sweet delight” e os instrumentos passam para registos mais agudos, podendo este ser considerado o clímax da canção.
Take It as It Comes (2:17) – “Takes it easy, baby / Take it as it comes / Don’t move too fast / And you want your love to last”. O ritmo acelerado e a própria letra fazem com que esta nem pareça a música mais curta do álbum. Abrindo logo com a voz de Jim Morrison e com um solo magnífico dos teclados de Ray Manzarek pelo meio, faz com que este seja um poema mais pequeno do que parece. Take It as It Comes mostra como é fácil pegar num texto simples e fazer dele uma canção que, apesar de curta, exibe grande ritmo musical.
The End (11:41) – “This is the end / Beautiful friend / This is the end / My only friend, the end” São com estes versos que começa a última canção do primeiro álbum dos The Doors, após uma introdução suave dos instrumentos que posteriormente acaba por se tornar numa enorme sinfonia psicadélica e mística. Tendo uma duração que chega quase aos 12 minutos, esta é uma das músicas mais simbólicas da banda, marcada por um poema intenso. “Father / Yes son? / I want to kill you / Mother, I want to…” é provavelmente o verso mais misterioso da canção que mostra as habilidades dos músicos com os seus instrumentos. A morte, que sempre fora uma espécie de obsessão para Jim Morrison, está muito evidenciada na canção havendo no final uma parte em que a palavra kill (matar) é repetida várias vezes no meio de uma mistura acelerada de sons. Sinfonia psicadélica, poesia mais pura, ópera fúnebre. Existem várias interpretações acerca desta canção que mostra aquilo que deverá ser o terminar de um ciclo, a conclusão de uma etapa, a ânsia do que nos espera: o fim.