‘Daytona’: o coke rap de Pusha T está mais potente do que nunca
Numa outra vida, Pusha T foi um dealer. Se não o sabiam não se preocupem, o músico nascido Terrence LeVarr Thornton faz questão de o referir extensivamente na sua música. O rapper norte-americano não é detentor do flow mais veloz ou das rimas mais complexas, mas no que toca a punchlines e frases citáveis há poucos como ele. Para além dos temas ameaçadores que descreve, a maneira como os descreve também é importante e traz muito à sua música: cada um dos seus versos tem uma entoação de desafio, de pose pronta para a batalha, a sua entrega mostra um homem pronto a disparar mas com sabedoria para saber quando não o fazer.
Pusha irrompeu pelo mundo do hip hop com o seu irmão, Gene Thornton Jr. – mais conhecido como No Malice – e ambos deixaram o mundo das drogas para trás. Formaram o duo Clipse e uma parceria proveitosa com o duo de produção The Neptunes – composto por Chad Hugo e Pharrell Williams – resultou em quatro álbuns de sucesso, em que os irmãos destilaram a sua experiência de vida e conhecimento das ruas em barras aguçadas e batidas de produção apelativa. Depois de Till the Casket Drops, o quarto álbum da dupla, No Malice e Pusha T seguiram caminhos separados pelo mundo do hip hop.
Em 2010, Pusha assinou um contracto com a editora de Kanye West, GOOD Music, e em 2015 o rapper tornou-se o presidente da mesma, mostrando que os seus talentos para o negócio não se resumem a substâncias ilícitas. No mesmo ano lançou King Push – Darkest Before Dawn: The Prelude, o seu segundo álbum a solo, e três anos depois o rapper está de volta com Daytona. Este é o primeiro de cinco álbuns produzidos por Kanye West em Jackson Hole, Wyoming, todos com sete músicas. Apesar de curto e mais próximo de um EP do que de um álbum, o projecto de 21 minutos é um longo conjunto de decisões acertadas tanto a nível instrumental como a nível de escrita.
O coke rap de Pusha T está mais aguçado do que nunca e a produção de Kanye West consegue enaltecer ainda mais as barras do rapper. “If You Know You Know” abre o álbum com muita pujança, a desafiar o ouvinte desde o primeiro momento. É uma música para aqueles que sabem exactamente sobre o que Pusha está a falar, e quem não sabe soubesse. O rapper não esquece o seu passado de dealer, indo buscar referências ao mundo do hip hop e ao mundo das drogas para as suas letras, como em “The Games We Play”: “Influenced by niggas straight outta Compton, the scale never lies/I’m two-point-two incentivised”. A música utiliza brilhantemente uma sample de “Heart ‘N Soul” de Booker T. Averheart, tornando uma música de hip hop sobre negócios de outros tempos numa espécie de blues transfigurado.
Em “Hard Piano”, mostra verdadeiro talento na maneira como pronuncia o verso “The Warhols on my wall paint a war story”, acompanhado por uma batida discreta que conta com produção de Mike Dean além de Kanye West, algo que transparece nos sintetizadores que enchem o instrumental. Mike Dean volta a comparecer na mesa de produção em “Santeria”, uma música que consegue com sucesso alternar entre momentos musicais diferentes: os versos soam confessionais, com Pusha a desabafar sobre a morte do seu amigo De’Von Pickett, e no refrão transparece a sensação de que é invocado uma espécie de ritual de contacto além do túmulo, a entrega de 070 Shake transmite isso mesmo. Em “Come Back Baby”, as duas batidas da música contrastam de forma ainda mais interessante e estabelecem um paralelismo entre o consumo de drogas, exemplificado pelo som libertador e leve do refrão, e a ressaca, demonstrada pela batida tensa e pouco convidativa.
Ao caminhar para o final de Daytona, ouvimos Kanye West em “What Would Meek Do?” e há até tempo para indirectas a Drake em “Infrared”, tema pacato que reacendeu um beef antigo entre os dois rappers e que teve uma resposta à altura da parte de Drake, à qual Pusha não ficou indiferente. Independentemente da música que escolhemos ou do tema que nos salta mais à vista há um factor incontornável: em qualquer um dos temas encontramos frases citáveis acompanhadas por uma produção extremamente apelativa. Aos 41 anos de idade Pusha T mostra que está no topo da sua habilidade. Os seus temas de discussão não são novos mas são apresentados com um novo vigor. A viagem de Pusha de trapper tornado rapper nunca soou tão interessante.