Aconteceu Brasil…
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Então parece que estou de volta aqui às crónicas, não é? Antes de continuar, tenho de pedir desculpa pela ausência, mas, em minha defesa, tenho a dizer que esta foi por motivos de força maior. “Que motivos, Rui?”, perguntam vocês cheios de preocupações com a minha saúde. Vários, meus queridos… Vários. Nomeadamente não me apetecer escrever, estar de férias e estar calor. Mas agora cá estou eu, com muita vontade e alegria. E podem ter a certeza de que voltar a cuspir textos semanalmente é mesmo o que me apetece e que não tem nada a ver com a publicidade que tenho de fazer para o novo espectáculo a solo que vou estrear em Outubro. A sério, não é mesmo porque agora tenho de aparecer mais do que um político em campanha para vender bilhetes, não tem nada a ver com a necessidade de ser omnipresente como Deus ou o Kevin Hart (este então está em tanto lado que até no obituário ia aparecendo) para ter salas cheias. É mesmo porque me apetece muito escrever. E comer sandes de vidro.
Bom, mas por acaso esta semana até me apetece escrever porque aconteceu Brasil. Quer dizer, não aconteceu bem Brasil, pelo menos o Brasil a que a minha geração estava habituada, aquele Brasil da música alegre, das fintas ou dos rabos bem asadinhos e descomplexados, não. Aconteceu Brasil, mas Brasil de agora, aquele Brasil de Bolsonaro, meio retardado, sisudo quando deve ser sério, sério quando deve ser sisudo e que faz tanto sentido quanto comer bolas de Berlim na praia (sim, não vamos falar disso agora, mas parem. É absurdo! Chega a um ponto em que já nem sabes se estás a trincar açúcar, se estás a trincar areia. E creme de ovos ao sol só é fixe se fores uma família de salmonelas em férias).
Então não é que o Prefeito do Rio e Janeiro, um senhor ex-pastor chamado Marcelo Crivella, quis apreender um livro de BD da Marvel porque este tinha um casal homossexual a beijar-se e isso era ofensivo e fazia mal às criancinhas?! Giro. As personagens são gay, mas aqui o Marcelo é que me saiu um mariquinhas. E o mais giro é que o tipo ainda disse que aquilo era pornografia! Se para este gajo um beijo é pornografia, o histórico do meu computador era coisa para lhe causar meia dúzia de AVCs. Não que se notasse muito… Mas não deixa de ser bonito ver esta preocupação do Crivella com as crianças, mesmo sendo normal em alguém como ele, que chegou a ser bispo da IURD. Sim, toda a gente sabe que aquela gente gosta tanto de crianças que até as rouba.
No entanto, o que acho mais giro nisto é que o Superior Tribunal Federal brasileiro suspendeu esta parvoíce da censura, como seria de esperar em qualquer país civilizado. Só que o nosso querido Prefeito pouco perfeito não ficou contente com a resposta e decidiu apelar da decisão. E como? Enviando uma foto de um livro chamado “As gémeas Marotas” para provar ao STF que esta feira do livro andava a vender porno a crianças e a conspurcar a suas pequenas cabeças com pensamentos pecaminosos como a homossexualidade, o incesto e sexo. Agora, o problema é que não só o livro referido não é para crianças, como é um livro de comédia, nem sequer estava a venda na Bienal do Livro do Rio e a foto foi tirada aqui, em Portugal, onde gémeas marotas não são uma ofensa, mas um sonho. Meu.
Assim sendo, apelava aí ao pessoal brasileiro que me lê (sim, estou a falar contigo, Neymar) que enviasse não ao STF, mas ao galante cavaleiro da moral e dos bons costumes Crivella (https://www.facebook.com/marcelocrivella) fotos de livros e revistas porno que não estão a ser a vendidos na Bienal do Rio e que não são, claramente, para crianças. Mandem tudo o que tiver mamas, vaginas, pénis e beijos. Mandem fotos de descrições detalhadas de sexo, especialmente sexo entre gays (e se o Sade tem boas descrições…), mandem capas da revista “Gina” e a “Gaiola Aberta” do Vilhena, mandem fotos de pepinos se tiver de ser, porque quem vê porno num beijo gay de certeza que vê um mangalho vegan ali. Vamos inundar o Crivella de sexo, porque quem tem medo do que um beijo entre duas personagens de BD pode fazer às crianças só merece ser fodido.
