Entrevista. Raquel Vaz-Pinto: “Há um conjunto de eleitores que estão genuinamente zangados, frustrados e que é preciso ouvir”
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“Posso afirmar com clareza cristalina que não me revejo nas lógicas populistas e extremistas das exposições de alguns partidos. Por isso, esses ficarão excluídos independentemente da sua posição ser à esquerda ou à direita.” Dias antes das eleições legislativas regionais, José Manuel Bolieiro, líder do PSD-Açores, respondia assim quando questionado pelo Observador acerca da possibilidade de uma coligação com o Chega. Deixou claro que quem votasse no PSD nos Açores votaria num partido que não se coligaria, por uma questão de princípio, com a extrema-direita.
“O perfil e o percurso que os partidos populistas e extremistas têm tido nestes últimos tempos não são compatíveis com o meu quadro doutrinário e ideológico social-democrata”, afirmou.
No entanto, duas semanas depois das eleições, a 7 de novembro, José Manuel Bolieiro foi indigitado pelo representante da República no arquipélago, Pedro Catarino, Presidente do Governo Regional dos Açores. A chegada ao Poder fez-se através de uma coligação pós-eleitoral com o CDS e o Partido Popular Monárquico (PPM) e acordos de incidência parlamentar com os representantes do partido de extrema-direita Chega e com o deputado da Iniciativa Liberal – conseguiu, assim, garantir a a maioria na Assembleia Legislativa Regional. Chegaram ao fim 24 anos de governo do Partido Socialista na região.
Os deputados do Chega comprometeram-se a assegurar a estabilidade governativa durante toda a legislatura. Em troca, os líderes regionais do PSD, CDS e PPM concordaram com a concretização de quatro pontos: “Propor a redução do número de deputados regionais; criar um gabinete regional de luta contra a corrupção; reduzir a elevadíssima subsidiodependência na região; e promover o aprofundamento da autonomia política no quadro do Estatuto Político-Administrativo dos Açores e da Constituição da República”. Entre os cinco partidos apoiantes do novo Governo, só a Iniciativa Liberal ficou fora deste acordo escrito, embora tenha firmado termos com o PSD.
Propostas não constam do programa do PSD
Para a direção nacional dos sociais-democratas, “são quatro aspetos que um Governo liderado pelo PSD deve naturalmente prosseguir na sua governação regional. Mal fora que não o fizesse apenas porque o Chega também o defende”. Apesar desta posição – e embora o vice-presidente Nuno Morais Sarmento diga que “nada foi alterado na proposta política do PSD, CDS e PPM por força do apoio da Iniciativa Liberal e do Chega” – o partido liderado por Rui Rio comprometeu-se com quatro exigências do partido de extrema-direita que não constam das suas propostas eleitorais para os Açores.
Nas 116 páginas do programa eleitoral, fala-se da necessidade de modernização da administração pública, das eleições europeias, mas nunca da redução de deputados na Assembleia Legislativa Regional. Há várias páginas dedicadas aos incentivos à fixação de jovens, à formação e reabilitação profissional, ao desenvolvimento de políticas ativas de emprego. Fala-se em “garantir uma habitação condigna a preços sustentáveis para todos os açorianos”, porque – e cito – “há falta de habitação social condigna”. Fala-se da necessidade de “integrar os mais frágeis, dignificar os mais idosos, valorizar os mais jovens, apoiar os mais diferentes”. Uma das propostas nesta área é “criar políticas e medidas que promovam a formação e qualificação profissional, a empregabilidade e integração social das pessoas beneficiárias do Rendimento Social de Inserção (RSI)”. Nunca se fala em cortar o RSI. E não há uma única referência à palavra corrupção.
A propósito deste acordo e das mutações políticas que a Direita nacional atravessa, entrevistámos Raquel Vaz-Pinto, cientista política e investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa. Vaz-Pinto é militante do CDS/PP desde 2016, onde foi conselheira na Comissão Executiva da ex-líder Assunção Cristas, e número três nas Eleições Europeias de 2019, em que Nuno Melo – cabeça de lista pelos centristas – foi reeleito. É uma das subscritoras do manifesto “A clareza que defendemos”, um posicionamento de figuras da Direita Portuguesa crítico da ascensão da extrema-direita, publicado no início de novembro, no jornal Público.