“Requiem for the American Dream”, de Noam Chomsky: a desigualdade que favorece os mais ricos em detrimento da maioria
Há muito que o propalado “American Dream” é colocado em perspetiva, de uma forma menos consumada do que nunca. São cada vez mais as dúvidas, perante o panteão da democracia, onde a liberdade, a fraternidade e a igualdade deviam pulular e agitar bandeiras de apreço e de progresso. Desde George Washington até hoje, como se pode verificar a democracia norte-americana? De que grama é esta feita hoje? Será grama ou ‘grana’? São questões que orientam o luxuoso sonho americano, que enchem-no de miopia perante os valores conservadores e ancestrais que remanescem no coração das cidades a sul. Erguem-se esses estandartes democráticos, embora não possam infringir com o corpo de valores do outro. É a nova democracia, assente numa realidade transmitida com pompa e circunstância.
Ajustam-se as ideologias e as crenças. Fazem-se delas o que se querem, em prol de bens maiores. Será que a dimensão corresponde, claramente, ao valor, ou fica-se pelo tamanho? São coisas em grande, bombásticas. Vão para lá dos dinheiros, embora os movimentem. Porque tudo é dinheiro, até o tempo. Por onde patina o sussuro dos interesses, por onde militam forças operárias, sem o suor da labuta, mas com outras tantas vozes. A ideologia canta ao som de um assobio inspirado e inspirador, para aquele que o ouve, num sentido de segregação de mão no coração, aplaudindo a imoral moralidade.
Depois, foi a economia a enquadrar-se naquilo que gritos, por mais infundadas opiniões que sustentem, impõem, à distância de um longínquo trabalhador, na comercialização de uma marca bem marcada. Estão lá as cantorias de uma repartição adequada, de um investimento ajustado e interessado, na transparência de quem bem os conhece. E os demais? Estarão com a devida atenção e construção para o fazer? Ficam-se por uma panorâmica dos jornais e das redes, onde se agrilhoam sem saber. É um silêncio atroz o dos bastidores, enquanto o palco recheia a circunstância e a pompa.
Por onde se canalizam as grandes taxas dos disparos económicos da contemporaneidade? Caem onde? Os encargos fugiram das bandeiras de apego às marcas e aos mercados. Estão algures por aí, embora ninguém as tenha descodificado. Onde é que se aprofunda todo o denso abismo de uma escala entre pobreza e riqueza? As metades cessaram de existir, ficando para trás no tempo. De momento, consagra-se uma outra história. O espetáculo passa a ser outro, com protagonistas capazes de reverter, à boa maneira de um talentoso ilusionista, os mecanismos através dos quais a História se conta. São narrativas perpendiculares, e jamais paralelas.
A falar de mecanismos, então e os de solidariedade social? Ficaram-se pelo caminho, querem ver? Pacotes de desinvestimento, e reforços em armas, em defesa, em empreitadas bélicas, em missões de policiamento do mundo. Conjeturas e disfarces rasgados em populismos, apoiados pela paixão acérrima dos sanguinários de bancada. As tochas invisíveis são as mais incessantes. Rasgam os céus com o seu odor peculiar, criando chagas e chamas bem repletas. O caminho tendencia-se e deambula-se para o lado dos mais fracos e dos arguidos em julgamentos públicos. Haverá equidade nestes centros de justiça sustentados numa moral personalizada?
Nos mesmos bastidores por aí mencionados, regulam-se as questões e as diversões desta realidade recém-chegada. Em cronologias estabelecidas com os dias de hoje, não há ontem nem amanhã que considere as revelações fortuitas. São regulações que passam pelos pingos de interesses alinhados, onde a geometria sabe bem como escalonar. Mexericos não se ficam pelas conversas corriqueiras, mas por onde passa e trespassa o núcleo da transação económica. Também assim o é nos diálogos e conversações, badalados em emoções de grosso recorte, onde o sino não clama pela novidade, mas pela eternidade de uma já bem conhecida realidade, desvendando paixões e condições.
As eleições qualificam e certificam meses a fio de interrogações e de pressões, considerando figura A e figura B, de origem C e origem D, com visão E e F e visão G. As entrelinhas revelam as análises mais conspirativas e corporativas, decretando, de estado para estado, um diferente fado. Intromissões internacionais são músculo para a costume revolta, de uma certeza real da qual se quer fugir. O sonho americano preenche-se de uma formatura diferente, diversa, esponjosa em volume, mas reduzida no seu conteúdo. Para além dos trocos que fluem e fruem de seus prazeres momentâneos, discursam as araras que, debaixo da asa, fazem circular seu oportuno truque.
A guerra das vozes continua. A entoação varia, assim como o significado e o sumo daquilo que é proferido. No entanto, as tais forças invisíveis, como o mercado gosta de as ter e de as reivindicar, alinham os astros de tal forma, que nem grupos, no auge das suas partilhas mais inquebrantáveis, conhecem voz própria. São, somente, um murmuro distante perante o muro reforçado no seu isolamento sonoro. Para lá dele, mesmo que não interesse a muitos ouvir, reúne-se o concílio de anónimos deuses. Aqueles que escalam nas pirâmides da abastança, por entre os ouvidos ocupados com a retórica de outros tantos, estão por lá, destrunfando em prol dos seus beneméritos.
Propagandistas propagandeando. São rumos que não se fixam somente pelas redes sociais, mas pelas redes neuroquímicas, para onde disparam as emoções e os calores abrasivos de um descontentamento latente. Pulsante e fervoroso, são assim os calores que deflagram perante os olhares e os sentidos de quem consome, de quem se entrega às devoções, preterindo as ações de razões. Pensamentos enquadrados com heranças ultrapassadas, mas que ainda fazem mexer com o elementar mais primitivo. As máquinas articulam-se e ajustam-se para que os seus favores possam ser materializados, mesmo que outros tantos, sem meios ou defesas, se possam bater de pé, empunhando o poder das identidades toleradas e diversificadas.
Cai o célebre “american dream”. Levantam-se as vozes do embate, do choque, do debate unidimensional. O diferente isola-se da construtividade sem desconstrução. A própria construção tem uns alicerces invisíveis, jogados na invisibilidade onde opera todo o jogo freudiano. O afamado sistema já não sopra, dando-se ao luxo de uma tranquila e descomprimida respiração, de pulmões cheios, enquanto as peças do xadrez se perdem perante tão binomial tabuleiro. O quebra-cabeças renasce quando as emoções são postas em jogo. O rumo acaba a desenquadrar-se, a desviar-se da verdade dos factos, para a verdade dos sentimentos. Ainda há quem confie neles? É o cardápio poroso de um destino sinuoso.