A herança de Platão e Aristóteles
A Idade Média redescobriu muito daquilo que foi feito para trás de si, em especial na Grécia Antiga. Toda a Escolástica, corrente filosófica advinda dessa atividade de desvendamento e tratamento das obras clássicas, se sentiu atraída a pensar criticamente com o contributo de nomes, como os de Platão e Aristóteles, para além do antecessor destes, Sócrates. Porém, foi nesse duo que grande parte da proficuidade do pensamento assentou e se desdobrou para as mais diversas áreas do saber. Desde a filosofia, à ética, à política, à justiça, passando, até, pela metafísica. Apesar das diferenças entre ambos – o primeiro, mais idealista, e o segundo, mais centrado nas questões palpáveis – a sua marca perpetuou-se até aos dias de hoje, estudados e reestudados numa atualidade muito anacrónica.
Tanto Platão como Aristóteles foram influídos e influenciados por Sócrates, o primeiro a introduzir a discussão da Ética no seio da sociedade grega, já muito bem organizada e disposta. Em plena mãe da Democracia, foi também pioneiro naquilo que foi os primeiros passos da Pedagogia, num plano complementar à atividade democrática, na medida em que deu ferramentas importantes e sustentáveis para que esta se desse sem melindres, e com consensos. Para além disso, também na Lógica e na Epistemologia se apresentou como um dos primeiros a dar passos de relevância assinalável, e que só seriam louvados anos depois de ser condenado à morte, pela novidade (e desagrado) que gerava o seu pensamento.
Estas pisadas não se tornariam esquecidas por muitos, como Ésquines, Xenofonte, e Platão, que as redefiniu como a base para a sua ampla e extensa filosofia. A partir de vários poemas e tratados, nunca descurou o diálogo, peça-chave naquilo que era a perspetiva filosófica do seu mentor, problematizando e desconstruindo, a partir dele, as questões mais essenciais da realidade vivida. Essa defesa acesa e contagiante de Sócrates segue em “Apologia”, onde também relatava os detalhes do julgamento deste, para além do seu funeral. Estava dado o mote para uma discussão filosófica quase perpétua, desde então mais independente a partir de vários preceitos, como “Teoria das Ideias”, “Teoria dos Princípios”, “Teoria do Demiurgo”, e o diálogo “Fédon”.
É aqui que surge a principal e mais denotada ideia de Platão, onde consagra a realidade como constituída por ideias e elementos abstratos, de cariz substancial. Para alcançar o verdadeiro conhecimento, o grego acreditava que seria pelo intermédio das ideias mais elevadas e consolidadas. Para ele, as “formas”, ou “ideias”, imateriais e eternizadas, as essências das coisas, dos conceitos do bem e do belo, e transmitiam a realidade do mundo, no inteligível metafísico. Na realidade, aquilo que estava ao acesso dos sentidos professavam-se a partir das ideias, embora sem conseguir expressar aquilo que elas eram em pleno. Um dos grandes diálogos que coloca tudo isto em perspetiva, “Fédon”, à luz do sucedido com o seu mestre, interceta a virtude do corpo, que está ligado ao pensar e ao sentir, com a inteligibilidade idílica da alma, reforçando esta, e destacando-a. Esta revelação de conhecimento, inato por a alma anteceder toda a realidade, desembarca naquilo que é a epistemologia platónica, tratando-se da crença verdadeira justificada, que se traduz como virtude. “Mênon” é um dos diálogos que traz a possibilidade da crença verdadeira se tornar conhecimento, do recordar da experiência, na transitoriedade entre mente e alma, no alcançar de uma virtude que recebe uma resposta à pergunta “porquê?”. Tudo isto daria o mote para a formação, uns anos mais tarde, e em convergência com o cristianismo e o zoroastrismo, do neoplatonismo, uma das fundações do pensamento Escolástico.
Por sua vez, as almas bebem de um princípio cosmológico, do qual o pensamento divino parte, e do qual as almas e o universo são regidos. O “anima mundi”, criado em obras como “Timeu”, de onde deriva o demiurgo, trata-se de uma força regente, que consegue levar a leis que afetam a matéria. Tudo isto parte da preparação do ser, que se funde na mistura entre divisível e indivisível, entre os quais surge a substância material, regida pela tutela da alma. Nesta transposição, está o tal demiurgo, conotado como aquele que tenta construir o bem do universo a partir da observação das formas, embora limitada em criatividade, pela eternidade perfeita do cosmos. Essa figura, neutra, procura gerar aquilo que é a formação de um mundo material, capaz de resplandecer o brilho genuíno e único do doce e etéreo sabor da alma.
Tudo isto não pode ser referenciado sem se mencionar a célebre “Alegoria da Caverna”, inserida na obra “República”, em que vários residentes da caverna possuem um conhecimento baseado naquilo que vêm dentro dela, quanto ao que cá fora acontece. São as sombras essa espécie de representação simbólica daquilo que é tomado como conhecimento. Perante a saída de um deles dessa caverna, e deparando-se com aquilo que é o mundo verdadeiro, banhado pelo Sol e pelas várias cores, desproporcionado daquilo que é a sombra, volta para o seio do seu lar para contar aos demais o que havia avistado. Considerando grave e louca a situação desse companheiro, decidiram nunca sair da caverna, aprisionando-se àquilo que era a representação da realidade. Tudo isto é um registo metaforizado em relação às revelações de Sócrates, e às consequências geradas e perpetradas por outros. Esta alegoria verte para a teoria do conhecimento, à luz da qual, segundo Platão, qualquer um, conhecendo a luz filosófica da verdade, se pode libertar da escuridão em que vive, confinada e confiada às subtis impressões do senso comum. A partir do mundo das coisas sensíveis e palpáveis, chega-se à realidade do mundo das ideias, na perfeição da perceção humana.
Quanto à obra “República”, este diálogo problematiza sobre o que é justiça, contrastando-a com a injustiça, para lá daquilo que são os vários regimes políticos, avaliando-os a partir do apetite que desencadeia, da razão que transporta, e da irascibilidade com a qual se comporta. Para além disso, estabelece uma relação entre o indivíduo e a cidade, hierarquizando os comerciantes, os guardiães, e os governantes. Existindo a harmonia da alma de um dado regime, para lá daquilo que é a organização da cidade, Platão reforça a orientação racional e consciente daquilo que é a política de uma dada pólis (cidade-estado), onde se confere esse ideal de justiça. É à luz disto que critica o governo do seu tempo, num emaranhado de brigas e conflitos rumo ao assumir do poder. Para o filósofo, o chefe é aquele que atende aos interesses da comunidade, ao invés de tomar atitudes e de fazer leis para beneficiar os interesses inerentes à sua identidade; e defendendo a punição dos que transgrediam as regras, mesmo sendo eleitos democraticamente. A grande ideia transparecida por Platão é a de que, à correspondência do ideal de homem, o Estado deve verter e refletir esse mesmo ideal.
A definição de Justiça, no plano daquilo que é a atividade política, social e democrática de um cidadão, passa pela vontade deste exercer a sua profissão, atingir aquilo a que se propõe, e não interferir noutros temas que não lhe concerne. A justiça pressupõe virtude e, como tal, capaz de conferir qualidade de vida àquele que assume, nos seus valores, essa premissa. Esta justiça pode-se sentir de duas formas distintas, sendo elas a relativa (humana, que passa pelos princípios da alma), e a absoluta (que regula e estabelece os princípios de se viver em comunidade).
No que toca à prática da Dialética, seria dado o mote para muitos discursos filosóficos de confronto e de sintetização dessas mesmas caminhadas. Para Platão, esta trata-se de um conjunto de procedimentos e de comportamentos, realizados perante a existência de certas problemáticas a serem debatidas/respondidas. O método de perguntar e de responder, de forma purificada e universalizada, leva a esse alcançar de conhecimento, em plena decomposição e escrutínio de um dado conceito. Esta aproximação do particular com o universal, num balançar entre dedução e indução, segue o percurso da busca pela verdade, através da síntese.
A herança deixada perpetuar-se-ia para lá do habitual mundo ocidental, alastrando-se pelos vários pensadores persas, para além dos matemáticos, a quem deixou a advertência para a importância do estudo dos números, de forma a reunir as tropas, para as questões negociais, e para calcular, no infinito, o alcance do verdadeiro ser. Aquilo que ficou, como legado de Platão, no plano instrumental, foi a formação da Academia, na qual partilhava os seus saberes e postulados com aqueles que se interessavam por essas questões. Entre eles, esteve o rosto atento e astuto de Aristóteles, um lógico, e menos preocupado com a verdade emitida da alma, mas sim pela materialidade dessa verdade. Grande parte da revolução científica operada, para lá daquilo que Platão havia apresentado, firmou-se e consolidou-se com este seu aprendiz.
As mais de três dezenas de tratados que realizou são conhecidos como parte do Corpus Aristotelicum, dividindo-se em exotéricos e esotéricos. As mais conhecidas eram as primeiras, até ao século final antes do nascimento de Cristo, que não se tratavam de obras de grande vulto ou diferenciação. No entanto, outros tantos – os esotéricos – seriam descobertos por volta de 50 a.C., por Andrónico de Rodes, que assumiu um papel decisivo na revolução da filosofia greco-latina. Parte da primeira fatia das obras de Aristóteles debruça-se, assim, na Lógica. De forma a estruturar o raciocínio e, por sua vez, o discurso, apresentou uma teoria semântica, de forma a testar a veracidade de argumentos, suscitados através de proposições. Este caminho lógico-dedutivo tornou-se no estudo formal de Aristóteles, que seria crucial para que toda a base tecnológica e informática se viesse a desenrolar e a desempenhar, a partir de estruturas plenamente desenvolvidas nesta lógica. A própria matemática é contagiada, à data, pelo revolucionário modelo apresentado, desvendando o seu caráter iterativo e operativo. Não obstante, a validade dos argumentos levantados e inferidos é o que está na génese desta lógica, disciplina criada pelo filósofo, a partir dos tais raciocínios, conhecidos por silogismos. A partir de três proposições, e determinando a validade das duas premissas, pode-se deduzir uma dada conclusão, podendo ser válida ou inválida, mas estando dependente, para isso, dessas premissas.
No campo da ciência, Aristóteles contemplou a Física com alguma novidade, distanciando as leis dos movimentos celestes com as dos terrestres. Desconsiderando a inércia, via o movimento como uma mudança de lugar a partir de uma dada causa, não articulando nenhuma força em específica para o descrito em forma vertical. Em contraste, movimento e repouso surgem como distantes, não tendo nenhuma relação entre si. Na deslocação para um estado natural, de forma circular, retilínea ou mista, o objeto entra nesse referido movimento. Na Ótica, são várias as referências à cor, naquilo que é a sua unidade e constituição, tratando-se de uma área construída no escopo da matemática, embora ainda bastante incipiente à data. Platão trazia a ideia de que a visão era originada a partir de raios do olho, que se intersetavam com os objetos avistados. No seu reverso, propôs que a luz se tratasse de uma qualidade acidental dos corpos transparentes (Teoria da Transparência), visualizada a partir do fogo. Esta luz não era algo material, mas sim algo que caraterizava o estado ou a omissão de transparência, em que algo se dizia invisível por não ter cor (Teoria da Medição da Luz).
Na Química, voltou a distanciar-se de Platão, que acreditava em átomos, formulados em várias formas geométricas; e negava a existência das partículas. Para o cosmos, apresentou o continuum, o material constituinte deste, e que seria divisível ao infinito. A obra “Meteorologia” traz todas as suas observações e relações entre matéria e química, num ponto de vista global, relacionando fenómenos geológicos, climáticos e bioquímicos, e desenvolvendo a sua perceção daquilo que é a matéria. Assim, para o helénico, esta é composta por quatro elementos, sendo eles terra, água, ar e fogo, provenientes da Natureza. Esta análise, baseando-se nas observações feitas pelo filósofo, é completada com a ideia de que seria impossível isolar qualquer um deles, para além da associação com a própria alquimia. Esta área, fundada com grande suporte nos postulados aristotélicos, discerne sobre a transmutação do mineral e do metal em ouro, para além da obtenção do Elixir da Longa Vida, ambos possíveis através da célebre Pedra Filosofal. Aristóteles deu o mote para isto ao afirmar que, com as rochas e os minerais a crescer no interior da Terra, também estes procuravam alcançar um estado de perfeição, à imagem dos humanos, através de um devido processo de maturação.
Naquilo que é a Astronomia, são mais as concordâncias em relação às perspetivas platónicas. Ambos consideram-na como uma área matemática, embora não fosse inteligível através da observação. Assim, na sua ótica, o cosmos é referenciado e avistado como uma esfera de enormes proporções, embora finita, na qual as estrelas se subordinavam ao movimento dos planetas, que giravam em torno do planeta Terra, este imóvel no centro do sistema. Ainda naquilo que é o saber científico, apresentou a Biologia, sustentado numa série de obras naturalistas sobre zoologia e história natural. As mesmas resultaram de uma intensa experiência e investigação empírica, a partir de observações anatómicas, fisiológicas, embriológicas e orgânicas a várias espécies do mar e do ar. Assim, acabou por ser o precursor da fundação da ictiologia (ciência dos peixes), a partir da catalogação extensa e numerosa dos peixes que perscrutou, e da distinção entre mamíferos aquáticos e peixes. Pelo meio dessas mesmas investigações, deu o primeiro indicar de descobrir o ADN das espécies biológicas, a partir da identificação da sua forma.
Metafisicamente, Aristóteles apresentou algumas obras sobre a temática, embora nunca se referisse a esta diretamente. Como objeto de estudo, assumiu o ser enquanto ser geral, aquele sobre o qual se pode afirmar qualquer coisa por existir. Também a dicotomia forma-matéria e a existência de uma personalidade divina são abordadas, numa visão sempre muito geral, assente na natureza do ser. Por si só, as coisas teriam quatro causas, sendo elas a formal (forma e essência), material (matéria da qual é feita), eficiente (origem), e final (finalidade da sua existência). No fundo, trata-se de uma reformulação da Teoria das Ideias platónica, tentando moderar as excessivas transcendências deste. Assim, para além de distinguir as substâncias a partir das quais se faz e se molda a realidade, aponta para a diferenciação entre o substancial no particular, e o pleno universal.
Aristóteles também foi crucial naquilo que foram os primeiros passos da Psicologia, partindo do termo grego dado a alma, psychê. Naquilo que é a realidade visualizada pelo filósofo, imbuída na filosofia natural, a psicologia aborda o mundo animado e senciente, onde a alma se distingue do inorgânico, onde principia e manifesta a sua atividade, ainda no rebordo do corpo material. Em “Da Alma”, obra de vulto do seu repertório, analisa as problemáticas ontológicas da alma, para além da sua relação com o corpo, e dos processos de nutrição e sensação da mesma. As relações entre sensação e intelecto conduzem à distinção entre intelecto ativo (transformação das sensações em perceções, concetualizando de forma abstrata) e passivo (formação de imagens mentais e captação de impressões passivamente). Toda a exploração da alma foi feita, precisamente, num olhar de valor e de virtude em relação ao verdadeiro conhecimento. Também a memória recebeu alguns olhares atentos por parte do pensador, que, na sua relação com a recordação e o esquecimento, apontou que é facilitada, tanto pela similitude que tenha com algum facto outrora vivido, como pela relação próxima de uma dada circunstância no seu contexto espácio-temporal. Tudo resvala no famoso conceito de catarse, em que um trauma, por vezes advindo de uma tragédia, pode desencadear a purificação da alma, após uma descarga emocional resultante deste impacto. Este conceito seria bastante trabalhado e problematizado na psicanálise.
Quando alcançamos o domínio da Ética, chegamos ao grande habitat natural de Aristóteles, considerado, frequentemente, como o fundador desta disciplina. Foi à luz de uma abrangente análise ao agir humano que conseguiu congregar ideias e ideais para aquilo que é a sua finalidade como proponente. Assim, e quanto ao conhecimento e ao trabalho, assinalava os fins destes como os de alcançar o bem, intenção que difere da ação de qualquer outro animal, para além do racional. “Ética a Nicómaco” é o tratado que abrange toda esta mundividência, sob um princípio de ação ética. No estudo dos fins da ação (teleologia), na rota da felicidade humana (eudaimonia), a virtude é alcançada na formação do hábito num indivíduo prudente, num sentido de excelência do bem ser e agir.
Neste caminho até à virtude, Aristóteles não faz mais do que seguir o legado imprimido por Sócrates e Platão, centrando-a no saber bem viver. Para que isto se pudesse assumir como algo exequível e verificável, seria necessário a envolvência das várias ciências, para além da metafísica, para perceber todo o bem da ampla realidade vivida. Essencial torna-se a educação e a formação da sabedoria prática, no saber ver e perceber o melhor caminho de comportamento, fulcral no que é a compreensão geral do mundo. Toda a instrução na deliberação, na emoção, e no pensamento social leva a uma inevitável compreensão geral e sensorial do mundo, assente, também, numa vida contemplativa, envolvida no pensamento intelectual, trazendo uma consistência à felicidade fruída pelo ser humano.
Como seu parente direto, surge a “Retórica”, um texto e um conceito que visa, entre outras metas, desmontar os sofistas daquele tempo, a partir de um método rigoroso, pouco distanciado da lógica e da ciência. Contrariando Platão, e a sua aversão à retórica, Aristóteles mune-a de autonomia em relação à filosofia, como um instrumento de alcance do conhecimento, a partir da questão, sustentação e discussão de argumentos. Assim, destrinça três tipos de géneros, sendo eles o deliberativo (persuasivo ou dissuasivo), o judiciário (delatório ou advogado), e o epidítico (elogioso ou censurável). Para além disso, os valores emocionais são colocados em perspetiva do discurso retórico, naquilo que é o caráter e as sensações dos protagonistas do mesmo. Entre estes, vários dos argumentos usados são tipificados, como o entimema (silogismo que, ao se saber a primeira premissa, se dá como certa, embora subentendida, a segunda), e a máxima (princípio indiscutível). As formas de expressão na própria oratória são analisadas, nas perspetivas da entoação, do ritmo, e dos recursos implicados e plasmados na ação discursiva. No fundo, o enfoque aponta para a descoberta especulativa a partir do enunciado persuasivo, sem nunca deixar de ser demonstrativa e emocional.
Um dos principais temas da filosofia aristotélica é a Política, versada numa obra homónima. Esta é, desta feita, perspetivada como uma ciência, voltada para a felicidade humana, e na qual se enquadra a Ética, coletiva de uma dada pólis. Na obra, investiga e escrutina as várias formas de governo, colocando-as em contraste perante a problemática de assegurar a prosperidade do normal cidadão. O enquadramento é feito no seio das ciências práticas, daquelas que procuram o conhecimento como instrumento para a ação. A cidade é vista como uma comunidade, na qual todas as ações de todos os membros possuem um papel determinante.
Quanto à obra propriamente dita, o Estado é teorizado e medido em relação às constituições a si inerentes, para além da natureza e dos princípios implicados nestas. Unindo-se à moral, também a própria política ideal é viabilizada e vislumbrada como um meio de alcançar a virtude, na forma de constituição moral dos cidadãos, e na garantia dos meios para a sua garantia. O Estado surge como um complemento àquilo que é à atividade moral individual e contemplativa, indo para lá da ética ao abranger toda uma comunidade. Já no tratado “Ética a Nicómaco”, aborda-a como algo que engloba e abrange toda a ciência militar, a própria gestão doméstica, e a retórica, tudo áreas que se possibilitam, como meios, de servir o fim estabelecido em política.
Aristóteles também assumiu voz ativa quanto à arte, capaz de reparar as vicissitudes da natureza e da moral humanas. Quanto à Música, destacou o seu (hipotético) papel na educação, pelo prazer que provinha desta, e que destoava daquilo que era o seu usufruto, perante a sua formalização e padronização. Assim, defendeu a sua autonomia e associação aos trabalhos manuais de então, ensinando-se a escuta. “Problemas”, obra que lança os fundamentos da Escola Peripatética – os ensinamentos de Aristóteles seriam veiculados a futuros pensadores e homens livres, que seriam cunhados assim pela docência ambulante e deambulante do grego – não desconsidera a música no processo educativo, mas mais naquilo que é a sua constituição formal, mais do que aquilo que é a sua fruição. Por sua vez, a Poesia também é especialmente tratada, e abordada, como objeto estético, em “Poética”, onde aborda vários registos literários e artísticos. Assim, reflete sobre o engenho de se fazer poesia de duas formas, visualizando-a como imitação, e como composta por diferentes géneros e espécies. Na primeira, e ligando a tendência mimetista do ser humano, vê a poesia como indissociável da imitação, embora se trate de um processo capaz de prover prazer e conhecimento. Na segunda, abrange várias tendências de constituir literatura, tais como as linhas folclóricas, os provérbios, as fábulas, e os próprios enigmas.
É na análise e estudo de temáticas sociais específicas que traz as suas ideias mais controversas e controvertidas. Perante a existência de um ser feminino inerte e passivo, Aristóteles exulta a importância do homem ativo, capaz de lhe imputar vida, para lá de não conseguir estabelecer amizades entre outros seres femininos, e de não atribuir igualdade em importância na atividade social. Não obstante, na sua obra “A Retórica”, enuncia a importância da mulher ser tão feliz quanto o homem, pois é imprescindível, para uma sociedade agradada e agradável, o seu contentamento. Já quanto à homossexualidade, a visão também era depreciativa, considerando-a perigosa naquilo que é a fundação de família. Mesmo assim, incentivava à sua regulamentação e tolerância em regiões onde a superpopulação se evidenciava, e onde se incentivava este tipo de relações. Sobre as relações de escravidão, não negou a natureza humana àquele que é escravo, embora teça comentários sobre a plausibilidade da escravatura. Assim, aquele que nasce nessa condição é para o ser, fazendo parte da sua génese, numa sociedade em que alguns foram feitos para mandar, e outros para obedecer.
Tanto Platão como Aristóteles, assim como o precedente Sócrates, são nomes indissociáveis de tudo aquilo que é o saber humano, desde a própria religião, até às ciências mais puras e duras, passando pelas ciências sociais e políticas. As discussões alongaram-se em tratados, onde muito foi aquilo que se tornou problematizado, e colocado em perspetiva perante a realidade social e humana grega. A filosofia da Grécia Antiga, para lá da sua literatura, e consolidada pela profícua atividade em tempos de Roma, como com Boécio, Horácio, e Plutarco, deu o mote para que muito daquilo que é a diversidade de mundividências existentes. Toda a base daquilo que sabemos vai para lá das limitadas referências a esses vultos, e transpõe para uma constante e determinante inspiração na ciência da arte daquilo que é o cosmos da nossa alma.
“Quando um homem, quer tenda para os rapazes ou para as mulheres, encontra aquele mesmo que é a sua metade, é um prodígio como os transportes de ternura, confiança e amor os tomam. Eles não desejariam mais separar-se, nem por um só instante. E pensar que há pessoas que passam a vida toda juntas, sem poder dizer, diga-se de passagem, o que uma espera da outra; pois não parece que seja o prazer dos sentidos que lhes faça encontrar tanto encanto na companhia uma da outra. É evidente que a alma de ambas deseja outra coisa, que não pode dizer, mas que adivinha e deixa adivinhar.”
Platão, em “O Banquete”
” (…) o bem próprio do homem é a actividade da alma dirigida pela virtude; e, como há muitas virtudes, será a actividade dirigida pela mais alta e a mais perfeita de todas. Acrescente-se também que estas condições devem ser realizadas durante uma vida inteira e completa, porque uma só andorinha não faz a Primavera, nem um só dia formoso; e não pode tão-pouco dizer-se que um só dia de felicidade, nem mesmo uma temporada, bastam para fazer um homem ditoso e afortunado.”
Aristóteles, em “Ética a Nicómaco”