Ano Agustina: ‘Três Mulheres com Máscara de Ferro’, o encontro de três personagens do universo de Agustina Bessa-Luis

por José Malta,    18 Novembro, 2018
Ano Agustina: ‘Três Mulheres com Máscara de Ferro’, o encontro de três personagens do universo de Agustina Bessa-Luis
Ilustração de Luísa Silva Gomes
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Este artigo faz parte do Ano Agustina, no âmbito do qual, ao longo de 2018, a Comunidade Cultura e Arte lançará, a cada mês, uma crítica a um livro da obra de Agustina Bessa-Luís, neste momento a ser reeditada pela editora Relógio d’Água.

A obra Três Mulheres com Máscara de Ferroda autoria de Agustina Bessa-Luís, trata o encontro de três personagens de três das suas maiores obras literárias que nunca antes se tinham conhecido. Escrita em Março de 1998 sob o formato de uma pequena peça teatral, surgem em cena três mulheres distintas que, para além de personagens, são também a acção desta história: Sibila, uma mulher vestida de camponesa de seu nome Quina, protagonista da obra A Sibila; Fanny, a formosa inglesa da obra Fanny Owen, que se veste como uma senhora rica do século XIX; e Ema, a lindíssima personagem da obra Vale Abraãoque se apresenta com um vestido de baile.

A edição da Relógio de Água conta ainda, para além do texto da peça e da cópia do manuscrito original, com algumas correcções da escritora, uma versão da peça na língua inglesa, prefácios de outras referências da literatura portuguesa (os de António Lobo Antunes, Hélia Correia e Gonçalo M. Tavares publicados, respetivamente, em Vale Abraão, Fanny Owen e A Sibila), e ainda textos de Vera Sam Payo de Lemos e Henrique Carrapatoso em relação ao contexto desta pequena obra. Seria também impossível entrar nesta peça sem primeiro ler a introdução de Mónica Baldaque, filha de Agustina Bessa-Luís, que relembra algumas das conversas tidas com a sua mãe sobre o conteúdo desta obra quando esta fora adaptada ao teatro num espetáculo exibido em 2014, inicialmente na Fundação Calouste Gulbenkian e mais tarde no Teatro Aberto, com a encenação de João Lourenço, tendo voltado novamente ao palcos em Outubro deste ano de 2018. Esta edição conta também com os desenhos dos figurinos de cada personagem elaborados por Bernardo Monteiro, bem como as fotografias do espetáculo durante a sua exibição. Todos estes elementos adicionam a esta pequena peça de teatro toda a informação necessária para que o leitor tenha todo o conforto e a informação necessária para uma total interpretação do seu conteúdo. Para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de explorar o universo de Agustina Bessa-Luís, a leitura desta pequena peça é uma óptima oportunidade para conhecer três personagens de três ilustres obras de uma das maiores escritoras da língua portuguesa, cuja leitura é e será sempre obrigatória.

A curta peça baseia-se no encontro destas três mulheres, cada uma com uma máscara de ferro, que se assemelham às Três Graças da mitologia grega. Cada uma delas, ao apresentar-se, retira a sua máscara dando assim a conhecer o seu rosto, iniciando uma conversa onde contam uma história marcante das suas vidas, algo que remete para as vivências de cada uma no no seu respectivo mundo. Deste modo entram em contacto três personagens de três mundos diferentes dentro do vasto universo literário de Agustina Bessa-Luís, numa espécie de conexão de mundos paralelos. O diálogo baseia-se no papel da mulher no universo literário sob o domínio do poder patriarcal, no qual surgem questões bastante pertinentes num enredo marcado também pela análise de cada personagem em relação às outras. No final, estas três mulheres com personalidades, experiências e vivências diferentes, chegam a um consenso que é proferido por Ema como desfecho desta história:

“Vamos pôr as nossas máscaras e voltar para o nosso lugar. Elas escondem que somos iguais aos homens e que temos direito ao reino deles. Mas como os iguais não se podem amar temos que usar estas máscaras de ferro toda a vida.”

Cada uma das personagens volta a colocar a sua máscara e ficam imóveis como estátuas, tal como as Três Graças, havendo uma espécie de simbolismo do retorno de cada personagem ao mundo de onde veio. Três Mulheres com Máscara de Ferro mostra mais uma vez a proeza e a inteligência literária de Agustina Bessa-Luís, ao conseguir fazer interagir três personagens distintas de três das suas obras numa peça que, apesar de curta, apresenta um conteúdo intenso que foi suficiente para a sua adaptação aos palcos. Este é, assim, mais um motivo pelo qual Agustina Bessa-Luís é ainda hoje um dos maiores vultos da língua portuguesa, cuja obra, para além de deixar uma marca significativa no leitor, continua e continuará a ser lida, tornando-se cada vez mais intemporal à medida que o nosso mundo avança.

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