Aos donos da Padaria Portuguesa falta uma Padeira de Aljubarrota
Esta semana as redes sociais ficaram em polvorosa com um vídeo que se tornou viral de um dos patronos da PP, Nuno Carvalho. O estranho não foi o directo a pedir um comentário ao chumbo da TSU, portanto, uma desTSU, mas sim o que daí surgiu. Com uma finta de corpo à Messi (ou à Cristiano Ronaldo de tempos idos, se preferirem), o assunto da TSU foi rapidamente ultrapassado e Nuno Carvalho começou a desferir os golpes – como se de um Conor McGregor se tratasse – que pretendia realmente.
Entre outras coisas de um texto pré-preparado, ouve-se algo como “queremos a flexibilização da contratação, do despedimento e do horário extra de trabalho”. Em suma, tal como no negócio da sua empresa, Nuno Carvalho quer tratar as pessoas como papos-secos, ao quilo e na medida das suas necessidades, podendo os mesmos ficarem a enrijecer à vontade pelo baixo custo a si associado e pela sua fácil dispensa.
Como se não bastasse por si só, em sua defesa saiu Zé Diogo Quintela, também ele sócio da PP e primo de Nuno Carvalho, através de um texto intitulado “Não me dão condições para explorar”. Além de ter pouca piada, a fazer lembras os últimos tempos do Gato Fedorento, o texto do Zé Diogo Quintela publicado no CM (fiquemo-nos pelas iniciais por o meio de comunicação social não merecer o trabalho de fazer mais que isso), ao ironizar as declarações do seu primo e sócio da Padaria Portuguesa, revelam uma coisa muito pior, revelam que toda aquela regurgitação de parolidades são algo perfeitamente estabelecido no seio da PP e do seu modus operandi.
O que os donos da Padaria Portuguesa precisam, mais do que uma liberalização das leis laborais, é de uma Padeira de Aljubarrota, essa figura lendária, e do seu rolo da massa reivindicativo. Quanto aos “parasitas”, diriam alguns habitantes de Lisboa que são as próprias PPs. Escondidas por todos os cubículos lisboetas (são o novo McDonald’s, mas à portuguesa) e capazes de surgir do nada, qual gripe nos dias de hoje, de um momento para o outro num sítio improvável. Esta última semana provou-nos ser porventura mais fácil, num piscar de olhos, aparecer-nos uma PP pela frente do que um seu dono a dizer algo com que a maioria dos portugueses se identifiquem.
Pode-se, obviamente, defender as declarações dos patronos, já que eles não fazem mais do que usar, antes de mais, da sua liberdade de expressão e, quanto a isso, nada a apontar. O (obviamente) criticável é o conteúdo das declarações dos dois. Se Nuno Carvalho demonstrou uma tremenda falta de gosto e de noção pela realidade social que existe à sua volta, sublinhando-se então o fosso existente entre a elite patronal e os seus empregados. Como refere Daniel Oliveira de forma certeira num texto ao Expresso “num país desigual a elite económica vive numa bolha e nem percebe como algumas exigências soam mal aos trabalhadores, que por acaso também são seus clientes.” Já agora, a reter fica também a entrevista de Ricardo Paes Mamede sobre o assunto.
Em relação a ZDQ critica-se a falta de opinião, seja ela qual for. Ironizando e suavizando as declarações do seu familiar, ZDQ revelou não levar a sério nada do que foi dito nem do transtorno que isso significaria para os empregados e sobretudo retira-se, com falta de sal, de dizer algo construtivo no seu texto, onde, em vez de se atrever a dizer algo com conteúdo (recorrendo ao humor ou não), decide não levar a sério nada do que foi dito nem do quanto isso significa. Zé Diogo Quintela, como se a polémica se tratasse de uma brincadeira de criança, quando a mãe lhe diz para se portar bem, este diz no alto do seu espírito infantil “nhenhenhe”.
Faz sentido, vamos só ignorar mais de um século de conquistas laborais que dão alguma segurança ao empregado que é, invariavelmente, um oprimido numa relação hierárquica onde o patrão detém o poder sobre o seu destino. Dispensar, sem mais o seu contributo e ignorar alguns dos direitos conquistados pela classe trabalhadora coloca-os mais como escravos e menos como trabalhadores (anseia-se uma Emancipation Proclamation invertida). De resto, nada contra. Como no livro de George Orwell, Animal Farm, Nuno Carvalho e Zé Diogo Quintela julgam-se aqui os bácoros que nos encaminham para um “bem geral”. Não se deve confundir a opinião destes dois empregadores com uma maioria, mas nunca fiando. Resta-nos evitar uma consumação desta história semelhante a uma que resulte no título pelo qual a obra se deu a conhecer em Portugal pela primeira vez. Há por aí alguma Padeira de Aljubarrota?
A imagem do artigo foi retirada da versão restaurada do filme Animal Farm, de 1954, inspirado na homónima obra literária de George Orwell e disponível no Youtube:
https://youtu.be/fG6q88QJ9Lo