Entrevista. Francisco Geraldes: “Perdeu-se um bocado o hábito da leitura. Estamos numa bolha de consumo rápido”

por Magda Cruz,    15 Janeiro, 2020
Entrevista. Francisco Geraldes: “Perdeu-se um bocado o hábito da leitura. Estamos numa bolha de consumo rápido”
Francisco Geraldes no podcast Ponto Final, Parágrafo (João Pedro Morais)
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O Ponto Final, Parágrafo é um programa da ESCS FM, rádio da Escola Superior de Comunicação Social, feito em parceria com a Comunidade Cultura e Arte, da autoria de Magda Cruz, aluna de Jornalismo.

Com 24 anos, Francisco Geraldes já jogou em muitos relvados, mas títulos também os vê nos muitos livros que lê. Em entrevista ao podcast de literatura Ponto Final, Parágrafo fala de como aproveita todos os minutos para ler — e para escrever —, da relação próxima que tem com os livros e de três livros de autores diferentes, com a distopia em comum.

Qualquer dia de Francisco Geraldes tem um livro. “Ando sempre com um livro atrás. É parte integrante do meu dia e já se tornou um hábito.” Há quase três anos, o jogador foi notícia por ler, para descontrair, horas antes do jogo Sporting CP — Valência CF. Não foi aí que tinha começado a ler, mas desde aí que até já foi acusado por fingir o hábito, admite: “Não forço nada. Já fui acusado de: ‘Andas sempre com um livro para mostrar que estás a ler…’” Francisco conta que chegaram a acusá-lo de ler durante o jogo. “Isso é impossível e não tem qualquer sentido. Ao meu lado tinha o Matheus Pereira a ouvir música e ele também não estaria a ouvir música durante o jogo”, ri-se.

O primeiro livro de que fala no 18º episódio do podcast é um dos favoritos de Francisco. “É a minha bíblia.” Falamos de “1984”, de George Orwell. Este é o livro que Geraldes escolhe, sempre que lhe perguntam que livro recomenda. “Se querem «acordar», leiam Orwell, porque apesar de ter sido escrito há 50 anos, mais ou menos, é atual.” Num tempo em que a desinformação encontra atalhos rápidos, o livro “1984”, que na verdade foi escrito há mais de 70 anos, é pertinente para Francisco.

No podcast há mais tempo dedicado a este livro conhecido pelo Big Brother, pela novilíngua e pelo duplo pensar, de que também falámos no episódio 2 do Ponto Final, Parágrafo.

Francisco Geraldes no podcast Ponto Final, Parágrafo (João Pedro Morais)

Francisco diz que recomendar livros a seja quem for (e não só a colegas de plantel, se bem que já conseguiu) é uma tarefa difícil. “Naquilo que são as pessoas que me rodeiam, acho que se perdeu um bocado o hábito da leitura. Cada vez mais estamos numa bolha de consumo rápido. Por isso, não conseguimos estar quietos num sítio a folhear um livro de 300 páginas. Porque isso no imediato não me dá nada. Se calhar daqui a uma semana vou ter. Mas as pessoas não estão dispostas a «perder» esse tempo.” Contudo, Francisco percebe que é difícil porque há demasiados estímulos externos no mundo.

Francisco Geraldes no podcast Ponto Final, Parágrafo (João Pedro Morais)

O segundo livro discutido é de um português – e do mais galardoado no país: José Saramago. De capa amarela, o “Ensaio sobre a Cegueira” foi o escolhido. “Para mim é o grande livro dele”, conta Francisco.

Este foi o livro que gerou alguma polémica na época futebolística de 2017/2018, quando Francisco Geraldes, lia para descontrair algumas horas antes de jogo um jogo de futebol. Francisco encontra parecenças entre o “Ensaio sobre a cegueira” e “1984”; de Orwell. “A história é sobre uma epidemia que cega todas as pessoas, mas a mensagem é «vocês já andavam cegos, apenas perderam a visão»”, resume Geraldes. Esse surto é de cegueira branca, uma doença inventada para alertar o leitor para a falta de atenção que se tem nos dias que correm. O livro já inspirou um filme e outras obras de arte, como esculturas.

No podcast há tempo para curiosidades sobre a história este autor, nomeadamente o apelido. Geraldes ainda defende a escrita do autor. “É uma questão de apanhar o ritmo.”

Francisco Geraldes no podcast Ponto Final, Parágrafo (João Pedro Morais)

Quem também adorava futebol era Albert Camus, para surpresa de Francisco, que diz que passou a gostar ainda mais do autor de “O estrangeiro” – livro que trouxe ao podcast. 

Camus, assim como Saramago, foi galardoado com um Prémio Nobel. Em “O estrangeiro”, fala-se do absurdo como característica humana, com a qual Geraldes se diz identificar. “Foi uma leitura muito importante.”, diz Francisco. Nota para o leitor: “O estrangeiro” faz parte da trilogia do absurdo de Camus, junto com o ensaio “O mito de Sísifo” e a peça de teatro “Calígula”.

No final do episódio, confrontado com a pergunta sobre o que faria depois de terminada a carreira no futebol, Francisco Geraldes ficou num dilema. Entre crítico literário, surfista profissional e treinador, Francisco não conseguiu escolher. O futuro ditará a resposta.

Este é o terceiro episódio da segunda temporada. Tens toda uma primeira temporada para pôr em dia. Se subscreveres, passas a receber uma notificação sempre que houver um novo episódio, na tua plataforma favorita.

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