As redes sociais já não são só um mero utensílio de socialização
O capitalismo tem como parceiro ideal o consumidor acrítico. A maioria dos utilizadores das redes sociais não faz questão de ler o documento que assina ao criar uma conta. Há, pelo menos, duas razões muito simples para isso acontecer. A primeira, deve-se ao facto de o documento ser demasiado extenso e complexo para a maioria das pessoas. A outra deve-se ao facto de não sentirmos, no quotidiano, que a nossa liberdade pode ser posta em causa após aceitarmos as condições do contrato.
É exactamente esta liberdade que é, não de forma assim tão dissimulada, posta em questão. Ao acedermos às redes sociais ou plataformas como a Google, vendemos a nossa liberdade e parece tão bom que nem reparamos. É a melhor promoção que podíamos encontrar no mercado! Ao entrarmos neste mundo virtual, entramos num novo mundo. Lá, encontramos uma beleza que não existe no mundo real: recomendam-nos amigos, músicas e outros produtos, locais de viagem e eventos. E nós ficamos agradecidos por nos organizarem a vida. Aliás, por tornarem a nossa vida mais suportável, mais agradável, mais bonita.
Uma pergunta que devemos colocar a nós próprios é a seguinte: até que ponto a nossa actividade nas redes sociais como o Facebook é uma parte normal da nossa vida e não uma artificialidade? Até que ponto é que fomos seduzidos ou manipulados a gostar de certas coisas? Talvez sejam estas empresas monopolistas que decidem sobre os nossos gostos, o quanto estamos dispostos a gastar num produto; talvez até saibam o valor da nossa liberdade. As redes sociais já não são só um mero utensílio de socialização.
Neste momento, estas redes também são utilizadas com propósitos mais altos: arma de arremesso político, ataques violentos com mensagens populistas, xenófobas ou racistas, ou até utilizado como filtro de entrada no mundo do trabalho. Para além disto, esta rede permite a utilização de um banco de dados que contém informações sobre pessoas, como frustrações relativamente às políticas governamentais, para mudar o destino de eleições ou referendos.
E é com este caos, com esta barafunda informativa, que os controladores/donos destas empresas convivem bem. Uma anarquia a que Zuckerberg denomina de liberdade e transparência total. É a mesma pessoa que considera por bem ter um banco de dados da nossa vida, mas já não está disposto a que as suas fotos de casamento sejam partilhadas nas mesmas redes sociais (que afinal são dele). E não nos esqueçamos de que o Facebook é uma empresa. Como em muitas decisões empresariais importantes, arrogância e o egoísmo estão presentes. Este meio digital não é um parque de socialização. Até os parques são pagos de alguma forma e aquele é pago com a nossa liberdade que, segundo conferi ainda hoje, não tem preço.
Não nos deixemos enganar pela cara de ovelha fofa de Mark Zuckerberg. Ele está decidido a comprar todos os meios de comunicação virtuais mais populares e já possui algumas das principais empresas, como o Instagram ou o WhatsApp. Ele quer criar um novo mundo, sendo ele o nosso salvador: segundo o próprio, o seu objectivo é criar um mundo onde as pessoas se dão bem e estão muito próximas. Muitos diriam que se trata de um mundo perfeito. O sonho é bonito, mas as acções são claramente corruptas e imorais. Zuckerberg não é só um mero visionário tecnológico ou um empreendedor de Silicon Valley. Isso seria desprezá-lo e não olhar frontalmente para o que ele anseia. O seu objectio é criar uma religião: as redes sociais são a Igreja, nós o rebanho e ele o pastor. Nós estamos na mão de um jovem programador com uma moral frágil. As leis, os tribunais, as democracias ou os direitos dos cidadãos não são obstáculos para um homem que controla uma parte da vida de mais de 2.2 mil milhões de pessoas. Agora, dependemos de um único homem e das suas ideologias. Um homem que não foi eleito e que claramente não representa ninguém a não ser ele próprio e as suas aspirações. Um lobo vestido de ovelha. Mas, infelizmente, não é o único.