“BoJack Horseman” acabou. Agora tudo está pior mas a vida continua

por Espalha-Factos,    3 Fevereiro, 2020
“BoJack Horseman” acabou. Agora tudo está pior mas a vida continua
BoJack Horseman
PUB

BoJack Horseman pode ser considerado o sucesso mais inesperado da Peak TV. Uma série de animação sobre uma estrela de cinema que também é um cavalo e vive numa versão alternativa de Hollywood. Poucos diriam, ao início, que esta seria uma das melhores tragicomédias do nosso tempo, mas seis anos depois não restam dúvidas.

A derradeira sexta temporada foi dividida em duas partes, cada uma de oito episódios. A segunda metade estreou esta sexta-feira, dia 31 de janeiro, e apresenta-nos um final adequado à mensagem da série. Mais uma vez, toxicidade, doença mental, abuso e vício são representados de uma forma realista e desarmante.

BoJack Horseman

#Metoo

Os últimos episódios colocam BoJack (Will Arnett) num processo de reabilitação. O protagonista confronta os seus traumas e tenta finalmente livrar-se da personalidade destrutiva que causou tanto dano a ele como aos que o rodeiam. Diane (Alison Brie), Todd (Aaron Paul), Princess Carolyn (Amy Sedaris) e Mr. PeanutButter (Paul F. Tompkins) atravessam fases de transição nas suas respetivas vidas.

A reabilitação de BoJack começa a complicar-se quando uma dupla de repórteres começa a desenterrar as ocasiões em que a sua toxicidade provocou vítimas. Os paralelos ao #MeToo são evidentes e é nesta componente que a sátira de BoJack Horseman brilha. Sem escolher lados, analisando os vários cenários da cultura de cancelamento, a série produz reflexões provocadoras sobre o tema. Sim, é verdade, bonecada de animais que são estrelas de cinema tem a representação ficcional mais realista e equilibrada deste escândalo.

Cada uma das personagens principais foi mudando ao longo da série e nestes últimos episódios esse processo conclui-se. Todos têm de aceitar que a vida não correu como eles esperaram. No entanto, isso não quer dizer que não estejam num sítio melhor do que o início da série. As conclusões deste grupo adorável de desajustados são todas satisfatórias e justas.

A banda sonora volta a acertar na escolha de canções para reforçar o impacto emocional de certos momentos. A animação mantém-se boa com os ocasionais momentos brilhantes que nos fazem querer emoldurar os planos. E, claro, o humor continua atual, letal e tão inteligente como absurdo.

BoJack Horseman

Foi bom enquanto durou

Terminar uma série como BoJack Horseman não é tarefa fácil. As expetativas dos fãs eram altas, os temas sensíveis e a mensagem final teria de ter um propósito claro. Raphael Bob-Waksberg, o criador, está de parabéns pelo tiro certeiro que deu. O programa tem uma conclusão ousada, emocional e fiel aos seus valores.

Há uma tradição curiosa do penúltimo episódio das temporadas ser mais ambicioso e marcante do que o final. Na sexta este também é o caso. O episódio 15 é uma viagem aterrorizante pelo psíquico de um homem (ou cavalo) traumatizado e sem esperança. É o culminar dos grandes erros de BoJack, dos momentos mais baixos e humilhantes. É difícil afirmar, categoricamente, que é o melhor episódio da série. Há demasiados candidatos a essa distinção, fica ao critério de cada um. Pelo menos, insere-se na elite que tornou BoJack Horseman uma referência.

E depois temos os derradeiros 26 minutos. O episódio 16 que nos coloca em Hollywoo (sem erros ortográficos) por uma última vez. O texto do argumento roça a perfeição: As conclusões a que as personagens chegam, as piadas subtis que fazem referência a um pouco de todas as temporadas anteriores, as ideias expressas nos últimos diálogos. O risco de fazer um episódio minimalista para acabar BoJack Horseman podia ter corrido mal. Pelo contrário, apenas deu mais impacto à sua despedida.

Uma palavra para os atores. Will Arnett teve, provavelmente, o grande papel da carreira. A voz de BoJack nunca mais vai ser ouvida, mas teremos memórias vívidas dela. Os restantes membros do elenco também fazem das suas melhores performances nesta sexta temporada.

BoJack Horseman é uma das melhores séries de sempre. O seu maior mérito foi talvez o maior obstáculo ao seu reconhecimento. Uma animação de animais com comédia para adultos pode não parecer a ideia mais apelativa do mundo. Por isso, ainda bem que a Netflix apostou nela. Mesmo que nunca tenha ganho muitos prémios, certamente mudou mentalidades.

O tempo será bondoso para BoJack. A série ficará na história como um exemplo de como escrever uma série inteligente que lida com várias personagens igualmente importantes, com temas sensíveis a serem retratados da melhor forma possível. É uma escola de equilíbrio ideal entre sátira aguda e drama profundo.

BoJack Horseman acabou e agora tudo está pior. Mas, como o seu fim nos diz, a vida continua.

Este texto foi escrito por João Malheiro e foi originalmente publicado em Espalha Factos.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados