Carlos Drummond de Andrade e o Brasil em estrofes

por Lucas Brandão,    16 Agosto, 2017
Carlos Drummond de Andrade e o Brasil em estrofes
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Carlos Drummond de Andrade é um dos típicos homens ligados à cultura que compõem a página de rosto de um país. Considerado como um dos melhores poetas brasileiros do século XX, o seu cunho e estilo personalizado vêm-se perpetuando pelas décadas e dando vida e cor à vaga contemporânea de artistas daquele país.

Drummond de Andrade sempre prezou, tanto nos seus poemas como nas suas crónicas, a expressão dos sabores e dissabores da sua consciência crítica ativa. Proveniente do estado de Minas Gerais, onde nasceu a 31 de outubro de 1902, o poeta bebeu bastante da literatura ibérica e da sua proficuidade dos finais do séc. XIX para moldar o seu estilo. Assume, no entanto, um caminho de originalidade e de individualidade, em que se volta para a conceção de um presente cético e melancólico, refletindo num passado de tortura e num futuro incógnito.

Tudo isto numa primeira fase do seu trabalho literário. Já no dealbar da vaga de ditaduras militares, que abateu o continente sul-americano, Drummond conferiu um caráter socialmente ativo aos seus poemas, abordando a história contemporânea e trocando o individualismo pelo sujeito composto que é a sociedade. Seguidamente numa terceira fase, o canarinho entra no campo da filosofia, onde questiona os habituais conceitos de vida e morte numa perspetiva universal; tendo, como fim, a sua carreira na fase das memórias, em que faz uma introspeção da sua vida, em que aflora noções como a infância e a família e onde até dá uma carícia textual sobre o erotismo.

“Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado

Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as ideias
o sonho
o passado
o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos. ”

in: “Discurso da Primavera” (1978)

As questões estruturais e sintáticas da sua poesia são postas de parte em detrimento do enriquecimento estilístico e semântico do conteúdo veiculado. Alguns dos traços mais interessantes e evidentes em Drummond de Andrade são o seu humor, a sua ironia, os neologismos recorrentemente criados, as aliterações e a linguagem que, apesar de correta, não descarta as camadas sociais menos letradas, optando por uma via coloquial.

Algumas das suas melhores obras são:

  • Alguma Poesia (1930)
  • Sentimento do Mundo (1940)
  • A Rosa do Povo (1945)
  • Claro Enigma (1951)
  • Poemas (1959)
  • Lição de Coisas (1962)
  • Boitempo (1968)
  • Corpo (1984)
  • Poesia Errante (1988, póstumo)
  • Poesia e Prosa (1992, póstumo)
  • Farewell (1996, póstumo)

Falecendo em 1987, com 85 anos, Carlos Drummond de Andrade deixou um grande lastro escrito e com uma multidimensionalidade rara. Perpassando pelos corredores sinuosos da filosofia, abraçando causas e sujeitos sociais e até remetendo-se ao seu intrincado eu, o brasileiro deixou muito pouco por escrever e deixou muito para que se sinta, se acredite e se viva. Trata-se, em suma, de um poeta para as massas pela forma como compreendeu o homem tanto como um ser individual e introspetivo como um agente social com crenças, direitos e valores que devem ser reivindicados e garantidos. Ladeado por nomes como Machado de AssisOswald de AndradeVinicius de Moraes ou Clarice LispectorDrummond de Andrade fez da poesia moderna sem nunca a ter desguarnecido do seu lirismo. Por outras palavras (mais coloquiais, sendo fiel ao seu estilo), foi este o homem que deu rodas à poesia sem nunca lhe ter tirado as asas.

“O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.”

in: “Amar se Aprende Amando” (1985)

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