‘Chevalier’, a masculinidade como objecto de estudo
O inconvencional continua a ser objecto fílmico para aquela que é chamada de “Greek Weird Wave” do cinema grego, originada por títulos como Dogtooth e Alps, ambos de Yorgos Lanthimos, e Attenberg de Athina Tsangari, a realizadora deste Chevalier. Se em Attenberg a protagonista vivia isolada, refugiando-se em documentários de vida selvagem narrados por Sir David Attenborough, este Chevalier, contém um foco marcadamente diferente, ao mesmo tempo em que parece colocar-nos metaforicamente dentro de um desses documentários ao isolar um grupo de homens para estudar os seus comportamentos num meio “selvagem”: o mar Egeu.
Seis homens de classe média e meia idade (apesar da diferença de idades mais visível entre o elemento mais novo e o mais velho) estão de férias em conjunto num iate no meio do mar para aí praticarem mergulho e se alienarem dos seus trabalhos e famílias. O iate, apesar de luxuoso e espaçoso, assim como todo o vasto mar que os rodeia, é um elemento essencial ao confinar a sua vivência num espaço que é delimitado. Essa delimitação espacial cria uma incapacidade de habituação a uma estadia em conjunto sem evitar uma espécie de concorrência, conforme nos vamos apercebendo disso logo ao início quando há um olhar sagaz e depreciativo sobre a forma física de cada um, seja esse olhar feito pelo próprio dono da volumosa e saliente parte frontal do tronco – vulgar “barriga” – ou por parte de qualquer um dos outros “habitantes” do barco.
O barco é propriedade de um médico, o mais velho dos tripulantes, que convidou seus conhecidos, dos mais variados espectros profissionais a passarem uns dias consigo. Além deles, residem aí também os empregados que apesar de “à parte”, vão aparecendo em cena comentando entre si as acções dos demais.
O “pontapé de saída” é no entanto dado quando um dos convidados decide começar um jogo: “Quem é o melhor homem?”, dentro do lote dos seis presentes. Um jogo ao qual não podemos deixar de atribuir um tom irónico e mordaz vindo de Tsangari, ao olharmos e lembrarmo-nos desse “barco à deriva” que é também a própria Grécia, que vive(u) numa verdadeira atribulada luta diplomática (tal como no filme) por um líder para a sua liderança política. Ao vencedor do jogo denominado de Chevalier, será atribuído um anel que deverá permanecer no seu dedo como símbolo da sua superioridade para com os demais.
A decisão e atribuição (e subtração) de pontos neste jogo onde os tripulantes competirão entre si pela busca do “melhor” virá das mais básicas tarefas como montar uma vulgar estante do IKEA, ou da forma como dormimos, ressonando ou não, até à mais máscula e motivo óbvio para conflitos e “crises de masculinidade”: quem tem a maior erecção. Esta rivalidade humana vista de um ponto de vista feminino não deixa de ter um toque especial por isso mesmo, havendo uma capacidade única de desconstrução de situações que são tão básicas e idiotas mas que representam um carácter de realidade tão habitual entre conhecidos. É esse ponto de vista feminino a chave para a filmagem destas situações tão absurdas que mostradas do prisma de Tsangari originam em nós ataques de riso proporcionados pelo visionamento de situações em que ironicamente nos acabamos por rever. Temos ainda por parte de Tsangari momentos que erradamente são apenas atribuídos às mulheres como a preocupação pelo peso ou o constatar das “coxas gordas” e os comportamentos típicos e compulsivos que daí advêm – um súbito “gosto” desenfreado para a prática de corrida, na maior parte das vezes. Nada que não seja propositado.
Não há em momento algum qualquer interesse forçado por parte da realizadora e do seu co-argumentista Efthymis Filippou, ambos colaboradores de Lanthimos em trabalhos anteriores (onde a multi-facetada realizadora já foi actriz e directora), em guiar-nos para qualquer tipo de opinião para uma interpretação ou conclusão que não a que acontece no ecrã. Tal como os seus intérpretes, não há um foco em especial que não o de trazer bons momentos aos espectadores e de apenas mostrar o que de facto está a ser filmado. Neste filme estamos perante umas verdadeiras Olimpíadas humanas vindas directamente do país que as criou e trazidas aqui por parte de uma original realizadora que se contenta (e bem) em dramatizar, através de um retrato bem disposto, a maneira de ser dos homens do seu ponto de vista (com uma pitada de sal, ou não estivessem em alto mar).
Em Chevalier, tal como em 12 Angry Men, há apenas um vislumbre no final da reintegração dos indivíduos à sociedade já de saída do seu “tribunal” e fora da sala onde procedem ao “julgamento”. A léguas (bem a propósito) da magnífica obra cinematográfica incidente também ela sobre o comportamento humano realizada pelo mestre Sidney Lumet, Chevalier surge ainda assim como uma sua versão made in “Greek Weird Wave”.
Distribuído pela Alambique, Chevalier estreia esta semana. Quem não for ver tem automaticamente “-10 pontos”.