Entrevista. João Tordo: “Escrever um romance é uma espécie de ato de equilibrismo”

por Magda Cruz,    14 Julho, 2020
Entrevista. João Tordo: “Escrever um romance é uma espécie de ato de equilibrismo”
João Tordo / Fotografia de Vitorino Coragem
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João Tordo acaba de lançar um meta-livro, um livro sobre a sua relação com a escrita. No penúltimo episódio da segunda temporada do podcast Ponto Final, Parágrafo, o autor de “Manual de Sobrevivência de um Escritor” fala de tudo um pouco: como sobrevive um escritor profissional, questões da vida editorial, pormenores da escrita tordiana e do novo romance, “Felicidade”. Tudo isto à medida a que falamos de três dos livros que mais o marcaram. A seleção inclui Herman Melville, Roberto Bolaño e Saramago. 

Podes ouvir a entrevista completa, conduzida pela Magda Cruz:

Os livros acompanham-nos todos os dias. Mesmo quem ainda não tem gosto de ler, vê pelo menos um livro por dia, nalgum sítio. No início de um dos livros que João Tordo destaca como um dos que mais o marcaram, “O ano da Morte de Ricardo Reis”, de Saramago, lemos: “Ainda há quem duvide de que a arte possa melhorar os homens.” 

Com um livro novo a cada dois anos, mais ou menos, muitos leitores poderão dizer que a escrita de João Tordo lhes melhorou a vida ou pelo menos que agradavelmente os acompanhou nalgum momento.  

Um perfil em números

Tem 44 anos. Publicou 15 livros, sendo 13 deles romances. No outono soma mais um romance. Prémios e distinções tem pelo menos nove, incluindo o Prémio José Saramago 2009, com “As três vidas”, uma história que mete funambulistas e arquivos secretos. Recentemente, o livro “A noite em que o Verão acabou” ficou em 3º lugar no Prémio Livro do Ano Bertrand, na categoria de Ficção Lusófona.

Viveu em Londres e Nova Iorque, trabalhou em cafés e restaurantes. Na academia, estudou Jornalismo e chegou a trabalhar como jornalista; licenciou-se em filosofia, mas é na ficção que se dá melhor agora. Ajudou a guionar séries de televisão e está agora de volta com “Até que a vida nos separe”, na RTP, com Hugo Gonçalves.

João Tordo conta no podcast que este novo livro, “Manual de Sobrevivência de um Escritor”, tem atraído muita atenção “porque é uma saída daquilo que costumo fazer”, já que João domina a ficção e este é um livro de não ficção, “embora fale de ficção no livro”, acrescenta. Dando aulas de escrita literária há vários anos, João diz que “sabia que havia muita gente interessada em escrever, mas não sabia que havia tanta”. 

Capa do livro

Os comentários e mensagens que recebe sobre este livro têm chegado a uma velocidade superior aos dos outros livros e o escritor vê uma recompensa nesses gestos, “mas também é estranho para mim porque normalmente publico um livro e passam-se muitas semanas até que as pessoas o leiam e digiram. E este não. Numa questão de dias não parei de receber mensagens. Deixo sempre uma palavra às pessoas que escrevem.” 

Em 2018, Mário de Carvalho publicou um guia prático para a escrita de ficção: “Quem disser o contrário é porque tem razão”. João Tordo diz que devia ter prestado mais atenção ao exemplo do colega de profissão: “Se não me engano, foi dos livros de Mário de Carvalho que mais vendeu e eu não sabia que isso ia acontecer também, mas há um público muito grande interessado não só pela escrita como em tudo o que a rodeia, os bastidores.”

E é este livro de Tordo um guia prático também? “Escrevi este livro um pouco em resposta às perguntas que me fizeram ao longo dos anos: porque é que escreve, como se ganha a vida a escrever, onde é que o escritor vai buscar as ideias. (…) No livro, [as questões] estão adequadamente endereçadas.”

Quando era pequeno, passava muito tempo em casa, a escrever e desenhar, numa atitude de introspeção. Agora, e desde 1998, escrever é um trabalho. “Acho que me divirto mais com as reescritas. As reescritas são mais divertidas porque já não tenho tanto medo de que o projeto não resulte, de não chegar ao fim do livro. Escrever um romance é uma espécie de ato de equilibrismo. Uma pessoa tem os pratos todos a rodar ao mesmo tempo e tenta segurá-los.” E o que são os pratos? “São as várias linhas narrativas, as personagens, tudo o que está ali dentro e que precisa de ser levado até ao final, sem deixar cair.” 

João Tordo diz que esse ato de malabarismo é muito complicado: “Um malabarista atua durante alguns minutos. Um romancista atua durante meses – e às vezes anos a fio – num só livro.” 

Viver da escrita

João, que sempre quis fazer da escrita profissão (e tem conseguido), admite que este será um ano atípico com as livrarias a meio gás, mas mesmo assim não cessa de escrever. Em novembro de 2019 publicou o primeiro thriller, “A Noite em que o Verão Acabou”. Em maio deste ano surge o novo livro. “Convém publicar com alguma regularidade”, diz ao João sobre a periodicidade necessária para ser financeiramente possível viver das palavras, e continua, “Tenho publicado mais do que o normal para já porque não tenho grandes problemas com isso. Trabalho com cerca de dois anos de distância daquilo que estou a publicar, portanto o livro que estou a escrever é um romance para 2022. Os livros para 2021 já estão escritos, em rascunho.” Trabalhar com antecedência evita chegar a uma situação em que não tem nada para publicar.

Para o escritor de 44 anos, agradecer aos leitores nunca é em demasia. “Sei que tenho um público bastante grande, tendo em conta o público leitor em Portugal. Isso é muito bom porque há pessoas que já leram um livro e que vão comprar o próximo, há quem não tenha lido o último e espera mais um bocado…Vai havendo este intercâmbio entre leitor, escritor e os livros.” 

Sobre os livros que escreveu, entre eles “O luto de Elias Gro” (o primeiro da trilogia dos Lugares sem Nome) e “A mulher que correu atrás do vento”, João Tordo diz que há uns que encontram mais leitores que outros, naturalmente. “Mas não houve nenhum que não tivesse vendido. Acho que a grande característica de um escritor que faz disto vida, para não dizer profissão, é que a construção do seu público é muito lenta, mas também segura, no sentido que se trabalhar com inspiração, elegância e publicar apenas aquilo que acha que está mesmo em condições de ser publicado, o público continua a confiar em nós.” 

Para João, essa relação de confiança é “muito importante. Também me dou conta que compro os livros, tendencialmente, dos escritores nos quais tenho confiança. Portanto, construir uma relação de confiança com os leitores não é muito diferente de quando tens outra coisa qualquer para vender, por assim dizer, e que tem qualidade”. 

Escrever para a gaveta

Tempo para falhar também o há. “Às vezes escrevo só para mim e depois acabo por usá-las, às vezes, em livros; outras vezes ficam só no computador. Às vezes começo coisas que não acabo e tenho muitos livros inacabados. Tenho uma pasta algures dos livros por acabar, que nunca vou acabar, mas pronto”, ri, “Tenho experiências frustradas, tenho romances inteiros que escrevi que nunca vou publicar porque não são interessantes”. A título de exemplo, no podcast, João fala de um livro que não seguiu para publicação em 2009. 

É a editora que apoia na construção do livro e que serve, algumas vezes de filtro. É muito o trabalho que vai num livro antes de chegar às livrarias, e o livro faz várias viagens entre mãos. “Às vezes nem sei como é que se escrevem livros”, ri, “é tanta coisa desde o primeiro rascunho até ao momento em que vai para a gráfica. 

O autor dá um exemplo, com o próximo novo livro que terá. Vem com o título “Felicidade”. É, curiosamente, o título mais curto do autor. “Escrevi-o entre o outono de 2018 e a primavera de 2019. Estamos no verão de 2020 e só sai no outono. Entretanto já o entreguei à Clara e o livro vai estar nas mão delas durante algum tempo.” Clara Capitão é a editora de João Tordo. 

O livro vai andar num vaivém entre os dois, mesmo antes de seguir para revisão linguística. A seguir passam os olhos da produção e para os de João, para uma última vistoria. “É um processo que tem muitas camadas e às vezes aquilo que escrevemos é radicalmente diferente daquilo que é publicado. Isso é normal. Pobre do escritor que acha que tudo o que sai do seu computador é… um diamante ou que pode ser publicado assim. Todas as versões iniciais são, tendencialmente, uma pequena amostra daquilo que pode ser a versão final.”

No caso deste escritor, foi-se lhe apurando a técnica: “Com o tempo e com a maturidade, a minha tendência é cortar e não só seguir os conselhos da editora, mas também os meus próprios conselhos de olhar para o material que tenho escrito com alguma distância. E por isso escrevo com algum tempo. Como já escrevi este livro há mais de um ano, agora vou olhar para ele com outros olhos, vou poder reescrevê-lo e fazer os últimos retoques antes de ele sair no outono.” 

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O podcast trata também de falar, com este escritor que escreve como se houvesse amanhã, sobre o clássico “Moby Dick”, de Herman Melville, que na altura foi revolucionário; de um dos livros mais conhecidos de Roberto Bolaño, “Os Detectives Selvagens”; e do livro que até há três anos era dado no ensino secundário, “O ano da morte de Ricardo Reis”, de José Saramago, que faz este ano que partiu há uma década. 

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