Entrevista. Lei anti-imigração nos EUA, em 1924, está na origem do Estado de Israel, afirma o historiador Shlomo Sand

por Lusa,    7 Fevereiro, 2023
Entrevista. Lei anti-imigração nos EUA, em 1924, está na origem do Estado de Israel, afirma o historiador Shlomo Sand
Shlomo Sand / DR
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O nascimento do Estado de Israel tem origem na lei anti-imigração dos EUA de 1924, que limitou em larga escala o fluxo das populações não protestantes em direção a esse país, disse à Lusa o historiador Shlomo Sand. 

O verdadeiro nascimento do Estado de Israel situa-se em 1924. Até essa data, dois milhões de judeus da Europa de Leste chegam a terras americanas, mas em 1924 os racistas norte-americanos desencadeiam uma campanha para limitar a imigração de não protestantes. Não são apenas atingidos os judeus, também os japoneses, católicos italianos”, referiu à Lusa o historiador israelita, filho de pais polacos sobreviventes do Holocausto, que na passada quinta-feira promoveu uma conferência em Lisboa organizada pela Associação (un)common ground intitulada “Antissemitismo e a imaginação de um povo-raça”. 

O autor de diversos ensaios, onde se incluem “Como o Povo Judeu foi Inventado” (2008), “Como a Terra de Israel foi Inventada” (2012) ou “Como Deixei de ser Judeu” (2013), Shlomo Sand fazia referência ao designado “Immigration Act”, ou também “Johnson–Reed Act”, assente em pressupostos raciais e que limitou drasticamente a emigração para esse novo mundo.

E acrescento uma frase grave. Se os norte-americanos não tivessem fechado a porta, julgo que um milhão de judeus poderiam ter sido salvos da tragédia da ‘Shoah’ [palavra que em hebraico significa aniquilação]”, sublinhou, antes de assinalar que a maioria dos Estados não pretendia acolher a emigração judaica. 

Todos queriam que os judeus fossem para a Palestina, desde Estaline [líder soviético] a Truman [Presidente norte-americano]. Não queriam aceitá-los, nem a França, nem o Reino Unido, nem os Estados Unidos queriam aceitar refugiados”, precisou o historiador.

E prosseguiu: “Mas o Estado judeu foi possível devido a uma grande catástrofe. O Estado judeu foi construído por causa da ‘Shoah’, o Holocausto. Sem a ‘Shoah’ não haveria Estado judeu”.

O professor emérito da Universidade de Telavive, onde reside e onde lecionou História contemporânea, insiste que a “hipótese histórica de Israel” está ainda relacionada à chegada de muitos judeus aos Estados Unidos até 1924.

Revelaram-se um dos grupos mais dinâmicos, politicamente, economicamente, culturalmente, mas os seus ‘lobbies’ começaram a ser formados na década de 1950. No início era o dinheiro, e depois uma influência crescente sobre a política norte-americana”, destacou o historiador, que nasceu em 1946 num “campo de refugiados” na Áustria antes de a família se transferir para a Alemanha e por fim para Israel, onde efetuou o serviço militar obrigatório e combateu na Guerra dos Seis Dias (1967). Mais tarde, em 1982, doutorou-se pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. 

Eisenhower, após a Guerra do Sinai em 1956, e Carter, em 1977, são os dois Presidentes dos EUA que não foram muito influenciados pelo ‘lobby’ judeu. Apenas dois Presidentes (…). Todos os restantes Presidentes submeteram-se à influência do ‘lobby’ judeu, incluindo Trump e Biden”, afirmou. 

Uma influência determinante que, na opinião do historiador, deve ser dissociada da “solidariedade” face a um povo que foi vítima do Holocausto.

Como o facto de este ‘lobby’ judeu ter apoiado e continuar a apoiar coisas terríveis em Israel, mesmo com este ‘apartheid’ que começou há 20, 30 anos. Viver ao lado de pessoas sem qualquer direito cívico, político”, referiu.

Neste sentido, Shlomo Sand defende que o Holocausto não deverá servir de pretexto ou de desculpabilização perante as atuações do presente. 

O sofrimento do passado não pode justificar o sofrimento do presente. E nem pode justificar a colonização [nos territórios palestinianos ocupados]. Hoje, quem criticar Israel é imediatamente acusado de antissemitismo. Na realidade, isso criou um novo antissemitismo”, afirmou. 

No entanto, diz detetar sinais de esperança, “mesmo que não muito grandes”, no que designa de “círculos liberais” da sociedade judaica norte-americana. 

Há sinais entre a juventude, que começa a criticar cada vez mais a política de Israel. E não acreditam que um pequeno Estado espartano, possa continuar a viver face a esse mundo árabe. Esse pequeno Estado, com todas as armas do mundo, quantas guerras ainda? Muitos jovens norte-americanos que contactei são cada vez mais críticos face a Israel. Vai ajudar? Não sei”, concluiu.

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