Festival de Berlim começa hoje com animação de Wes Anderson (mas há mais)

por Paulo Portugal,    13 Fevereiro, 2018
Festival de Berlim começa hoje com animação de Wes Anderson (mas há mais)
PUB

A 68ª edição do Festival de Berlim arranca debaixo dos anunciados ventos de mudança no comportamento social, a luta pela igualdade de sexos e o desprezo pelo assédio sexual. E que, de resto, não deverão ser imunes aos tumultos e consequentes focos de afirmação feminina que dominaram o final do ano passado.

O cineasta alemão Tom Tykwer irá presidir ao júri internacional responsável pela seleção do próximo Urso de Ouro, onde será acompanhado pela atriz belga Cécile de France, o programador espanhol Chema Prado, a produtora americana Adele Romanski, o compositor japonês Ryuichi Sakamoto e ainda a crítica de cinema americana Stephanie Zacharek.

Esta será também uma edição marcada pelo anúncio da retirada do diretor Dieter Kosslick à frente do festival, cujo mandato termina em  maio do próximo ano. Ele que iniciou o seu percurso à frente da Berlinale em 2001, portanto durante boa parte deste século XXI. Essa motivação acaba por refletir o desejo de diversos cineastas alemães que sugeriram a mudança por uma comissão de transição que reflita esse “balanço entre sexos”, bem como uma maior aproximação aos concorrentes certames de Veneza e Cannes.

Wilem Dafoe será um dos homenageados da Berlinale e receberá um prémio de carreira. Recorde-se que o ator americano está igualmente nomeado para o Óscar de Melhor Ator Secundário pelo seu trabalho em The Florida Project, um filme de Sean Baker com estreia nacional marcada para esta semana.

A confirmação dos habitués

Polémicas à parte, a operação competitiva inicia-se com a animação Isle of Dogs, de Wes Anderson (não confundir com o filme A Ilha dos Cães, de Jorge António), naquela que é uma estreia com um filme de animação, embora seja a segunda vez que o realizador americano abre Berlim. E, se quisermos prolongar a numerologia, será a quarta em que mostra um filme seu e a segunda que recorre à animação ‘stop motion’ (depois de O Fantástico Senhor Raposo, em 2009).

Anderson propõe-nos então uma fábula sobre um jovem que procura o seu cão desaparecido e enviado para a ‘ilha dos cães’, um pedaço de terra isolado e usado como depósito de lixo, onde são enviados por decreto do ‘mayor’ Kobayashi os cachorros considerados responsáveis por uma febre canina que assola a cidade de Megasaki.

Dos 19 filmes a concorrer para o Urso de Ouro, há que assinalar a presença do americano Gus Van Sant, com Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot, um filme da Amazon Studios, com Joaquin Phoenix a assumir mais um papel biográfico, no caso do cartoonista John Callahan, após sofrer um desastre de viação que o deixa quadriplégico no decurso de uma noite de copos. Rodeado de limitações, terá de usar todo o seu sentido de humor e observação para se reinventar num mundo bem diferente. De registar que Van Sant dará ainda uma master class sobre o seu cinema intitulada A Place Like Home, integrada no evento Berlinale Talent.

Da pouco relevante embaixada de talentos vindos de Hollywood, haverá que contar com a presença de Robert Pattinson e Mia Wasikowska, a representar Damsel, o western de David e Nathan Zellner com estreia mundial o mês passado em Sundance. Steven Soderbergh atrairá igualmente as atenções, com Unsane, o tal filme rodado com um iPhone, embora exibido fora de competição,

O brasileiro José Padilha (vencedor do Urso de Ouro com Tropa de Elite) desembarcará em Berlim, agora fora de competição e depois da brava série Narcos, com 7 Days in Entebbe, o filme que descreve o famoso sequestro de um avião no Uganda, por piratas do ar, e a consequente operação de resgate levada a cabo forças especiais israelitas. O cast é defendido pelo alemão Daniel Bruhl e a britânica Rosamund Pike.

Benoit Jacquot é igualmente um habitué da Berlinale, confirmando desta feita a sua terceira participação na competição com Eva, e o encontro entre Isabelle Huppert e Gaspard Ulliel numa cabana durante uma tempestade. Também em francês, o compatriota Cédric Kahn sugere-nos Le Prière, um filme sobre um toxicodependente que usa a oração como forma de cura para a sua doença.

A esperança reside ainda no cinema do alemão Christian Petzold, também presença regular em Berlim, onde reside, com Transit, sobre um ex-nazi que assume uma diferente personalidade em França, no que parece até um complemento do genial Phoenix, de 2014. Por fim, mas não em último, a demanda do norueguês Erik Poppe sobre o dia fatídico e o pesadelo em Utoya (o título é precisamente esse, Utoya 22.Juli), quando morreram diversos jovens no ataque de ódio de Anders Breivik.

Temos ainda de mencionar a presença de Lav Diaz, talvez um dos grandes autores de Berlin. Porque míticos têm sido os seus filmes, também pelo seu tempo de duração, como o anterior The Woman Who Left, com as suas 8 horas de duração, que assistimos religiosamente há dois anos atrás. Regressa agora com a sua mítica ópera rock de 4 horas, Season of the Devil, que nos deverá remeter de novo na história das Filipinas.

Há ainda o regresso do russo Alexey German, com Dovlatov, sobre o escritor russo Sergei Dovlatov, e da polaca Malgorzata Szumowska, em Twarz, sobre a mudança de rosto que provoca problemas de identidade a um homem. É Romy Schneider que volta também, embora como a personagem encarnada por Marie Baumer ao encenar a sua derradeira entrevista numa clínica de reabilitação, em 3 Days in Quiberon.

E as surpresas dos novatos

E se estiverem aqui as surpresas da Berlinale? Por exemplo, em Las Herderas do estreante paraguaio Marcelo Martinessi e o cinema focado na realidade do seu país. Ele que já lhe ganhou o prémio de melhor curta em Veneza, com La Voz Perdida. Sugere agora um filme no feminino, apoiado na descoberta de uma mulher de 60 anos que se apercebe que o dinheiro de uma herança com que ia vivendo já desapareceu. Só que esta ‘herança’ acaba por englobar muito mais do que bem materiais, mas antes a realidade de muitas mulheres paraguaias e com uma influência assumida de Fassbinder e Todd Haynes. O outro é o romeno Touch Me Not, da jovem igualmente estreante Adina Pintilie debruçado sobre a exploração da intimidade, focado na vivência de três pessoas com problemas de intimidade.

Incluímos também aqui o nome do mexicano Alonso Ruizpalacios, também ele igualmente ligado a Berlim, pois foi aqui que se estreou com o fantástico Gueros, vindo a ganhar o prémio de melhor primeiro filme, em 2015. Regressa agora para afirmar a sua segunda longa, Museo, com Gael García Bernal, sobre o extraordinário roubo de mais de uma centena de artefactos históricos que um grupo de assaltantes realizou em 1985. E acreditamos também na italiana Laura Bispuri, e no seu segundo filme, Figlia Mia, sobre uma jovem dividida entre a mãe que a criou e a mãe biológica que a quer de volta, motivando um confronto entre Valeria Golino e Alba Rohrwacher.

Esperemos apenas que chegados a dia 24 tenhamos motivos para acreditar nas verdadeiras surpresas escondidas em filmes (e cineastas) que arrancam aqui uma auspiciosa carreira. Assim ficará dignificado o nome da Berlinale.

Artigo escrito por Paulo Portugal em parceria com insider.pt

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados