Francisco Geraldes: “O que escrevia era consequência natural do que vivia, como se fosse um braço”

por Magda Cruz,    29 Junho, 2023
Francisco Geraldes: “O que escrevia era consequência natural do que vivia, como se fosse um braço”
Francisco Geraldes segura a pilha de livros que sugere no podcast “Ponto Final, Parágrafo”
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“Ponto Final, Parágrafo” é um podcast sobre literatura, conduzido por Magda Cruz, na ESCS FM em parceria com a Comunidade Cultura e Arte. Já conta com mais de 60 entrevistas a quem escreve e a quem lê. Pode ser ouvido em todas as plataformas de áudio.

Não pensava em escrever um livro, mas as notas no caderno quiseram tornar-se num. Quatro anos depois da primeira entrevista ao podcast “Ponto Final, Parágrafo”, Francisco Geraldes assume de novo a posição de convidado, mas desta vez na qualidade de quem escreve. Agora com 28 anos, olha sobre o ombro, em jeito de retrospetiva, atualiza-nos sobre as leituras que tem feito e apresenta-nos o seu livro, “Cito, longe, tarde”, publicado pela Cultura Editora e com prefácio de Pilar del Río.

Com este livro, Francisco Geraldes quer mostrar uma faceta mais humana dos jogadores e espera que as pessoas percam a ideia de que um jogador é uma “caixa-forte a que ninguém pode ter acesso”. Neste episódio, há ainda tempo para sugestões de livros como “Os passos em volta”, de Herberto Helder, ou “Levantado do chão”, de José Saramago.

Magda Cruz: Achas que és uma pessoa muito diferente daquela que se sentou há quatro anos nesse mesmo lugar?
Francisco Geraldes: Por onde é que começo? Onde é que já andei, o que é que já pensei, o que é que já mudei… Fazendo uma retrospetiva sobre o que falamos aqui, [no episódio 18 do podcast] revejo-me em muito poucas coisas. É um bocado a noção de que “se eu nem sou a mesma pessoa que era ontem…”, quanto mais há quatro anos. (…) Hoje, derivado de uma maior participação minha naquilo que são leituras mais políticas, acho que há um certo otimismo — ainda que não seja muito exacerbado. Desapareceu aquela visão tão negra e drástica que tinha da vida. Aquela fatalidade…

MC: Uma das grandes revelações que fizeste no episódio de 2019 foi que sublinhavas os livros a caneta. Quatro anos chegaram para ganhares juízo?

FG: (risos) Não… Como podes ver, este livro está todo sublinhado. Até a cor de rosa fluorescente. Como é que poderia chegar aqui sem notas? É que assim fica mais na cabeça. 

MC: Não sei se já usaste o ChatGPT. Ontem perguntei-lhe se gostou do teu livro. Ele diz que, enquanto Inteligência Artificial, não sabe apreciar, mas que os leitores têm dito bem do estilo de escrita, simplicidade e sinceridade de Francisco Geraldes. E cito: «O livro “Cito, Longe, Tarde” tem sido reconhecido como uma notável contribuição para a poesia portuguesa contemporânea». E recomenda o livro a toda a gente.

FG: Epá…Obrigado, Chat, pelas bonitas, mas exageradas palavras. 

MC: Não concordas que é um livro simples, bem escrito, sincero?

FG: Sincero, sem dúvida. Aliás, nem era suposto ser um livro. Agora, se está bem escrito…

MC: Como é que não era suposto ser um livro?

FG: Era um conjunto de coisas que tinha escrito no meu caderno. Lembrei-me um dia: “Porque não juntar isto tudo?”

MC: Mas já tinham forma de poema?

FG: Sim, eram poemas. Mas nunca pensados para sair daí um livro. Nunca foi um exercício proposto por mim, no sentido de “vou me sentar e escrever um poema”. O que escrevia era uma consequência natural daquilo que vivia. Por isso, é como se fosse um braço, coisas que fui vivendo.

MC: Qual é o período dos apontamentos? 

FG: Dois anos. É uma maneira de salvar, digamos. É assim que encaro aquilo. E não como um exercício em que há uma proposta de mim para mim de “quero publicar alguma coisa, quero fazer uma coisa diferente”. Nada disso.

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MC: E quando é que aparece a decisão de “Isto tem potencial de ser publicado”? Ou não foi essa a questão?

FG: Não… nunca tive interesse no número de exemplares vendidos. Sempre que me perguntaram, disse que não faço ideia. Não estou minimamente interessado. Queria apenas… Achei que fazia sentido na medida em que traz um lado mais humano naquilo que é a visão que se tem do jogador. Que o jogador é uma caixa-forte a que ninguém pode ter acesso. Se quiserem ou tentarem entrevistar jogadores, não conseguem. Principalmente das equipas grandes. 

MC: É muito profissional, nesse sentido. 

FG: E um jogador tem de dizer isto, não pode dizer aquilo, não pode expressar sentimentos. Tudo é visto como uma forma de inflamar a nossa sociabilidade…

MC: E para todas as ações que têm há repercussões grandes.

FG: Tudo ou tem significado real ou tem significado para o imaginário de vender e para cliques.

MC: Mas há jogadores ou jogadoras que são exceções? 

FG: Não sei… Naquilo que são os clubes grandes, é difícil. Não dão abertura para isso. Até contratualmente não se pode falar para o público sem autorização do clube. Tirando as suas redes sociais. Aí, cada um faz o que quer. Nesse sentido, o livro traz um aspeto mais… uma aproximação, talvez. Quem se identificar com algumas das coisas que aqui estão escritas percebe que “esta pessoa sente coisas parecidas com as minhas”, se calhar. (…) Nem sequer gosto de saber se o livro está bom, se está mau, se as pessoas vão gostar… Desde que consiga perceber que as pessoas se identificaram, que consegui passar uma imagem de tristeza, solidão, alegria. Tem um bocadinho de tudo. 

MC: E como foi num período de dois anos, apanha na rede muitos sentimentos e temas — amor, interação com outras pessoas, a natureza. Conseguiste captar várias vertentes da vida.

FG: Sim, porque como o espaço temporal foi tão grande, deu para fazer algo com várias vertentes e com “Franciscos” diferentes. 

MC: O livro tem um prefácio fortíssimo. Como é que chegas a Pilar del Río, que escreveu o prefácio do teu livro?

FG: Foi um ato milagroso. Depois daquele episódio do livro, de ler… A neta de Saramago foi uma pessoa que me contactou através da Fundação [José Saramago]. Enviou-me imensos livros de Saramago. Promoveram essa peripécia, digamos. E, a partir daí, estabeleci uma relação de amizade com ela. Quando escrevi o livro, achei que fazia imenso sentido que a Pilar prefaciasse porque, obviamente, era mulher de quem era e é uma pessoa com quem me identifico bastante. Não estava à espera, sequer, do empenho dela fosse tamanho. (…) Quando me mandou o resultado, fiquei encantado porque, de facto, está aqui uma pessoa que se preocupou em ler bastante o que está aqui e nota-se o cuidado nas palavras.

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