“Há mundo por vir?”, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro: o inacabado fim do mundo

por José Moreira,    6 Abril, 2023
“Há mundo por vir?”, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro: o inacabado fim do mundo
Capa de “Há mundo por vir?”, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro

A editora Antígona demonstra que se mantém firme na sua linha editorial de contracultura. A aposta recai, desta vez, sobre um ensaio relativo às diferentes percepções e origens dos conceitos de fim do mundo, é escrito em co-autoria por Déborah Danowski (Filósofa e docente na PUC do Rio de Janeiro) e Eduardo Viveiros de Castro (Professor de Etnologia no Museu Nacional da UFRJ).

Partindo da tentativa de produzir um “pensamento e uma mitologia adequados ao nosso tempo” – uma reflexão cosmopolítica em diálogo com o pensamento ameríndio”, em “Há mundo por vir? – Ensaio sobre os Medos e os Fins” os autores desconstroem uma série de vertentes do discurso apocalíptico. Nessa tentativa de produzir um pensamento moderno com influência ameríndia, recuperam conceitos políticos da civilização Maia, como a oposição estado-mercado. Este livro deixa em evidência que a maioria das correntes de pensamento actuais estão enraizadas no antropocentrismo.

Os discursos do “fim do mundo” surgem, por exemplo, do âmbito político, mitológico, etnográfico, antropológico, teológico, socioeconómico, filosófico ou científico. Muitas destas vertentes, isoladas ou em conjunto, originam as narrativas apocalípticas contemporâneas, umas verdadeiramente actuais na sua leitura e outras como simples reutilização de retórica/teórica pré-existente (por vezes milenar). 

Trata-se de um ensaio onde se exploram correntes alternativas aos discursos vigentes, e quais as suas possíveis interacções com a actividade política, neste sentido há um particular foco nas críticas ao sistema capitalista e às soluções ambientais por si apresentadas, mas também se desmontam, por exemplo, discursos ideológicos de uma esquerda que reclama possuir as soluções definitivas para a crise climática.

Portanto, boa parte dos argumentos críticos debruçam-se sobre teorias mais ou menos radicais de aceleracionismo, quer apontando à direita, quer à esquerda do espectro político. Ou seja, sobre teorias que acreditam no colapso total do sistema vigente enquanto forma de redenção civilizacional, supostamente em direcção a um futuro melhor.

“O aceleracionismo é uma das encarnações contemporâneas da filosofia marxista (lato sensu) da história. Ele foi ganhando impulso com as crises de 1968, 1989, 2001, 2008 e outras datas emblemáticas dos sucessivos “fins do passado” que balizam o discurso da Esquerda com sinais, ominosos ou alvissareiros, do “começo do futuro”. Tal filiação o caracterizaqria, em princípio, como uma posição anticapitalista, mas o prefixo mais adequado para ele parece ser mesmo o “pós”, considerando a sua visão resolutamente teleológica e unilinear da história humana (Noys 2012) e, acrescentemos, da sua hostilidade virulenta para com a versão do fim-do-passado associada à convulsão utópica de 68.” 

“Há mundo por vir? – Ensaio sobre os Medos e os Fins”, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro

Como seria de esperar, fruto das suas actividades profissionais e da própria natureza da obra, os autores recorrem a um vasto leque de referências bibliográficas, tais como Gilles Deleuze, Franco Berardi, Alain Badiou ou Michel Foucault, entre outros. Também cruzam conceitos e exemplos do ensaio com referências cinematográficas, tais como “Melancolia” de Lars Von Trier ou “4:44 Último Dia na Terra” de Abel Ferrara (o que me faz lembrar um pouco o pensamento/método analítico de Slavoj Žižek).

“Melancolia mostra o choque da Terra com o Fora absoluto, materializado num gigantesco planeta azul que inesperadamente cruza nossa rota, vindo das profundezas do cosmos. O filme encena o contraste entre o mundo humano, com os seus melodramas e contradições intermináveis (a família, a empresa, a festa de casamento, a magnífica casa de campo da alta burguesia, a surda luta de classes), e o cosmos-sem-nós, o balé austero das esferas que evolui sublime nos grandes planos do sistema solar e além.”

“Há mundo por vir? – Ensaio sobre os Medos e os Fins”, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro

Considero este ensaio como sendo uma leitura relativamente acessível, mesmo para quem não tenha experiência ou à vontade com textos com mais teor académico. No entanto, alerto que os conceitos, por vezes, possam ficar um pouco densos ou complexos nas suas explorações teóricas. Constato também que uma das características mais interessantes deste ensaio é: ser passível de ser revisto periodicamente, e actualizado com as mais recentes iterações dos discursos e teorias do fim do mundo. Ou seja, apesar de falar de fins, é um ensaio “condenado” eternamente ao estatuto de inacabado, e ainda bem.

PUB

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados