Impressões da Competição Internacional do IndieLisboa ’17
Filmes dos quatro cantos do mundo que vieram visitar Lisboa. Todos os continentes representados. Na secção de longas-metragens da Competição Internacional, faltou um representante da Oceania, mas o sudeste asiático fez-lhe as vezes. Os filmes são a primeira, a segunda, ou a terceira obra de quem os realizou. Em comum, trazem qualidade, ambição, e frescura – estreias absolutas em Portugal, produzidas no decorrer do último ano. Competem saudavelmente, numa mostra de cinema que também transpira diversidade.
A longa-metragem vencedora da Competição Internacional do IndieLisboa 2017 foi Viejo Calavera, de Kiro Russo. O filme – co-produção da Bolívia e do Qatar, relata o duro trabalho nas minas de Huanuni. O júri distinguiu-o de entre um conjunto de doze. A Comunidade Cultura e Arte teve oportunidade de ver quatro deles. Os apontamentos que se seguem constituem breves impressões de quem os absorveu.
Pamilya Ordinaryo
Ficção ritmada e de elevada qualidade. A câmara, irrequieta, acompanha o quotidiano de um casal sem-abrigo, nas ruas de uma cidade filipina. O filme, com argumento e realização de Eduardo Roy Jr, é pautado por um desespero crescente que contagia o espectador. Há momentos verdadeiramente arrepiantes, de um certo terror psicológico, diante de personagens sinistras que se constituem antagonistas da narrativa. O filme não perde força ao longo das suas duas horas. Tem um trabalho de actores muito competente e convincente, e incorpora elementos de crítica social de uma forma fluída. Percebemos claramente que estamos a ver uma ficção – mas a realidade é que há vidas parecidas. Inquietante do princípio ao fim, deixa-nos absortos numa história simples e angustiante.
Boli Bana
O único filme de não ficção a que assistimos nesta secção. Boli Bana é uma reportagem de proximidade, que se aproxima da respiração dos pré-adolescentes de uma tribo do Burquina Faso, na África Ocidental. Filmado de uma forma simultaneamente discreta e invasiva, somos expostos a momentos de tranquilidade, serenidade, desafio e de dor. Não é uma vida fácil, e aos nossos olhos é questionável – mas é a vida que é, e ignorá-la não é um bom primeiro passo. O documentário não tenta explicar o porquê daquilo a que vamos assistindo, mas acaba por se auto-justificar, por meio do som e da imagem. Um bom filme de Simon Coulibaly Gillard, de olhar poético, sobre uma vida que está longe de ser a nossa. Mas estaremos assim tão distantes? Todos cantamos, à volta da fogueira ou no banho. E já todos temos telemóveis.
Ciao Ciao
A produção chinesa, deste ano, é um filme electrizante. Focado na história ficcionada de uma rapariga que regressa à sua vila natal, depois de uma temporada em que vive em Cantão. Há um descolamento entre duas culturas, e uma vida que se encontra entre dois universos – nenhum deles perfeito. O futuro de Ciao Ciao está nas suas próprias mãos. O leque de personagens é diversificado, e em menos de uma hora e meia Song Chuan cria uma teia divertida e emotiva de relações humanas. A motivação última – ou o meio de a alcançar – é o sexo, que marca a narrativa de uma forma absolutamente central. Mais do que um complemento, também a música electrónica futurista acaba por marcar o filme, trazendo à paisagem rural chinesa a paisagem sonora urbana. É um importante pormenor que nos ajuda a compreender a profundidade emocional da história. Uma distopia quotidiana e contemporânea – e o surreal não está fora da equação da vida.
El Auge Del Humano
A experiência mais radical e ambiciosa de entre aquelas a que assistimos na Competição Internacional de longas-metragens. El Auge Del Humano é constituído por uma narrativa fracturada, recortes que se compõem segundo uma ordem pouco óbvia. O granulado da imagem e a realização de Eduardo Williams são de uma grande beleza; ele que se estreia nesta obra. Em algumas passagens, parece que nos faltava mais tempo para criarmos ligação com cada um dos mundos. O filme vai acelerando progressivamente, e percebemos que o auge do ser humano não é, talvez, o que desejaríamos. Uma reflexão pós-moderna que importa e impressiona, sem ser difícil de assistir.
Fotografia inicial de Joana Linda / IndieLisboa