O Novo Amor que arrebatou a cidade do Porto
A cidade do Porto recebeu, pela primeira vez na sua invicta história, Ali John Meredith-Lacey, mais conhecido como Novo Amor. Depois deste ter passado, na véspera, pela lisboeta Aula Magna, no começo da sua primeira tournée pós-Covid 19, foram horas de trazer o seu repertório, complementado com o seu mais recente álbum, “Cannot Be, Whatsoever”, ao norte do país. E assim foi, numa das milhentas chuvas de abril, no seu dia 22, que se abriu uma nesga de luz no industrial Hard Club, que acolheu uma boa casa. Ocupamos a linha da frente, na expectativa de um concerto intimista e doce, embora estando de pé, ao contrário do sucedido na Aula Magna.
Antes de Novo Amor e da sua comitiva se instalarem, pelo meio das folhas das trepadeiras que coloriam e que revestiam o equipamento, houve tempo para um arranque com Calmness, o projeto musical de Gui Galão, que veio, como o próprio nome indica, dar calma ao público que foi preenchendo o recinto principal do Hard Club. Consigo, trouxe algumas das faixas que, conforme o próprio, lhe vêm dando terços de cêntimos através do Spotify: “Pretend” e “Angel” foram dois desses momentos, que fazem parte do seu disco “Don’t Ask Me If I’m Okay”, cuja faixa homónima ajudou a encerrar a quase meia hora de música inaugural. Para o ajudar, trouxe Lucas Souza ou, artisticamente, Antematterz, com quem compôs e cantou “Back to You” e com quem interpretou uma cover de Phoebe Bridgers, a faixa “Smoke Signals”. No fundo, com o par a ter alguns laivos de Simon and Garfunkel ao vivo, mas também de outros artistas mais voltados para o indie folk, como a mencionada Phoebe Bridgers, Sufjan Stevens, Frankie Cosmos ou infinite bisous. Uma excelente impressão que não antecipou, de todo, o que se seguiria.
Isto porque Novo Amor, ao lado do seu habitual colaborador Ed Tullett, letrista e guitarrista, entre uma banda bem apetrechada, entre bateria, cordas e sopro (nomeadamente o trompete), quis enlevar o Hard Club. E assim o fez, contrariando a expectativa de um concerto morno, nostálgico e reflexivo. Enquanto que, na Aula Magna, como mencionado, os espectadores contemplaram a arte a cumprir-se no conforto dos seus assentos, no Porto, concentraram-se de pé, num calor humano que irradiou com a explosão musical que Novo Amor provocou. Uma viagem que fez de músicas habitualmente repletas de quietude verdadeiros clamares. Foi com alguma surpresa que se pôde sair de um discurso monótono para um autêntico e retumbante espetáculo, onde a dança não foi incomum e que não se fixou pelo típico ondular de cabeças. Talvez se interprete como uma espécie de catarse e de elevação, que não se quis sujeitar à toada introspetiva que a sua música, por si só, já traz, e elevar as nuvens que carregam a chuva para longe, deixando a luz expandir-se
Espetáculo esse que viajou pelas faixas mais conhecidas de Novo Amor — que é muito mais do que Meredith-Lacey, mas antes todos os demais intervenientes —, desde “Anchor”, “State Lines”, “Birthplace”, “Carry You” ou “Repeat Until Death”. Porém, por mais comovente que tenham sido estas interpretações, aquelas que encheram o Hard Club de energia e de vigor foram, precisamente, as do seu novo disco. “Opaline”, “Halloween”, “If We’re Being Honest”, “Guestbook”, “Decimal” e, de acordo com o próprio, a sua música menos ouvida nos habituais meios de streaming, “Birdcage” incutiram um ritmo bastante empolgante. Também aqui se deixa denotar a franca capacidade de adaptação deste grupo de músicos, que potenciou a bateria e as cordas para fazer estremecer, com o recurso às luzes, o recinto portuense.
Meredith-Lacey não deixaria de saudar o público da cidade invicta, salientando ser a sua primeira vez pelo Porto. Muito grande foi o carinho que o público partilhou com o artista, carinho esse que já havia nutrido pelos participantes do concerto de abertura. Por entre zumbidos de conversas paralelas que iam destoando o foco de quem assistia, foi um carinho que permitiu que Meredith-Lacey também respondesse a perguntas do público — especialmente a origem do seu nome artístico, Novo Amor, logo ele em português. Deixou antever, assim, que se baseou no latim e que se tratava do amor da sua vida, embora mantendo o secretismo em torno dessa toponímia. No habitual encore, também perguntou ao público o que achava desses mesmos encores, se concordava ou não com estes, para além de questioná-lo sobre a sua preferência entre concertos sentados, em pé ou até deitados (por sugestão de Tullett). Tullett, que daria voz a “Terraform”, a canção que fechou este espetáculo, para além de ter apoiado, em duo, o vocalista com “Alps”, ambos temas que remontam a “Heiress”, disco de ambos do ano de 2017.
O Novo Amor que arrebatou o Porto trouxe as velhas premissas de uma relação conjugal: o carinho, a atenção, a amizade, o aconchego. Porém, também trouxe a voracidade da paixão, a vontade de pôr cá para fora a espontaneidade explosiva e vigorosa que pulula cá dentro. Foi assim que este Novo Amor — muito mais do que Meredith-Lacey, mas também todos os demais membros em diálogo — se quis apresentar e que, surpreendentemente, mostrou mais do que o esperado. Mostrou as garras que tanto seduzem e que tanto cativam as almas que, por mais que encontrem o contentamento, desejam, no fundo, a felicidade. Ser arrebatado desta forma é um privilégio e uma bênção para quem o é e este Novo Amor fê-lo assim, sem negar o vínculo emocional que nos uniu e conquistando a invencibilidade do Porto conforme intuiu.
As fotografias usadas neste artigo foram tiradas na Aula Magna em Lisboa.