Os melhores jogos de 2020

por João Diogo Nunes,    3 Janeiro, 2021
Os melhores jogos de 2020
Umurangi Generation
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O temível ano de 2020 terminou e uma das boas coisas que se podem tirar dele são as listas de melhor cultura que já andam por aí. Para os videojogos, foi um bom ano, com lançamentos originais em vários géneros a consagrar uma indústria cada vez mais prolífera e diversa. Foram menos os jogos triple A a impressionar, mas as produções independentes, mais afinadas do que nunca, brilharam alto.

Dépanneur Nocturne

Como a lista exclui obras não originais deste ano, mas também essas merecem reconhecimento, liste-se já, alfabeticamente, os extras que ficaram de fora por serem remakes, remasterizações, relançamentos, lançamentos ocidentais ou lançamentos episódicos incompletos:

  • 13 Sentinels: Aegis Rim (lançado em 2019 no Japão): Um sólido jogo de estratégia em tempo real e um side-scroller de aventura, o título da Vanillaware prima pela junção de duas dinâmicas diferentes e pelo seu mundo incrustado de detalhe narrativo.
  • Boreal Tenebrae Act I: “I Stand Before You, A Form Undone” (episódico): Um singular jogo de aventura ao estilo retro e com elementos de terror que mistura Yume Nikki com Cronenberg. Agora é esperar pelos próximos episódios para desvendar mais da sua comunidade caída no surrealismo urbano.
  • Demon’s Souls Remake (remake): Para que se possa abraçar a morte também na nova PlayStation 5, o primeiro Souls da From Software é repescado de 2009 e tratado exemplarmente noutro remake de qualidade da Bluepoint Games.
  • Final Fantasy VII Remake (remake): O clássico que marcou uma geração, para muitos o melhor da numerosa série da Square Enix, revitalizado numa recriação fiel e impressionante para que os novos jogadores possam também experienciar a história que fez correr lágrimas em 1997.
  • Persona 5 Royal (relançamento de Persona 5 e lançado em 2019 no Japão): Persona nunca deixa de impressionar com os seus mundos ricos e estilizados. Esta versão do número cinco oferece mais personagens, áreas e mecânicas e ainda expande algumas batalhas, entre outras adições. Quem ainda não jogou a última entrega e procura investir centenas de horas num RPG de luxo tem aqui a oportunidade de ouro.
  • Samsara Room (remake): O predecessor da série de jogos Rusty Lake e o primeiro jogo do estúdio homónimo é recriado com mais puzzles e uma ligação direta ao sucessor. Em sânscrito, a palavra Saṃsāra descreve o ciclo de renascimentos através dos mundos, vindo daí a reencarnação que existe em cada parte do jogo. Viajar até aos quartos que têm tudo menos uma porta é gratuito e recomendado a fãs do género.
  • Tony Hawk’s Pro Skater 1 + 2 (remasterização): O interesse pelo skateboarding de rua explodiu durante a última viragem de século. Tony Hawk’s Pro Skater foi um sucesso de vendas e uma peça essencial nesse processo. Quando os próprios skaters eram abordados, o tema de conversa era o jogo. Mais do que evocar nostalgia, esta competente recuperação dos dois jogos pivotais da série coloca-nos diretamente na antiga experiência.
  • Yakuza 5 Remastered (remasterização e lançado em 2019 no Japão): Cinco locais e cinco protagonistas. Atualizado na resolução, cadência de fotogramas e até na tradução, letras do caraoque e conteúdo japonês outrora ajustado na versão ocidental, esta é a derradeira forma de jogar “como um dragão”. Também incluído na The Yakuza Remastered Collection com Yakuza 3 e Yakuza 4.
Demon’s Souls Remake

Agora sim, vamos ao melhor de 2020. Começando pelas menções honrosas e depois mergulhando nos candidatos, divididos em três categorias. (A lista não inclui jogos mobile nem de navegador e a ordem dentro das categorias é sempre alfabética).

Bons jogos que devem ser reconhecidos, ainda que sem o mérito suficiente para serem relevantes fora do género ou sem aquele toque de verdadeiros candidatos ao topo. Pode muito bem estar aqui aquela gema que falta jogar. São as menções honrosas:

  • Alba: A Wildlife Adventure
  • Astro’s Playroom
  • Dépanneur Nocturne
  • Desperados III
  • Football Manager 2021
  • Going Under
  • I Am Dead
  • Inertial Drift
  • Inmost
  • Lair of the Clockwork God
  • Monster Train
  • Post Void
  • Risk of Rain 2
  • Streets of Rage 4
  • Super Mega Baseball 3
  • The Pedestrian
  • Valorant
  • Water Womb World
  • Wingspan
Post Void

Agora, a primeira vaga. Os subúrbios dos grandes jogos do ano:

  • Art of Rally: Rali minimalista, colorido e divertido. E basta para ser uma referência do género.
  • Assassin’s Creed Valhalla: Mais um. Mas parece que os novos ingredientes RPG cozeram especialmente bem desta vez.
  • Coffee Talk: Servir café, ouvir lo-fi beats e conversar com criaturas fantásticas com problemas bem reais. Jogado à lareira, de preferência.
  • Crash Bandicoot 4: It’s About Time: Crash está de regresso com ótimas animações e uma fórmula modernizada que não foge ao espírito original.
  • Cyberpunk 2077: Cuidado para que o desastre técnico não distraia das personagens fortes, do design de níveis robusto e da variedade no jogo mais falado do ano.
  • Deep Rock Galactic: Um divertido jogo cooperativo que nos põe em minas espaciais totalmente destrutíveis com os típicos anões da fantasia.
  • F1 2020: As corridas de Fórmula Um estão em boas mãos nesta profunda simulação do desporto.
  • Genshin Impact: O jogo chinês banha-nos em exploração, combate e visuais incríveis a custo zero. Um dos jogos gratuitos do ano.
  • Helltaker: Atravessar o inferno em busca de amor é ideal quando se tem uma banda sonora como esta. Curto, mas o preço não engana.
  • If Found…: A crise existencial e a ansiedade do início da vida adulta exploradas com uma borracha na mão ao apagar memórias de um diário.
  • Legends of Runeterra: League of Legends chegou bem ao mundo dos jogos de cartas colecionáveis. Também livre de custo.
  • Marvel’s Spider-Man: Miles Morales: Com um novo protagonista, esta continuação mais curta usa a fórmula para hospedar uma boa história assente nos detalhes.
  • Necrobarista: Os mortos têm uma última oportunidade de conviver com os vivos antes de partir. O resultado? Mais um interessante jogo num café.
  • Nioh 2: Uma sequela digna com combate afinado e sistemas profundos. A derradeira alternativa à série Souls.
  • Signs of the Sojourner: Um refrescante jogo sobre linguagem e comunicação, onde a conversa é feita através de cartas.
  • The Longing: Uma arrojada aventura que subverte a forma como pensamos em jogar. Faz das suas cavernas vazias um espelho para que o foco esteja em nós.
  • The Procession to Calvary: Alguém pegou em arte e música renascentista de domínio público e fez um point-and-click de comédia. Deu certo.
  • Wasteland 3: O pai de Fallout regressou. Preparem-se para arcar com as consequências das vossas decisões neste RPG isométrico à moda antiga.
  • Wide Ocean Big Jacket: A história de um acampamento. Um jogo encantadoramente simples e quente que nos dá a oportunidade de respirar.
  • Yakuza: Like a Dragon: Com um novo sistema de combate por turnos, o novo Yakuza adquire uma nova personalidade sem deixar a típica ação excêntrica de lado.
The Longing

Chegamos à cidade, e estas propostas são muito boas, só que como a renda está cara no centro e só dez a podem pagar, tiveram de assentar aqui.

  • Creaks: Dos criadores de Samorost, Chuchel e Machinarium chega-nos esta aventura com puzzles bem desenhados, narrativa imersiva e, acima de tudo, um audiovisual muito cativante, com arte feita à mão e banda sonora de Hidden Orchestra.
  • Doom Eternal: É Doom. Não é preciso dizer muito mais deste brutal e impiedoso FPS. Tarantino elevado a dez com metal, sangue, tripas e um design preciso, preparado para as mais alucinantes coreografias de obliteração de hordas demoníacas que nos fazem descobrir reflexos que nem sabíamos que tínhamos. Não vai ser pela narrativa que vamos jogá-lo, mas quem aqui estiver pelas outras razões vai sair satisfeito.
  • Ghost of Tsushima: Embora não fuja muito ao clichê e seja algo repetitivo, o jogo da Sucker Punch assegura que cavalgar pelo Japão durante as invasões mongóis é sempre um mimo devido ao seu sublime sentido de estética e valor cinematográfico. Como se já não fosse fiel ao espírito temático o suficiente, é possível usar o áudio japonês e ativar o modo Kurosawa, que aplica um filtro a preto e branco estilizado para aproximar a experiência dos filmes clássicos de samurais do mestre japonês.
  • Microsoft Flight Simulator: Catorze anos depois, a Microsoft brinda-nos novamente com o seu simulador de aviação. É o planeta Terra em escala 1:1 com virtualmente todos os aeroportos do mundo (cerca de 37 000). O comum mortal que não quiser a experiência de pilotar uma máquina com tantas opções poderá ativar as ajudas que tornam o jogo, ainda assim, numa fantástica viagem pelos céus. Já quanto aos entusiastas da aviação, é razão para dizer que estarão nas nuvens.
  • Spelunky 2: A sequela do clássico indie de Derek Yu, agora com mais diversidade e profundidade ainda. Trata-se de um roguelike desafiante com mapas gerados de forma processual que cria uma rotina aditiva de experimentação por cada surpresa que nos atira à cara. Não reinventa a roda, mas atualiza todo o charme do original.
  • The Last of Us Part II: Divisivo entre o público por, na sua condição de sequela popular de um dos jogos do século, tentar remexer em dois dos maiores conflitos teóricos da indústria: a agência do jogador e a dissonância ludonarrativa. Não o faz perfeitamente, perdendo subtileza com momentos mais artificiais, porém, louvavelmente, não tem medo de arriscar na afinação da fórmula que une interatividade com narrativa. Esta segunda parte é tão controversa como é relevante — é impossível ficar-lhe indiferente.
  • There Is No Game: Wrong Dimension: Não há nenhum jogo. É isso. Não tem mesmo. Não há mais nada a dizer desta experiência que até poderia ser um jogo de aventura estupendo, muito original e inteligente. Isto se existisse, claro…
  • Troubleshooter: Abandoned Children: XCOM cruza com Persona neste RPG de estratégia por turnos bem robusto. No meio de todos os seus sistemas há uma narrativa atraente e um ambiente afinado ocupado por personagens fortes, autênticos companheiros nas cerca de 100 horas de jogo que se podem retirar deste jogo sul-coreano.
  • Umurangi Generation: Ser um jogo de fotografia com um grafismo saibroso não parece condizer, mas à frente da câmara vamos encontrar uma cultura desolada imersa no neoliberalismo e pintada a cyberpunk. Bem atual e cheia de alma, esta obra que exige atenção ao detalhe faz-nos tirar o retrato de uma juventude sem rumo. Só não fotografem as caravelas-portuguesas…
  • Welcome to Elk: Baseado em histórias reais, Welcome to Elk é uma curta e adorável aventura por entre as mais humanas e humildes emoções. O jogo dinamarquês faz um excelente uso do meio, com minijogos altamente polidos para processar a borra do realismo; sendo precisamente isso que o alinha com a vanguarda do meio e o torna especial.
Umurangi Generation

Agora sim, os últimos dez. O creme do creme.

  • Animal Crossing: New Horizons: A série Animal Crossing não precisa de grandes apresentações. O jogo da Nintendo é um portento no ramo da gestão e New Horizons não foge à regra. A nova entrega deslumbrou meio mundo com as suas possibilidades de expressão pessoal e a sua simplicidade relaxante.
  • Crusader Kings III: os fãs da série sabem bem o que os espera: longas noitadas de complôs régios. Os novatos com certeza verão na sua intimidativa complexidade um bicho de sete cabeças, mas não é por isso que não se devem deixar ser engolidos por esta experiência tão imersiva quanto bem orquestrada.
  • Dreams: Um colosso criativo que parece ter ficado esquecido na famosa “névoa de início do ano”. É basicamente a imaginação em formato jogável. Dreams é um jogo, sim, mas é também muitos jogos. Esta ferramenta de criação acessível e profunda pega no criador de níveis de LittleBigPlanet e eleva-o à qualidade de multiverso. Depois de se ver Fallout 4 recriado dentro do próprio jogo, resta saber quantos jogos desta lista podem ser feitos lá dentro.
  • Hades: Com o selo de qualidade da Supergiant Games, Hades é um roguelike esbelto, permeado de mecânicas variadas e bem dinamizadas. O casamento entre história e jogabilidade é inserido subtilmente num mar de variações narrativas que vamos querer deslindar por cada vez que voltamos à casa de Hades após mais uma morte.
  • Half-Life: Alyx: O tão esperado regresso da série da Valve foi, vá, dececionante, mas só por não ter o número três no título (para alguns, talvez também por ser exclusivamente em realidade virtual). Foi definitivamente o jogo a jogar em realidade virtual em 2020, não só pela mestria técnica e design narrativo de luxo, mas também pelo polimento da experiência e possibilidades entusiasmantes que oferece.
  • Factorio: Há quem diga que é droga, e não, desta vez nem é meramente o Quintino Aires. Depois de um período alargado em acesso antecipado, o jogo checo de gestão e construção em tempo real foi finalmente lançado num estado bem oleado e pronto para invadir as preocupações dos jogadores a toda a hora. Está marcado na história devido à existência de um escorpião batizado com o nome do jogo, mas essa é uma marca secundária quando comparada com o legado que deixará por mérito próprio.
  • Kentucky: Route Zero (lançamento final): É sempre estranho ver um jogo episódico nestas listas, sobretudo quando é lançado durante vários anos. Mas bem, começou em 2013 e de facto só agora se deu o lançamento do último episódio, por isso, passados sete anos, já se pode confirmar que Kentucky: Route Zero é magistral. Um jogo narrativo imerso em poesia que nos vai colocar em posições muito desconfortantes e fazer mergulhar no espírito da classe trabalhadora no sul dos Estados Unidos.
  • Ori and the Will of the Wisps: O segundo jogo da aclamada série da Moon Studios também é um dos esquecidos na “névoa”. É um autêntico turbilhão de sensações que esta jornada de adversidade oferece com as suas plataformas intrincadas, visuais incríveis e narrativa emocional.
  • Paradise Killer: Se esta lista só tivesse lugar para um jogo e Paradise Killer o ocupasse, seria certamente sem injustiça. Bizarro, alternativo e muito bem escrito, o jogo da Kaizen Game Works põe-nos a resolver um crime de grandes proporções num universo de jogo vaporwave que mistura Lovecraft com Suda51. Uma total amálgama de géneros e temas que funciona perfeitamente. Pode ter um grafismo datado, mas o seu mundo é, sem exagero, um dos mais interessantes já vistos num videojogo.
  • Spiritfarer: Com um ano tão turbulento, nada melhor que relaxar nesta aventura de gestão desenhada à mão enquanto… bem, enquanto se entregam espíritos ao vazio eterno. Mas ouçam, Spiritfarer é apaziguante, belíssimo e tem uma mensagem importante para transmitir. Foi decerto uma das jornadas a ter em 2020.
Kentucky Route Zero

Em 2020 mostrou-se que os jogos não precisam das fórmulas habituais para vingar, um fenómeno que vai sendo impulsionado pela adesão dos jogadores às novas ideias e pela alteração dos seus perfis com o tempo. A variedade de géneros também é um destaque e vai desde um simulador de aviação, dois roguelikes e uma aventura avant-garde até aos vários jogo de estratégia e de gestão e a… bem… Paradise Killer. Praticamente só os jogos de luta tiveram um ano difícil. O ano também nos agraciou com um bom leque de conceitos inovadores, como Signs of the Sojourner, que transforma a comunicação com as personagens num jogo de cartas ou The Longing e a sua estrutura desafiante, cujo um dos objetivos é esperar 400 dias para acordar o rei — em tempo real…

Infelizmente, nos triple A, voltou-se a verificar que novas séries são cada vez mais escassas e as grandes editoras apostam sobretudo em continuações. Alguns eventos que marcaram o ano foram o lançamento das novas consolas; o anúncio da aquisição da ZeniMax Media pela Microsoft; mais ameaças de morte a desenvolvedores por fãs; o crescimento do mercado com a situação da pandemia; o fiasco no lançamento de Cyberpunk 2077; a retirada de Michel Ancel da indústria; a angariação de 6,7 milhões de euros para a causa Black Lives Matter pelo Itch.io; e o regresso do movimento #MeToo, que levou à demissão de alguns profissionais.

Antes de dizer adeus ao ano, preste-se merecida homenagem a todos os nomes que tanto fizeram pela indústria e nos deixaram em 2020:

  • Arnold Hendrick (designer influente);
  • Brian Blume (TSR Inc.);
  • Brian Green (Meridian 59);
  • Curt Vendel (historiador);
  • Dario D’Ambra (Don’t Make Love, gratuito desde a sua morte);
  • Eric Engstorm (DirectX);
  • Jens Hauch (Halo Infinite, Guild Wars 2);
  • John Horton Conway (Game of Life);
  • Kazuhisa Hashimoto (Konami Code);
  • Landon Montgomery (Gearbox Software);
  • Len Lakofka (Dungeons & Dragons);
  • Rita Zimmerer (Academy of Interactive Arts and Science);
  • Sami Vanhatalo (Remedy Entertainment);
  • Tim Skelly (pioneiro em elementos como o cooperativo e o respawn).

E a todos os outros que ficaram por mencionar.

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