Reportagem. Caravana pela Justiça Climática: a procura por soluções nas comunidades da linha da frente
Reportagem de Diana Neves e Edgar Lima, alunos de Jornalismo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA FCSH). Este trabalho é realizado no âmbito da unidade curricular de Produção Jornalística.
A caminhada começou com cânticos e gritos energéticos. Nos megafones, os ativistas aclamavam “Eucaliptal não é floresta” e “Fora daqui: a Navigator e a Celbi”. Nos dias 2 e 3 de abril, cerca de 60 pessoas juntaram-se para iniciar a Caravana pela Justiça Climática.
Proclamam ser um momento histórico em Portugal, lutam por justiça climática e procuram a construção de um movimento popular. Organizada por várias associações e coletivos ambientais, a Caravana Pela Justiça Climática juntará, ao longo de duas semanas, mais de uma centena de pessoas, que vão percorrer 400 quilómetros em Portugal. A prioridade da iniciativa é falar com as comunidades mais afetadas pela crise climática e responsabilizar as empresas e infraestruturas que mais poluem no país.
Matilde Alvim, ativista no Climáximo e uma das organizadoras do evento, explica que o percurso foi escolhido tendo em conta que “o maior efeito da crise climática em Portugal é e será a desertificação”, devido à indústria das celuloses e às barragens.
No sábado, 2 de abril, cerca de 30 pessoas reuniram-se na praia da Leirosa. No domingo, dia 3, já eram quase 60, de novos a velhos, portugueses e estrangeiros. Amy, 30 anos, é vietnamita, e estuda em Portugal. Veio à Caravana para conhecer outros ativistas e perceber os problemas que as populações combatem a nível rural.
Matias Sousa, 22 anos, apanhou um autocarro no sábado de manhã, em Lisboa, juntamente com outras 20 pessoas, em direção à Leirosa. Está a participar na Caravana porque procura “uma forma de viver diferente” daquela que, atualmente, “nos está a levar ao colapso”. Acredita que parte das respostas estão nas comunidades que têm enfrentado os maiores efeitos da crise climática em Portugal: incêndios, secas, cheias, e consequências da instalação e produção de indústrias.
Da Leirosa a Montemor-o-Velho, no primeiro fim de semana, o percurso passou pela fábrica da Celbi, pelo complexo da Navigator e pela central termoelétrica de Lares. Os participantes e a população local debateram sobre os efeitos destas indústrias nas comunidades.
Para os organizadores, sair do ambiente da capital e do Porto é benéfico para a própria construção do movimento por justiça climática. “Faz-nos conhecer problemas que para nós eram longínquos e intangíveis. Faz o movimento ser mais humilde e mais enraizado”, contou João Camargo, um dos porta-vozes da Caravana.
O ativista salientou o abandono do interior: “serviços, transportes, segurança, cultura, integração social e a sua ligação a outras comunidades torna-se frequentemente muito ténue”, agravado pelos incêndios de 2017 e pela Covid.
Ouvir as vozes das comunidades
Envolver as comunidades e responsabilizar as empresas e infraestruturas pela crise social e ecológica que as assola são os principais objetivos da Caravana. Este exercício começou logo no primeiro dia, aquando da passagem pela fábrica da Celbi e pelo complexo da Navigator. Estas infraestruturas estão entre as dez maiores emissoras de gases com efeito de estufa a nível nacional, conforme o inventário realizado pelo Climáximo e pela Greve Climática Estudantil, em 2021, no âmbito do Acordo de Glasgow.
Paula Russo, residente na Leirosa, conta que os habitantes da comunidade sofrem todos os dias com o funcionamento da Celbi – explica que as emissões libertadas pela fábrica produzem um mau cheiro que afeta o bem-estar da população. Uma mancha escura, assinalada com uma boia, sobressaía no mar: marca o fim das descargas de resíduos da fábrica.
Ainda na Leirosa, a segunda paragem foi no complexo da Navigator, onde os participantes se manifestaram contra a infraestrutura que consome cerca de 28 mil milhões de litros de água do Mondego todos os anos, dez vezes mais do que toda a Figueira da Foz.
João Camargo acusou as fábricas de celulose de “proporem a rega em grande escala de eucaliptais” e “em vez de conservar águas e solos, usar água até à última gota, até ao último nutriente do solo, para fazer lucro”.
Cirandas para encontrar soluções
Ao longo do percurso planeado, realizar-se-ão “cirandas”, assembleias abertas aos participantes e às populações locais, e também rodas de conversa, “Devia haver Aqui”, que visam debater e criar soluções sobre a recuperação do território.
Da Leirosa, a Caravana seguiu caminho: 20 quilómetros até à Figueira da Foz, com mais uma paragem na praia da Cova da Gala. Aqui, Eurico Gonçalves, da SOS Cabedelo, explicou o fenómeno da erosão da costa devido à redução de sedimentos no areal e da construção de pontões.
Os participantes debateram-se com o vento intenso nas pontes da Figueira da Foz. A energia ainda moldava o ambiente, mas o cansaço já era visível. Porém o destino não tardava.
Chegados ao Parque das Abadias, apesar do frio que se instalava, a ciranda “Da erosão do litoral ao Mondego: celuloses, cimento, emissões e água” introduziu um debate sobre os cursos de água, em Portugal. Os intervenientes referiram como as interrupções na conectividade dos rios têm contribuído para a erosão costeira e para o aumento das situações de seca.
Na primeira noite, o Parque de Campismo Municipal foi local de estadia dos participantes. Cansados, mas entusiasmados pela experiência do primeiro dia, à noite esperava-lhes uma refeição quente feita pelo Heráclito, o cozinheiro contratado para a Caravana.
Heráclito, 40 anos, de origem brasileira, vive há sete anos em Portugal, atualmente nas Caldas da Rainha e é artista plástico. Está a participar na Caravana e é responsável pelas refeições vegan que são todos os dias fornecidas aos participantes. Preocupa-o o estado atual do planeta, e a situação no Brasil que tem sofrido grandes impactos da crise climática, nomeadamente pela desflorestação na Amazónia.
A noite foi fria, mas às oito da manhã todos os participantes já desmontavam tendas e punham mochilas às costas. Tinham 26 quilómetros para percorrer. Junto à Central Termoelétrica da EDP, em Lares, a maior emissora de GEE a nível nacional, realizou-se um “Devia Haver Aqui” para discutir o eventual encerramento da central e a recuperação desse espaço.
Em todas as assembleias os participantes propõem sugestões inovadoras, tendo em vista as preocupações das populações e as características do território. Neste caso, os participantes sugeriram instalar painéis solares, aproveitar a infraestrutura da central para um instituto de pesquisa, ou dinamizar a zona com turismo rural responsável.
Nessa tarde de domingo, o sol de abril já era quente. A Caravana continuou até Montemor-o-Velho, onde tomou lugar a ciranda “Rio, agricultura, floresta e as gentes: a realidade da crise climática aqui”. A conversa passou pela segurança económica dos trabalhadores locais, pela preservação dos ecossistemas e pelas práticas sustentáveis a tomar.
Quais os resultados da Caravana?
“O movimento pela Justiça Climática, que teve um enorme pico em 2019, precisa de recuperar ímpeto para travar o colapso climático”, declarou Camargo, relevando a importância de “crescer em outros espaços e outros contextos”.
É por essa razão que se visa agora criar uma ponte de ligação com os territórios que foram mais fragilizados. “Enquanto a maior parte das nossas ações toma lugar na cidade, esta é uma ação em contínua presença no mundo rural, onde a crise climática já está a manifestar-se com muita força”, sublinhou Matilde Alvim.
“Em Portugal, estamos à beira do 5º aniversário dos incêndios de 2017 que mataram mais de 100 pessoas e deixaram o território devastado, linha da frente da crise climática, que está ainda mais vulnerável e perigoso do que estava nessa altura”, acrescentou Camargo.
Os organizadores reconhecem o nível de compromisso na Caravana, o que, porém, é o que a diferencia de outras ações mais isoladas, como uma manifestação ou uma greve. “Implica uma saída geográfica, mental e emocional da normalidade”, refere Camargo.
Mas há confiança de que, embora com todos os custos e duração, a Caravana “trará a quem participa uma visão única do que significam alterações climáticas” e permitirá a “construção de um movimento popular por justiça climática”. Além disso, a oportunidade de planear e construir a Caravana coletivamente faz sobressair um sentimento de cuidado e união.
Esta iniciativa irá acontecer em vários pontos do globo, mas devido a questões de financiamento e segurança, as Caravanas na Nigéria, no Uganda e nas Honduras ainda não começaram mantendo em aberto a possibilidade de o fazer mais tarde este ano. Na Irlanda, a Caravana começa dia 9 de abril, e irá durar igualmente 14 dias.
A Caravana pretende criar “um movimento mais forte, mais experiente, mais comprometido, mais estendido nos territórios”, alega Camargo, que defende um movimento popular e não elitista. O ativista foi claro: “penso que ninguém que vá participar na caravana por mais do que uns dias volte exatamente a mesma pessoa”.
Por agora, a Caravana segue caminho pelo interior de Portugal. Termina dia 16 de abril, com uma manifestação em Lisboa.
Reportagem de Diana Neves e Edgar Lima, alunos de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA FCSH). Este trabalho é realizado no âmbito da unidade curricular de Produção Jornalística.