Retratos de ‘Paris França’, no início do séc. XX
Gertrude Stein é um dos nomes incontornáveis entre aquela geração de americanos que decidiu ir viver para Paris no início do séc. XX. Como colecionadora de arte, foi uma das grandes responsáveis, em conjunto com o seu irmão Leo Stein, pela aclamação da arte de vanguarda protagonizada por artistas como Pablo Picasso, Paul Cézanne e Henri Matisse. Os quadros por si adquiridos eram dispostos na sua casa, em Paris, onde eram exibidos a convidados, e onde Stein passou a organizar um salão literário onde, além dos pintores já atrás mencionados, se juntavam também poetas e escritores, os da tal geração de expatriados americanos, da qual foi mentora, como Ernest Hemingway, James Joyce, Ezra Pound e Scott F. Fitzgerald, e não só.
O livro Paris França, agora editado pela Relógio d’Água, traz-nos uma Stein já mais velha, às portas da Segunda Guerra Mundial, tendo sido publicado em 1940, quando a autora contava já 66 anos e cerca de 40 anos de vida em França, bastantes mais do que aqueles durante os quais vivera na América. Com o seu habitual estilo literário com uma pontuação francamente esquisita (quase ausente e, quando presente, em locais estranhos), é nessa mesma América que o livro começa, com Stein a debruçar-se sobre o contacto que tinha tido com França enquanto lá vivia. É a partir daqui que a autora começa a delinear aqueles factos e características que, para ela, são inegavelmente franceses – a lógica, a civilização, a moda.
Parte do desconforto sentido a ler este livro, a par com o deleite em relação a alguns pontos feitos, parte da claramente exagerada extrapolação de características de um dado tipo de pessoas, desde os franceses, no geral, aos homens casados, no particular. Stein adora declarar que os franceses são lógicos e extrapolar a partir daí para tirar todo o tipo de conclusões. O que faz confusão não é achar-se que os franceses não o são, mas o quão facilmente tal processo de atribuição de características pode levar a conclusões erradas ou deturpadas.
“Um camponês em França naturalmente diz muitas coisas, mas não é íntimo, não é íntimo com um homem, nem com uma mulher uma criança ou um animal, não é íntimo, ser íntimo não é civilizado e os franceses têm necessidade de ser civilizados e para isso têm de ter tradição e liberdade e com tradição e liberdade não se pode ter intimidade com ninguém”
Paris França não é uma exploração da cidade como o é Paris é uma festa, de Hemingway. Mais do que debruçar-se sobre a cidade e sobre a sua vida por lá, o livro traz pouquíssimas referências a esses salões literárias e aos amigos “famosos” de Stein. Aborda de tudo um pouco, desde cozinha, à relação entre os humanos e os animais, à relação dos franceses com a figura de Napoleão, ao porquê de França e Paris, em particular, terem sido o destino de escolha desta geração de expatriados que quis levar a arte mais além.
O que não falta são, também, ideias interessantíssimas, provavelmente também só possíveis mediante as generalizações atrás referidas. Stein explora uma ideia na qual cada
“[…] século parece-se com a vida de alguém, com a vida de cada nação, quer dizer começa isto é tem uma infância tem uma adolescência tem uma vida adulta tem uma meia-idade e uma velhice e depois acaba.”
A Primeira Guerra Mundial seria nesse caso uma crise de adolescência, com a Segunda Guerra a surgir quase como uma crise de meia idade. É interessante olhar para trás e perceber que é possível identificar um arco como este no séc. XX.
Mais que um retrato de um tempo e de uma cidade, é uma divagação sobre aquilo que Stein julga serem as características que tornam alguém francês e sobre como é viver em tempo de guerra – bem, pelo menos como será viver em tempo de guerra na França rural, mas podemos generalizar.