Rita Matos: “O maior desafio é a quantidade de coisas que ainda tenho de aprender e saber fazer sozinha”
Rita Matos é uma designer portuguesa cheia de vontade de explorar diversos conceitos criativos. A sua incrível carreira tem-lhe possibilitado colaborar com pessoas que admira e criar ideias desafiantes dentro do mundo do design gráfico. Além de ser uma das artistas em destaque no livro dedicado ao design feito por mulheres, “Notamuse”, é ainda fundadora do “New Studio”, um colectivo de designers/criativos de Nova Iorque, Los Angeles, Berlim, Amesterdão, Lisboa e Salonica.
Geralmente como funciona o teu processo criativo? Costumas pesquisar sobre diversos temas/influências inicialmente ou a criação/conceito parte a par com a execução de um projecto?
A pesquisa é sempre a primeira coisa. Normalmente faço pesquisa orientada para o projecto que tenho em mãos, mas mais a ver com o seu contexto e não propriamente com soluções para problemas parecidos. A ideia é que dessa pesquisa saia um conceito muito específico ao projecto. Depois de definir um conceito e uma estratégia passo para a execução.
Ao longo dos anos tens criado uma identidade visual bastante própria, com grande contraste de cores, explorando tamanhos de letras pouco uniformes e combinando diversos elementos num cenário visual quase labiríntico. Há alguma influência principal por detrás desta criação ou foi um processo evolutivo orgânico?
Esteticamente falando, acho que é sempre uma evolução intencional, mas sobretudo muito intuitiva. Acho que esses traços têm a ver muito como eu me expresso visualmente no geral e óbvio que vêm de algumas das minhas influências e referências, mas tem sobretudo a ver com minha sensibilidade mesmo face a elas. Acho que não há só uma influência em concreto.
Pessoalmente em alguns posters noto alguma influência germânica, principalmente nas cores e modo difusivo como organizas os elementos. Essa influencia é estruturada propositadamente ou faz parte de uma evolução natural?
É propositada. Acho que tem que ver com a forma como penso também, e acho que me relaciono nesse sentido com alguma das influências mais modernistas.
Com o lançamento do livro da Notamuse espera-se divulgar o trabalho das mulheres no universo do design gráfico. Consideras que o destaque dado à mulher tem vindo a aumentar nas artes nos últimos anos ou ainda há um grande caminho a percorrer? Como mulher tens sentido alguns desafios específicos ao longo da tua carreira ou consideras que o teu percurso teria sido idêntico sendo um homem?
Ainda é preciso percorrer bastante caminho.
Não posso afirmar que seria idêntico. Sinto que até aqui tenho sido sortuda no meu percurso e isso faz-me crer que provavelmente seria parecido, pois considero que estou a fazer exactamente o que escolhi como escolhi e isso só por si é um privilégio muito grande. Acho que ainda assim existem desafios que enfrento como mulher, seja na dinâmica de trabalho, seja na relação com clientes e colegas de trabalho. Contudo, acho que o desafio maior é tentar perceber como é que esse meu percurso/futuro pode desenrolar-se tendo em conta que a maior parte dos exemplos da indústria são masculinos. Ou tendo em conta que grande parte dos cargos de poder são ocupados por homens, ou tendo em conta que a lista de designers relevantes é predominantemente masculina.
O que falta no mundo da comunicação para que se dê mais destaque às obras produzidas por mulheres?
Pessoas diferentes a tomar decisões importantes.
O design gráfico é uma área bastante orgânica, que respira bastante o que se passa nas diversas sociedades. Até que ponto é que sentes que a identidade do design gráfico está presa ao seu país de origem? Ou seja, consideras que o design gráfico feito em Portugal ainda difere do que é feito noutros países ou vivemos num mundo altamente globalizado onde todas as identidades são homogéneas?
Acho que é uma situação um bocado mista ainda e é provável que sempre seja. Em alguns casos ainda consegues perceber a origem, noutros casos podia ter sido algo feito em qualquer outra parte do mundo. Acho que tem muito a ver com o tipo de design que estamos a fazer e para que público. Eu acredito que se o teu trabalho estiver intimamente ligado com o contexto (o que, na minha opinião, deve acontecer) é impossível fazer algo totalmente homogeneizado, pois a forma como vivemos em cada lugar e algumas partes da nossa cultura ainda não o são. A não ser que seja essa a tua intenção. Por isso, acho que é mais uma questão da própria abordagem dos designers.
Quais são os maiores desafios e vantagens de trabalhares como freelancer? De que forma é que organizas e estruturas a tua agenda, tanto a nível de produção artística como na procura de clientes?
O maior desafio é a quantidade de coisas que ainda tenho de aprender e saber fazer sozinha, arcar com essa responsabilidade e sobretudo, conseguir prioritizar isso tudo na minha vida tentando não duvidar de mim própria a todo o momento. Mas ao mesmo tempo isso também é a maior motivação. A vantagem, é que estou a fazer algo que está totalmente sob o meu controlo e isso é muito libertador. A minha agenda ainda está em modo beta, mas para conseguir chegar aos objectivos que tenho em mente, a organização ideal tem em conta aproveitar o meu momento mais focado do dia para produção criativa. O resto do tempo é dividido entre tempo para me dedicar ao meu bem estar (emocional, físico), a responder a emails (etc) e a aprender algo novo. Normalmente se o trabalho escassa, o tempo para ler e para aprender coisas aumenta. Tento que pelo menos um dia da semana seja dedicado só a parte de negócio (new business, contabilidade, promoção).
Quem é a Rita Matos fora do design? O que gostas de fazer num sábado à tarde, por exemplo?
Se não estou a trabalhar normalmente estou a ler, a passear, a viajar, a conversar com os meus amigos, a dar beijinhos ao meu namorado, a pesquisar sobre roupa, calçado e maquilhagem que não preciso, a dançar numa festa, a explorar comida nova (ou só novos sítios onde comer sushi barato) a comer (ou a sonhar com) sobremesas, a visitar exposições, a mudar o meu quarto todo ou a ver maus filmes e séries.
Se pudesses convidar qualquer artista para criar qualquer projecto quem seria e que tipo de projecto seria?
Se eu conseguisse não desmaiar na presença deles: Raf Simons para fazermos uma exposição ou uma colecção; Rihanna para fazer uma qualquer marca progressiva e milionária comigo.
Com a evolução de diversas plataformas digitais e ferramentas digitais é natural que o design gráfico vá também evoluindo. Consegues perspectivar grandes mudanças para os próximos anos? A nível de composição, técnicas, elementos ou até mesmo estilo?
Sim, Acho que vamos assistir a grandes mudanças a todos os níveis que anunciaste. acho que o design gráfico como o conhecemos se coloca neste contexto numa posição de “craft” e acho que o mundo contemporâneo e os desafios de comunicação exigem um pensamento mais complexo e competências mais complexas ou holísticas e é natural que isso interfira com o design gráfico na sua definição. Os progressos com inteligência artificial põem até em causa o próprio conceito de criatividade, por isso imagino que até o processo criativo neste contexto será diferente.
Se pudesses viver dentro de um filme qual seria?
Nocturnal Animals do Tom Ford se tivermos a falar de ambiente.
Tendo em conta a tua paixão por flores, se pudesses começar um projecto como florista onde seria?
Não faço ideia (risos)! Mas talvez fosse algo mais para ser nómada e ir fazendo pesquisa pelo mundo. Isso seria incrível.
Qual é o melhor sitio do mundo onde ainda não foste?
Se ainda não fui, não sei se é o melhor :D. Mas gostava muito de ir ao Japão em breve.
Podes desvendar algo mais sobre o “New Studio”? Terão uma localização especifica ou é um colectivo de artistas que trabalham em diferentes localizações?
New Studio é um novo projecto de estúdio no qual embarquei e o nosso trabalho e as nossas ideias estarão disponíveis para o público muito em breve! É um colectivo de designers/criativos independentes que trabalham em conjunto. Neste momento temos pessoas em Nova Iorque, Los Angeles, Berlim, Amesterdão, Lisboa e Thessaloniki.