“Road 96”: a estrada para a liberdade
O presidente Tyrak e o seu nome sugestivo comandam um regime autoritário na nação petrolífera de Petria, onde uma juventude em ebulição faz de tudo para chegar à Road 96, a estrada que leva à fronteira. Controlamos os vários adolescentes que desejam escapar do país em 1996, o ano das eleições, nesta aventura na primeira pessoa onde nenhuma sessão de jogo é igual.
A história conta com sete personagens carismáticas que vamos encontrar várias vezes nas nossas viagens. Elas são os pilares da narrativa e estão todas muito bem interligadas. As decisões do jogador alteram a aventura, desde as personagens que encontramos ao desfecho do jogo. Conforme o que vamos coletando podemos conseguir ou não executar certas ações, o que muda o próximo passo na história e garante que não haja uma aventura igual. Apesar de a premissa ser chamativa, na prática não se mostra tão moldável e única como poderíamos imaginar, é mais um dos jogos com decisões ao estilo Telltale, mas com elementos aleatórios misturados para negar a hipótese de reproduzir sessões passadas. Único é experienciar o efeito gerado ao jogar com vários protagonistas que não estão ligados entre si, algo que cria uma narrativa pan-ótica que fornece ao jogador uma omnisciência progressiva depois utilizada como depósito para a trama principal.
Nisto, Road 96 perde-se um pouco no fosso entre simulação e narração, pois o conteúdo é mais representativo do que simulado. A mistura da polaridade destes elementos gera um mero baralhar de sequências narrativas pré-definidas, com pontos de encaixe dinâmicos, sim, mas que nunca libertam os jogadores da estreiteza de input e tornam o jogo bem mais linear do que o esperado. As escolhas dos diálogos são em grande parte falsificadas, havendo momentos nos quais as opções são exatamente equivalentes e outros em que são opostas, mas com um desfecho igual. Assim sendo, as decisões com mais peso são as que originam os eventos (chamados “episódios”), que são um tanto fortuitos, enquanto as que envolvem interação com o mundo de jogo, na sua maioria, não têm grande importância e serão frequentemente uma iteração pouco entusiasmante da escolha entre as três vias narrativas principais do jogo. Essas vias são: a via da democratização, alcançada por decisões que apelam ao voto; a via da revolução, atingível por escolhas a favor da fação que se opõe ao governo; e a via da emigração, possibilitada por decisões que denotem intenções de fugir de Petria. Teremos ainda de gerir dois recursos durante a aventura: energia e dinheiro. A integração destes elementos no jogo é bastante superficial dada a facilidade em obtê-los, sobretudo depois de desbloquear as habilidades, mesmo assim, é possível ser preso ou morrer se não houver cuidado (ou sorte em certas probabilidades).
O sistema de moral garante confusão do início ao fim. Roubar uma barra de cereais de dentro de um cacifo que abrimos com uma chave encontrada ao explorar o cenário é mau, porém, “levar” as chaves de um carro e o próprio carro não é roubo e não tem problema algum, tal como levantar dinheiro de cartões de crédito encontrados no chão. Até algumas das cassetes colecionáveis ao serem recolhidas são consideradas roubadas. Evitar cometer atos imorais inutiliza uma boa parte das mecânicas de jogo, incluindo, por exemplo, a habilidade de lockpicking, cuja utilização não é considerada imoral pelo jogo, mas que leva geralmente a itens roubáveis.
O estúdio francês diz que existem 148 268 rotas possíveis, mas, na verdade, esse número não só é baixo para a estrutura de decisões do jogo, como também nos dá pouca informação. Existe sim um número bem finito de episódios divididos pelas sete personagens principais e três fins diferentes para o jogo, o resto são detalhes que não mudam praticamente nada, a não ser a própria jogabilidade, para que se evite os estados de falha, que não afetam os episódios. Inobstante o facto de serem altamente pré-determinados e não usarem o poder da narrativa aberta que o jogo promete, alguns episódios criam bons momentos, memoráveis até, já outros são bastante fracos, com diálogos insípidos, falhas de coerência narrativa e uma cinematografia inábil. Mesmo havendo variação nas viagens de cada jogador, há sempre espaço para estes momentos.
A duração da aventura gira em torno das 9h, ainda que jogar de novo seja quase obrigatório para ver os episódios que não foram vistos antes; depois disso, contudo, há pouco mais para explorar. A jogabilidade é sempre diversificada com objetivos distintos em contextos únicos ou com minijogos interessantes e os episódios são sempre engraçados e capazes de equilibrar momentos mais tensos com momentos mais descontraídos.
Road 96 tem um bonito aspeto cartunesco e numa apreciação mais distante é capaz de impressionar. Já no detalhe, nota-se falta de polimento: há elementos do cenário que se levantam estranhamente pelo caminho, problemas com o LOV, reflexos exageradamente baços, más paredes invisíveis, delineação imprecisa de áreas de iluminação e cinemáticas pré-renderizadas com baixa resolução. Também a infrequente inteligência artificial é capaz de bloquear portas e de ser explorada no minijogo do hóquei de mesa. Destaque-se, no entanto, a água, a qualidade da iluminação e o uso da cor. No que ao som concerne, a incrível banda sonora original é variada, apropriada e marcante, elevando-se como um dos grandes trunfos, para além disso, os colecionáveis do jogo são, curiosamente, cassetes com as músicas. Vozes medianas que se repetem obviamente entre personagens não ajudam na entrega do guião. Os limites das zonas de áudio são deficitários e a captação do áudio podia ser superior.
Um conceito promissor com uma execução algo precária. Quando é bom, entrega momentos inesquecíveis, mas quando falha fá-lo bem à vista. A narrativa tépida, o design tímido dos sistemas de jogo e os soluços técnicos são pedras no sapato da jogabilidade diversificada com minijogos agradáveis, da música no ponto e da alma ambiciosa. Mesmo com as suas falências, Road 96 é uma experiência narrativa única que merece a atenção: a originalidade da premissa e a abordagem aberta de temas políticos tornam o jogo da DigixArt numa aventura que vale a pena viver.