‘Ruínas’ traz o existencialismo para o mundano moderno
São muitas as problemáticas advindas da rotina, e que nos conduzem a um fluxo de pensamento dominado por questões como: “o que eu faço aqui?”, “o que será do meu futuro?”, “o que tenho de fazer para mudar de rumo?”, “o que me poderá ajudar a melhorar o meu quotidiano?”. São várias as questões que atravessam, também, a mente do narrador do livro “Ruínas“. Da autoria de Hugo Lourenço, esta obra leva-nos às diferentes linhas de pensamento sobre o sentido da existência, e da própria vida, numa visão que tem em conta os desafios contemporâneos. Desta feita, são três os fluxos que dominam o desenrolar desta narrativa. Ao narrador, figura presente e protagonista, juntam-se as visões e histórias únicas das personagens de Daniel, mais rebelde e afoito, e de Ricardo, mais ponderado e luzidio. As ruínas assumem um papel especial, sendo as memórias passadas nas quais se envolta o rumo do pensamento do narrador, assim como as perspetivas futuras e idílicas que poderiam ter lugar, situadas no contraponto do passado drástico. Esta obra, lançada pela Esfera do Caos, traz um ensaio existencialista sobre a realidade vivida, nos seus anseios, receios, emoções e confirmações, deslocando-se na intimidade próxima a tantos dos que se entregam à vida nos dias de hoje.
Definindo o contexto espácio-temporal, a história arranca com o narrador na recém idade adulta de vinte e sete anos, condenado a uma realidade profissional muito limitada para as suas aspirações. A “mesmice” não lhe agrada nem lhe convém, e, como tal, a sua visão crítica sobre o que lhe rodeia torna-se mais acentuada. Para que tal aconteça, visita a memória, e conta com as figuras de Daniel e de Ricardo como referenciais para esse paralelismo. É nessa viagem retrospetiva que surge um pensamento associativo, onde a memória seletiva faz das suas, e constrói um interesse equitativo pelas duas personagens que lá pontificam. Ainda assim, a morte permanece como sombra daquilo que se pensa, e do que se vive, percorrendo o presente, para além de selecionar aquilo que o passado tem para contar.
É essa mesma morte que assume um papel providencial, e desencadeador de toda a narrativa. Da morte, o narrador debruça-se numa série de questões e de viagens pela memória, estas que incluem diversos diálogos interessantes sobre vários temas. Entre eles, destaca-se a discussão sobre o presente da arte e dos artistas num jantar de amigos, em que as perspetivas abordadas e expostas acabam por ressoar ao ouvido e, subsequentemente, ao olhar mais atento da atualidade. Ainda a partir da morte se confronta o presente amorfo, mas recheado de oportunidades e de pequenos grandes proveitos, que acabam impossibilitados pela partida precoce e mais ou menos inesperada. No fundo, um hino à vida, ao que foi vivido, ao que se vive, e ao que falta por viver, por muito que as frustrações prevaleçam, ainda, estimuladas e presenciadas. O amor funciona como essa tomada de consciência, a partir da qual tudo é observado de forma diferente, estando esse tudo condimentado pelo seu ar esperançoso e redentor. A redenção das oportunidades goradas faz-se neste novo despertar, motivado de sobremaneira pela personagem de Joana. A arte e a cultura envolvem-se no desenrolar do enredo, afirmando-se como pilares importantes e inesquecíveis da construção e consolidação de uma sociedade que, entregue aos automatismos do quotidiano, perdeu o dedo da espontaneidade e da criatividade. No fundo, uma reivindicação da sua relevância na fruição e na formação de uma realidade distintiva e despojada de preconceitos, tabus, e dilemas por serem discorridos.
O registo discursivo assume proporções que, apesar de simples, não escondem um trabalho semântico e sintático adequado, adequando-o aos vários jovens que vivem uma situação instável e incógnita. Os vários preconceitos resultantes do quotidiano moral e social permanecem vivos e ativos, se bem que se procura superar esse empecilho. A narrativa é, assim, acessível para o entendimento comum, e até contagiável para os leitores. Estes que, na suscetibilidade de uma fase com mais perguntas do que respostas, se deparam com o mesmo tipo de problemas, com o mesmo tipo de questões, com o mesmo tipo de dúvidas. No fundo, todo o existencialismo adaptado à realidade contemporânea, em tempos que, numa transitoriedade cada vez mais acentuada, se assiste a um crescente questionário introspetivo. Os prazeres permanecem como um estímulo, como um rastilho a seguir no meio de tanta poeira pensativa. Fica uma sugestão conduzida pelo binómio vida-morte, e pensativamente interessante, que problematiza os problemas que, enquanto aparentam cingir-se ao singular, se ampliam e se multiplicam num surpreendente plural.