Seis livros que mudaram a minha perspectiva sobre Medicina. Sugestões da médica Teresa Tomaz

por Comunidade Cultura e Arte,    26 Novembro, 2018
Seis livros que mudaram a minha perspectiva sobre Medicina. Sugestões da médica Teresa Tomaz
Fotografia de Teresa Tomaz
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Teresa Tomaz é natural de Chaves, exercendo a sua atividade profissional como médica. Interessa-se sobretudo pela área da comunicação em contexto de saúde e paralelamente pela arte, dedicando o seu tempo livre a escrevinhar e a fotografar.

Decidi tornar-me médica quando completei dezoito anos. O meu objetivo não é explorar os motivos que me levaram a seguir esta carreira, mas devo dizer que foi um caminho laborioso. Olhando para trás, creio que a dificuldade não residiu naquele detestável exame de anatomia ou na intensidade do estudo, mas sim na constatação da falta de empatia entre médicos, profissionais de saúde e estudantes de medicina. Ao fim de seis anos, comecei a sentir-me como que anestesiada, e percebi que todos à minha volta acabavam por se comportar da mesma forma. E era fácil perceber porquê: éramos pressionados para ver cerca de quarenta doentes numa manhã, aprender constantemente coisas novas e manter uma vida pessoal.

Consolava-me, no entanto, imaginar que tudo melhoraria quando terminasse a faculdade. Porém, depressa compreendi que me enganara. Como interna de formação específica – a etapa que se segue ao mestrado integrado em medicina e que culmina com a obtenção do grau de especialista em determinada área – tinha de conciliar várias tarefas extenuantes: estudar, apresentar temas diversos em dezenas de reuniões, cumprir um horário de trabalho de quarenta horas semanais e ser responsável por pacientes reais.

Recordo os primeiros meses como interna de medicina geral e familiar, intensos e frenéticos. Pressionada pelo cumprimento do horário estipulado e pelas tarefas burocráticas, esforçava-me por relembrar que tinha pessoas de carne e osso à minha frente. Estas pessoas sofriam, sentiam-se receosas perante o desconhecido. Entre desabafos, os meus colegas e amigos de outras especialidades reportavam condições ainda piores: horários de oitenta a cem horas semanais, turnos noturnos no serviço de urgência e um cansaço imensurável. E a empatia ressentia-se.

Fotografia de Teresa Tomaz

Ser médico requer trilhar um caminho difícil, mas, com o tempo, descobri algumas estratégias para manter a empatia. Ler é uma delas. Há alguns anos, não apreciava livros de não ficção, pois considerava-os como um género menor dentro da literatura. Porém, o tempo permitiu-me apreciá-los e entender a sua utilidade. Hoje em dia, regresso amiúde a algumas dessas obras para me ajudar a manter a empatia que demonstro perante os pacientes, um aspeto essencial, sobretudo nesta época de informatização excessiva nos cuidados de saúde.

Quando iniciei o internato do ano comum, o primeiro ano de trabalho real, não sabia bem que especialidade escolher. Ponderei psiquiatria e reumatologia, por serem áreas que me despertavam interesse científico. Ao fim de alguns meses, comecei a nutrir algum distanciamento pelos corredores hospitalares, pelo frenesim da urgência, pela complexidade das técnicas e pela especialização crescente da medicina. Fui percebendo que me sentia feliz quando falava com as pessoas e tentava compreender os seus contextos, as suas histórias e as suas emoções. Contudo, as pressões externas para escolher uma especialidade dita “segura”, “boa” e “prestigiosa” eram inegáveis. Havia sempre alguém pronto a dar uma opinião baseada em argumentos “de fonte segura” e que, aos ouvidos de alguém ansioso e vulnerável, pareciam plausíveis e relevantes.

Fotografia de Teresa Tomaz

Felizmente, deparei-me com colegas e amigos que me levaram a compreender qual seria o melhor caminho para mim. Foi também nessa altura que me deparei com um livro chamado “Ser Mortal: Nós, a medicina, e o que realmente importa no final”, obra que se tornou numa das minhas importantes da minha vida profissional. Entendi, por fim, o motivo pelo qual não apreciava os internamentos hospitalares. Atul Gawande, cirurgião americano, explica-nos que estamos demasiado focados em manter os pacientes vivos e a proporcionar-lhes tratamentos de excelência e indubitável qualidade, ao invés de nos esforçarmos em compreender as suas expectativas e crenças. A valorização da pessoa como ser individual, entender o processo de dolência e o sofrimento humano são aspectos essenciais da medicina, fulcrais à prestação de cuidados centrados na pessoa e não na doença. “Ser Mortal” não é uma defesa de temas como morte assistida ou eutanásia; ao invés disso, levanta questões sobre a autonomia dos pacientes, a relação terapêutica entre o profissional de saúde e o paciente e o respeito pelas suas preferências.

“Temos andado enganados sobre o nosso papel enquanto médicos. Achamos que o nosso papel é garantir a saúde e a sobrevivência. Mas, na realidade, vai além disso. É possibilitar o bem-estar. E o bem-estar prende-se com as razões pelas quais desejamos viver. Essas razões importam não só no fim da vida, quando nos tornamos frágeis, mas a vida toda.”,  “Ser Mortal: Nós, a medicina, e o que realmente importa no final”, de Atul Gawande

Sempre que surge a oportunidade, recomendo este livro a qualquer profissional de saúde. Com a sua prosa clara e exemplos pertinentes, Atul Gawande recorda-nos que uma pessoa não pode ser definida pela doença. As opções dos pacientes são importantes perante situações que exigem decisões acerca de processos de tratamento. E isto é um conceito transversal a qualquer área da medicina, independentemente da especialidade.

Fotografia de Teresa Tomaz

Depois de ter decidido enveredar pela medicina geral e familiar, surgiram outros desafios. Ao fim de alguns meses de trabalho autónomo, compreendi que tinha obtido pouca formação pré-graduada na área da comunicação clínica. Passei os primeiros meses a comunicar más notícias, a motivar os pacientes para a importância da alteração de hábitos, a explicar tratamentos e a ouvir pessoas, as suas emoções, a forma como determinado problema tinha afetado as suas vidas. Simultaneamente, vi-me confrontada pelas minhas próprias emoções. O período universitário ensinara-me a suprimir as minhas emoções, procurando a objetividade e o rigor técnico. Como podia sentir-me triste por determinada história ou zangada e frustrada por certas atitudes? Isso transformar-me-ia numa má profissional?

Ler “What Doctors Feel: How Emotions Affect the Practice of Medicine” (sem tradução em português) permitiu-me compreender a importância de refletirmos sobre as nossas emoções e como estas podem afetar a prática clínica. Danielle Ofri, especialista de medicina interna, explica-nos a pertinência do auto-conhecimento para os profissionais de saúde, bem como a utilidade do uso de técnicas de comunicação (como a empatia, a escuta ativa e o silêncio) para obter melhores resultados na medicina. Esta obra contém várias histórias reais que ilustram a pertinência da comunicação na medicina, tornando-se numa ferramenta útil, sobretudo para aqueles que têm maior dificuldade em compreender como pode ser um instrumento de trabalho essencial.

“A empatia exige estar ligado à perspetiva do paciente e à compreensão de como a doença se entrelaça com a vida de cada pessoa. Por fim – e aqui é quando os médicos fraquejam – a empatia requer a capacidade de comunicar isto ao paciente.”,  “What Doctors Feel: How Emotions Affect the Practice of Medicine”, de Danielle Ofri

Por volta da mesma altura, deparei-me com a obra do psiquiatra Irvin D. Yalom. “The Gift of Therapy: An Open Letter to a New Generation of Therapists and Their Patients” é um livro extraordinário, não apenas para psicoterapeutas, mas para qualquer médico. Inclui várias histórias e ensaios que reforçam a importância da comunicação, especialmente perante temas complexos como a morte e o luto, sendo um livro complementar ao de Danielle Ofri.

“Olhe através da janela do outro. Tente ver o mundo como o seu paciente o vê.”,  “The Gift of Therapy: An Open Letter to a New Generation of Therapists and Their Patients”, de Irvin D. Yalom

Fotografia de Teresa Tomaz

No campo dos livros autobiográficos, destaco dois. “Em Movimento: Uma Vida” é um deles, tendo sido escrito por um dos meus escritores médicos favoritos, o neurologista britânico Oliver Sacks. Sendo autobiográfico, há aspectos que ultrapassam a dimensão da medicina, mas, e em geral, trata-se duma leitura maravilhosa. Oliver Sacks reflete o quão importante é reconhecermos os pacientes como reais, e não apenas como meros casos clínicos. Explora temas difíceis e pessoais, como o suicídio entre médicos, a depressão e as dependências. As suas palavras demonstram como procurou, durante a sua vida, ser empático com os seus pacientes:

“Ver pacientes, ouvi-los, tentar compreender (ou pelo menos imaginar) as suas experiências e dificuldades, preocupar-me com eles, responsabilizar-me por eles, eram tudo coisas novas para mim. Os pacientes eram reais, e amiúde impulsivos, com problemas – e por vezes opções – reais e amiúde angustiantes. Não se tratava de apenas os diagnosticar e tratar.”, “Em Movimento: Uma Vida”, de Oliver Sacks

O segundo livro que gostava de recomendar é “Antes de Eu Partir”. Nele, Paul Kalanithi relata a sua experiência como interno de neurocirurgia e como paciente, uma vez que lhe foi diagnosticado, com 36 anos, cancro do pulmão em estádio terminal. É fácil empatizar com as palavras de Paul Kalanithi: lidou com as incertezas inerentes ao processo de escolha duma especialidade e, posteriormente, um internato difícil e desafiante. Como neurocirurgião, deparou-se com diagnósticos difíceis, tendo comunicado notícias devastadoras. Ao longo da sua narrativa, deparamo-nos com as estratégias que usou e a sua filosofia:

“A função do médico não é protelar a morte ou restituir os doentes às suas vidas antigas, mas tomar nos seus braços um doente e família cujas vidas se desintegraram e trabalhar até que eles se ponham de novo em pé e encarem, e deem sentido, à sua própria existência.”, “Antes de Eu Partir”, de Paul Kalanithi

“Antes de Eu Partir” é especialmente importante porque permite a qualquer profissional de saúde colocar-se no lugar de Paul e imaginar o ponto de vista dum paciente. Esta foi a tarefa que Paul Kalanithi teve de desempenhar: o confronto com uma doença que aniquilara os seus planos profissionais e pessoais. As suas palavras comoveram-me e permitiram-me compreender que não podemos controlar todos os aspectos das nossas vidas, mas podemos decidir como a queremos viver.

Fotografia de Teresa Tomaz

Por fim, gostaria de recomendar um livro que se distancia um pouco dos restantes e que me ajuda a encontrar alguma bibliografia para determinadas situações que não domino ou que não me sinto capaz de compreender na totalidade. “Remédios Literários – Livros para salvar a sua vida – de A a Z” é um livro que contém várias sugestões relativas a diversos temas importantes, como “medo de voar”, “ter cancro” ou “culpa”.

Este artigo foi publicado originalmente no Pickashelf, tendo sido aqui reproduzido com a devida autorização

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