‘Star Wars: The Last Jedi’, altos e baixos que querem romper com o passado
No novo Star Wars não se trata de ganhar, trata-se de sobreviver. Podemos com isto estar a falar sobre a narrativa da história, sobre a continuação da saga ou sobre ambos, como é o caso. O toque Disney romantiza e traz humor pateta (em demasia) onde dantes havia sinceridade, e este The Last Jedi é um cocktail de mixed feelings: tem alguns dos melhores momentos de toda a saga (já lá vamos) e algumas escolhas fracas demais (“porquê?” é a pergunta chave) para serem verdade. As publicações querem entrar no hype daquele a que já apelidam “um dos melhores Star Wars de sempre” (como se o filme precisasse disso para vender) mas os fãs da saga, esses fazem-se ouvir por aí, pelos cantos da Galáxia, dizendo abertamente que este Star Wars não é tão bom assim, pelo contrário – e não há que ter medo de o dizer: este filme tem muitas falhas e ainda mais más escolhas – e a “batalha” final não fica isenta de críticas pelo que devia ter dado e não deu.
O mote deste Last Jedi é-nos dito pelo nosso novo vilão da saga, Kylo Ren (ainda perdido naquela dúvida existencial entre o bem e o mal): “há que romper com o passado para conseguirmos aquilo a que estamos destinados”, parafraseando. Irónico é que o que traz ainda alguma estabilidade e consenso a estes dois últimos episódios são precisamente alguns dos seus pontos em comum (ou personagens) com o passado, como a Princesa Leia (a última aparição de Carrie Fisher que entretanto faleceu) ou Luke Skywalker, mestre Jedi. Outras, como Chewbacca, são quase trazidas por obrigação (não sem antes fazer um amigo, um dos nossos preferidos de todo o Universo Star Wars, o simpático e adorável porg (mesmo a tempo das vendas em formato peluche nesta época natalícia) – ainda que as circunstâncias que os juntaram não tenham sido as melhores, ou como Maz Kanata, que tem uma participação acidental (e acidentada) neste episódio.
No entanto, até o cordão da nostalgia é ténue. Carrie Fisher podia ter saído pela porta grande nesta aventura, os caminhos para isso foram criados, mas em vez disso existiu o medo da despedida, e a Princesa Leia tem um momento Super-Mulher (ou Jesus Cristo, ainda não percebemos bem aquele que é um dos momentos mais ridículos de toda a saga) que parece inventado do nada por puro arrependimento (não podiam ter imaginado outra coisa menos descabida?) – “pessoal, afinal esta cena não, mas continuem precisamente onde a deixámos porque não temos orçamento para refazer esta parte”…
Já quanto a Mark Hamill ficamos a perceber o que levou ao desacordo com o que foi estabelecido para a sua personagem neste episódio. Luke Skywalker passa três quartos do filme a deambular por uma ilha em actos sem qualquer relevância na maioria das vezes (num deles até ordenha uma “vaca” extraterrestre) enquanto Rey (Daisy Ridley) o tenta convencer a torná-la numa mestre Jedi; noutros lá pegam nele para o colocar no centro da acção entre Rey e Kylo Ren e da tensão sexual entre eles (sempre, porque um homem e uma mulher protagonistas não são nada sem isso, nem valem enquanto indivíduos nas histórias da Disney).
Mas este Last Jedi não tem só más escolhas. Tem más escolhas e uma narrativa que sofre de hiperactividade, incapaz de assentar e levar-nos por uma cena sem nos chutar para outro canto da Galáxia logo de seguida, nem que seja para Rey se ver ao espelho numa cave maléfica ou irmos aleatoriamente a um casino (quem nunca?) e fugir a cavalo (ainda bem que da aventura trouxeram a carismática personagem de Benicio del Toro), com dois protagonistas secundários que têm também eles a história romanceada, ou não fossem eles um homem e uma mulher e – pasmem-se – é um casal de etnia diferente, cumprindo assim não só a paridade racial mas trazendo ainda mais um par romântico para a história. Mais um ponto para a Disney (será mesmo que é?) e os seus pré-fabricados contemporâneos.
Vamos a coisas boas. Está criado caminho para algo interessante nesta sobrevivência da Resistência, vão-nos dando alguns personagens interessantes e a sala do trono do Líder Supremo Snoke além de conter uma das melhores cenas de luta de todos os episódios de Star Wars envolvendo a sua guarda-pessoal pretoriana, tem também uma estética e palete de cores cuja aura emana um Holy Mountain de Jodorowsky, ou ao salão vermelho de Twin Peaks (deram a Rian Johnson uma faísca de liberdade criativa que ele tão bem sabe ter – veja-se os seus excelentes filmes anteriores, sobretudo Looper), mas, e como estamos a falar da sua sala, Snoke é claramente um personagem subutilizado cujo rendimento possível fica por extrair (e tantas perguntas por responder, porque fazê-las já as tínhamos feito desde o último filme).
Star Wars: The Last Jedi quis muito, mas de muito tornou-se pouco. É interessante a escolha da sobrevivência da Resistência perante a Primeira Ordem durante todo o episódio trazendo algumas personagens bem interessantes como a Vice Admiral Hordo, interpretada pela fabulosa Laura Dern, naquele que é sem dúvida um dos bons pontos positivos deste filme e o nosso já conhecido Poe Dameron, Oscar Isaac. Mas, maioritariamente, este filme causa-nos uma sensação de “wtf?” pelas piores razões – a ordenha da vaca e o sacudir de ombro do Luke são brincadeira de criança quando comparadas à já falada cena da Princesa Leia -, porque desperdiçou completamente uma mão cheia de personagens interessantes (Snoke, Phasma, ou DJ) e noutras esteve demasiado ocupado a criar laços românticos para lhes dar algum desenvolvimento – já alguém sabe o que achar do novo vilão da história? Já todos sabemos que ele está muito confuso, mas se isso lhe dá algum conteúdo por si só, também o distancia de vilões icónicos que a série já nos deu (estamos todos a pensar no mesmo).
A luta constante entre o “Bem” e o “Mal” infantilizou-se, ou melhor, Disneyficou-se. Juntamente com a “Força” são só já meras palavras de um produto de vendas que não precisa ser bom para ser rentável (veja-se quanto já contabiliza). O debate e a luta interior estão lá porque nos esfregam na cara isso. Dizem-nos tudo, não nos deixam descobrir. Mas quem quer mais, algo além disso, está cá também, para falar bem ou mal no final. Star Wars: The Last Jedi é entretido (ou não tivesse “mil” twists) apesar das suas longas duas horas e meia, mas fica aquém da maioria dos filmes da saga (incluindo de Rogue One). Não é por um espectáculo ter muito fogo de artifício (aka naves a explodir ou pirotecnia diversa) e muita coisa a acontecer que é automaticamente bom. Tal como a Resistência, este filme também “sobrevive”, mas isso não quer dizer que esteja de boa saúde.