Stefan Zweig, o narrador da melancolia

por João Estróia Vieira,    24 Julho, 2018
Stefan Zweig, o narrador da melancolia

Stefan Zweig foi um dos mais prolíficos escritores da primeira metade do século XX. Impaciente por natureza, como admitiu na sua carta de suicídio (“Saúdo todos os meus amigos! Que possam ainda vislumbrar a aurora matinal após a longa noite! Eu, demasiado impaciente, vou-me embora antes”), repudiou o “presente” em toda a sua obra, tornando-se num biógrafo e contista de excelência emanando a sua veia humanista no que escrevia.

É talvez por chegar tão facilmente ao coração, e por representar tanto do que somos, que a obra de Stefan Zweig, (re)lançada pela editora Relógio D’Água nos últimos meses, é tão pessoal e apelativa. É um pouco de nós e das nossas obsessões, do que deixámos para trás e nunca ficou resolvido. O autor tinha na sua escrita uma corrente sentimental e emocional ímpar, que nos guia e aproxima dos estados de espírito desesperantes retratados nas personagens das suas obras (“Amok (…) é o inferno da paixão no fundo do qual se retorce, queimado mas eliminado pelas chamas do abismo, o ser essencial, a vida oculta”). Porventura somos viciados na dor e na perda como forma de nos despertar e nos sentirmos um pouco mais humanos por vezes. Mesmo quando a perda não é nossa, a dor passa a ser, e Zweig transmite-nos isso fazendo-nos afeiçoar às pessoas que retrata nos seus livros.

Stefan Zweig nunca foi unânime. A sua escrita estava desprovida das figuras de estilo e da riqueza aflorada que a crítica ama(va). Invés disso, Stefan Zweig preferia a simplicidade por tornar a sua escrita mais real, mais pungente e, por isso, mais aproximada ao que queria transmitir. Foi nessa crueza de escrita, mas a forma detalhada com que explorava o psicológico das suas personagens, que se denota fortemente a sua ligação a Freud, com quem partilhava grande de amizade. As suas personagens, personagens-limite, obsessivas e viciadas, expandem-se e dão-se a conhecer um pouco por todas as suas obras, veja-se Uma História de Xadrez: “Durante toda a minha vida fascinaram-me todos os tipos de indivíduos monomaníacos, apaixonados por uma única ideia, pois, quanto mais alguém se limita, mais próximo fica do infinito, e, precisamente essas pessoas que parecem afastadas do mundo, à semelhança das térmitas, constroem com os seus materiais particulares uma miniatura extraordinária e única desse mesmo mundo.”

Tal como Freud, Zweig interessava-se pelos porquês, pelas razões que resultavam invariavelmente em respostas ásperas. Raramente as personagens de Zweig se aproximavam de seres indulgentes, nem para consigo nem para com os que potenciaram o seu estado de espírito, como em Vinte e Quatro Horas da Vida de Uma Mulher: “Mas hoje, que me esforço por fazer surgir do fundo da minha alma, como uma coisa estranha, todo o passado, com ordem e energia, pois a sua presença não consente nenhuma dissimulação, nenhum subterfúgio cobarde para esconder um sentimento de vergonha, hoje compreendo claramente o que me fez então tanto mal: foi a decepção… a decepção de ver… Que esse rapaz partia docilmente… sem nenhuma tentativa de me conservar, para ficar junto de mim… por ver que ele obedecia, humilde e respeitosamente, à minha primeira sugestão para que fosse embora, em vez… em vez de tentar puxar-me violentamente para si… por ver que ele me venerava apenas como uma santa que aparecera no seu caminho… e que… e que não sentia que eu era uma mulher.”

A melancolia sempre foi ao longo de toda a História um dos grandes motores da inspiração e – por associação – da própria criação, seja ela literária ou não (pensamos tão rapidamente na obra Nostalghia de Andrei Tarkovsky como nas Noites Brancas de Fiódor Dostoiévski). Não será também a própria História e a sua contínua aprendizagem e estudo uma forma de lidarmos com a melancolia? Ao longo da sua vivência o ser humano sempre teve medo de inevitabilidades: da efemeridade da sua existência e do esquecimento. Talvez advenha dessa mesma inevitabilidade e certeza o medo que lhes temos. “Os livros só se escrevem para, depois de deixarmos de respirar, unir os homens e defender-nos perante o inexorável reverso de toda a existência: a transitoriedade e o esquecimento” (no conto O Mendel dos Livros).

Stefan Zweig é aquela lágrima que ficou a balançar eternamente no nosso rosto. A despedida que nunca tivemos ou o “olá” que nunca chegámos a dizer. Stefan Zweig é o arrependimento e a forma como cada um de nós lida com ele. É a lembrança que já não passa disso mesmo. É a luz e a escuridão, a felicidade e a tristeza, essa agridoce dicotomia: “O seu olhar tombou sobre a jarra azul que estava diante de si, em cima da sua mesa de trabalho. Estava vazia, vazia pela primeira vez, no dia do seu aniversário! Teve um estremecimento de terror. Isso foi para ele como se uma porta invisível se tivesse aberto e uma corrente de ar gelado, saído do outro mundo, penetrasse na quietude do seu quarto. E sentiu que alguém acabava de morrer, sentiu que tinha nesse alguém um imortal amor. No mais fundo da sua alma, alguma coisa desabrochava e pensou na amante invisível, tão imaterial e apaixonadamente, como uma música distante”, Stefan Zweig, em Carta de uma Desconhecida.

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