Umas conchas da ilha da Armona
Neste período de quarentena, em que nos vemos obrigados a parar fisicamente, não há limites para onde a nossa mente nos pode levar. Olhando à volta do meu quarto, vejo objectos trazidos de viagens que fiz no passado e que, instantaneamente, espoletam memórias das mesmas. É uma forma de escapismo momentâneo que traz algum conforto em tempos incertos. Deixem-me levar-vos numa viagem à volta do meu quarto.
O quinto objecto é um conjunto de conchas que trouxe da ilha da Armona, localizada no Parque Natural da Ria Formosa, ao largo da costa de Olhão. A ilha é acessível através de um serviço de ferry, que transporta locais e turistas para uma realidade tranquila e bastante diferente das experiências mais buliçosas do Algarve.
Não foi a minha primeira vez na ilha da Armona, mas foi mais especial que essa. Agora com um grupo mais pequeno, fui aproveitar um início de Outono quente num fim-de-semana prolongado com as minhas tias e um cão. A vida tinha mudado bastante desde a primeira expedição à Armona, mas a ilha mantinha-se igual.
Ilhas sempre me fascinaram bastante, pelo isolamento que impõem. Os territórios insulares do Parque Natural da Ria Formosa não são excepção, mas são ainda mais especiais por se encontrarem tão perto da costa continental algarvia — na parte norte, do cais da Armona, distingue-se perfeitamente a cidade de Olhão — e ainda assim conservarem uma cultura e estilo de vida tão diferentes daqueles que se experienciam no continente. Nos terrenos estéreis e arenosos da ilha da Armona, amontoam-se casas de pescadores e alojamentos numa mistura inusitada entre barracas e moradias, que quase parecem fazer parte de um conjunto esquizofrénico de bungalows.
Uma viagem de barco de pouco mais de 10 minutos levou-me a um mundo diferente, onde tudo parece andar um pouco mais devagar e a maioria das preocupações se torna fútil. Foi de facto um bálsamo para a minha alma poder passar os dias na praia, a comer uvas e a nadar, para poder relaxar totalmente do stress do trabalho e da vida agitada da cidade.
Eu já tenho uma muito boa relação com as minhas tias, mas passar um fim-de-semana neste ambiente acaba por nos aproximar de com quem quer que o passemos. Seja a dar passeios, a preparar e a comer as refeições, que acabam por se alongar de forma natural, há espaço para a conexão humana sem grandes distracções aliada a uma desintoxicação tecnológica, fruto de uma rede móvel mais débil.
O avanço e recuo da maré redesenha os contornos da Armona (e dos restantes ilhéus da Ria Formosa) a todo o momento. Há praia no lado norte da ilha, onde podemos banhar-nos nas águas mornas e tranquilas da ria. Contudo, eu prefiro fazer a caminhada, debaixo do sol matinal, até ao lado oceânico, onde as ondas levam e trazem detritos de vida marinha que jazem nas zonas de rebentação. Em passeios à beira-mar, ao longo da orla que se estende por quase 9 quilómetros até à praia da Fuseta, as conchas — de navalhas, berbigões, amêijoas, mexilhões, búzios, canilhas, entre outros — impressionam pela variedade de formas, cores e texturas. Apanhá-las leva-me de volta à infância, pela inocência e tranquilidade do simples acto de me agachar e apanhar uma concha da areia, para depois a admirar sob a luz do sol.
De volta à cidade, coloquei as conchas num boião de iogurte, que mantenho sobre a minha secretária. Assim, quando olho para lá do ecrã do computador, posso ter um gostinho da brisa marítima que tanto me apazigua, nem que seja na minha própria mente.